Iluminamos: Antes de Watchmen – Espectral

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Sim, eu não tenho medo das maldições do Sr. Moore.

Continuando a publicação do projeto Before Watchmen no Brasil, a Panini lançou o segundo número, da mesma forma que o primeiro: um único volume compilando toda a mini-série original. O personagem escolhido foi a Espectral.

Laurel Jane experimentando o uniforme que um dia foi de sua mãe. Um dos equívocos da série é focar nos desinteressantes anos da adolescência em detrimento de outras que seriam muito mais interessantes.
Laurel Jane experimentando o uniforme que um dia foi de sua mãe. Um dos equívocos da série é focar nos desinteressantes anos da adolescência em detrimento de outras épocas que abririam melhores possibilidades narrativas.

Sabemos, pela obra de Moore e Gibbons, que Laurel Jane é uma mulher que foi transformada em vigilante, a contragosto, pela própria mãe, que, aparentemente, buscou seguir na vida emocionante de combatente do crime através da filha. Antes de Watchmen – Espectral busca trazer um pouco de luz para a formação da personalidade da garota. E aí, na minha opinião, mora o fracasso da obra.

Uma das poucas cenas que mostra algo do "treinamento" da futura Espectral. Darwyn Cooke não conseguiu fugir do exagero e aí deixou de lado aquilo que é uma das maiores qualidades de Watchmen, onde as coisas, mesmo as estranhas, são tratadas de forma crível.
Uma das poucas cenas que mostra algo do “treinamento” da futura Espectral. Darwyn Cooke não conseguiu fugir do exagero, deixando de lado o comedimento que é uma das maiores qualidades de Watchmen, na qual as coisas, mesmo as estranhas, são tratadas de forma crível.

Eu sempre vi Laurel como uma mulher de personalidade fraca. Ela não queria ser vigilante, mas se tornou pra agradar a mãe. Quando parou, aceitou comodamente o cargo de amante da Arma 1 dos EUA. Quando foi abandonada pelo Dr. Manhattan e, consequentemente, pelo Governo, se viu na rua da amargura, sem um tostão para alugar um quarto. Ou seja, durante os anos que esteve ao lado do herói azul, não guardou dinheiro para absolutamente nada, não construiu nenhum patrimônio, não adquiriu sequer um apartamento onde pudesse se refugiar. Depois, retornou à fantasia para agradar um sujeito que anda tão pra baixo que sequer consegue ter uma ereção. Que personalidade esta mulher tem?

Para Darwyn Cooke (roteiro) e Amanda Conner (roteiro e arte), no entanto, ela tem uma personalidade que merece ser explicada. Mais uma vez, como na do Coruja, são autores tentando apresentar justificativas para certos traços dos personagens, como se as pessoas simplesmente não pudessem ser de certa forma como elas são. Sinceramente, acho que foi um tremendo desperdício de oportunidade. Poderiam focar no treinamento dela ou em seus primeiros anos como heroína, mas preferiram procurar a fase adolescente, numa narrativa sem foco claro e carregada de clichês.

Espectral em ação. Se formos medir um herói pelos seus vilões, ela disputa com vantagem o título de heroína mais ridícula de todos os tempos.
Espectral em ação. Se formos medir um herói pelos seus vilões, ela disputa com vantagem o título de heroína mais ridícula de todos os tempos.

Tenho lido diversas críticas e fico estupefato com a forma condescendente como tem sido elogiada. Acho incompreensível: temos a heroína com a mãe super-protetora – mas de passado sexual questionável –, a garota popular, mas chata, que trata a mocinha como lixo e o rapaz bonitão, porém boboca, que resolve fugir de casa junto com a menina e vão pra – surpresa! – São Francisco, onde entram em contato com uma turma de hippies e embarcam em uma vida de “comunidade”, com pouco trabalho e muita droga. E é neste mundo que ela vai “buscar sua personalidade”.

É sério, pessoal. Quantos e quantos filmes, livros, séries e gibis possuem temáticas parecidas? E eu sempre me pergunto: os adolescentes desta época eram mesmo assim? Porque me parece uma visão tão idealizada quanto a que coloca todos os dos anos 1990 como neonazistas – que não tomavam banho – em potencial.

E não é apenas nisso que acho a história fraca. Sabem quem são os grandes vilões? Um negro com jeito de cafetão que trabalha para um sujeito com cara de Frank Sinatra. E o que eles fazem? Desenvolvem uma droga que estimula o impulso consumista. Espantoso: utilizando o universo de Watchmen, foi isso que o Darwyn conseguiu criar! Há até uma cena particularmente constrangedora em que um químico explica como a droga funciona. Claro que não faz o menor sentido.

Seis chatíssimas páginas foram gastas numa tentativa de emular o efeito das drogas no organismo da protagonista. Os auotres aproveitaram para colocar mais referências a Watchmen aqui, mas, como todo o resto nestas páginas, é tão sem sentido que as pessoas devem deixar pra lá.
Seis chatíssimas páginas foram gastas numa tentativa de demonstrar o efeito das drogas no organismo da protagonista. Os autores aproveitaram para colocar mais referências a Watchmen aqui, mas, como todo o resto nestas páginas, é tão sem sentido que as pessoas deixam pra lá.

E tudo se resolve de maneira apressada, depois de se gastar páginas e mais páginas tentando mostrar os efeitos de uma viagem (em que vemos a personagem falando com um gato e o esqueleto – !! – de um passarinho, entre outras bizarrices desnecessárias). Não vou além para evitar spoilers, mas basta dizer que a heroína age pouco e quase sempre de maneira atrapalhada (embora ninguém pareça ser páreo pra ela, em um evidente exagero). E tem grande parte do seu trabalho resolvido quando o Coruja original, em sua identidade civil, parte em busca dela e termina assustando o chefão, que toma providências inexplicáveis.

Ao fim, não vejo nenhuma questão resolvida a contento. Laurel termina sendo a garota chata que acha que amadureceu porque “enfrentou o mundo”, mas não só se entrega a vontade da mãe como fica procurando chocá-la de forma gratuita com relacionamentos inadequados. Quaaaaaaaaaaaanta personalidade!

Aí, alguém questiona: “Não, cara, ela viu o mundo de verdade e percebeu que era útil!” Caras, esta visão não combina com a personagem mostrada na obra original. E é uma baita forçada na amizade aceitar que ligar o “foda-se!” é alguma forma de amadurecimento. E tem uma hora que enche o saco vê-la sempre de maquiagem borrada e fazendo bico de estressada.

E Sally sai de cena sem que se explique o que ela realmente pretendia tentando viver a vida de vigilante através da filha. A relação das duas é tão chata, cercada de diálogos infantis e discussões bobocas que eu comecei a torcer para o Comediante (que, claro, rouba a cena em sua pequena participação) aparecer e atirar nas duas.

Que não se fruste os fãs: o Comediante surge em cinco páginas e rouba a cena.
Que não se frustrem os fãs: o Comediante surge em cinco páginas e rouba a cena.

O destaque, como parece que será uma constante neste projeto, está na arte. Amanda Conner tem um traço limpo e agradável (e que casou com perfeição com o trabalho do colorista Paul Mounts). Adotando o padrão predominante na obra original (nove quadros por página), ela deixa sua narrativa fluir com liberdade, mas sem deixar de fazer diversas referências visuais a Watchmen. Sim, se no volume do Coruja fez falta uma maior ligação com a obra master, aqui temos diversas menções a ela. Vemos o smiley, o globo de neve, um poster que aparece em uma determinada cena do original… Também a forma dos títulos (pedaços de citações que surgem na íntegra no último quadro de cada parte) é igual. Amanda também brinca com o correlacionamento entre diversas imagens e quadros.

Um exemplo de momentos em que a artista foge do simples e ousa um pouco mais, com sucesso (embora não se possa dizer que seja inovador).
Um exemplo de momentos em que a artista foge do simples e ousa um pouco mais, com sucesso (embora não se possa dizer que seja inovador).

Ah, e temos diversas “participações especiais”, com personagens que, visualmente, lembram muito certos artistas da época, todos sendo mostrados de uma forma não muito lisonjeira. Outra boa sacada é quando os sentimentos da personagem principal são expostos na forma de cartuns, que remetem aos gibis românticos (populares nos anos 1950-60) que ela gosta de ler.

Enfim, por causa da arte é melhor que o primeiro volume, mais agradável de ler, mas completamente dispensável e sem nada a acrescentar ou responder sobre a obra original. Um passatempo razoável (se você gosta de desenhos) e só.

Antes de Watchmen - Espectral. Roteiro de Darwyn Cooke e Amanda Conner. Arte de Amanda Conner. Editora original DC Comics. Editora no Brasil Panini. Formato americano, lombada quadrada, capa cartonada e papel de miolo LWC. 108 páginas. R$ 12,90.
Antes de Watchmen – Espectral. Roteiro de Darwyn Cooke e Amanda Conner. Arte de Amanda Conner. Editora original DC Comics. Editora no Brasil Panini. Formato americano, lombada quadrada, capa cartonada e papel de miolo LWC. 108 páginas. R$ 12,90.

Bom, pra não ser uma perda total:

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E tem gente que, nas convenções, vota em sujeitos fantasiados de Pikachu. Vai entender esta humanidade…

E, claro, se você comprar (ou ler uma edição importada disso aí), não se esqueça:

coruja8

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

Este post tem 12 comentários

    1. JJota

      Olha, os artistas tem me agradado (até porque o traço do Gibbons nunca foi nenhuma maravilha). Mas tem roteirista aí que precisava muito ter relido a obra original com um pouco mais de atenção…

      Bom, tendo lido 4 das 8 edições que foram lançadas até agora, posso dizer que, por enquanto, foi uma boa ideia (sim, boa, que se foda a ranhetice do Moore!) tremendamente mal desenvolvida.

      1. Não li nenhuma das revistas, mas você não acha que o fato de ter jogado o projeto nas mãos de um monte de autores e escritores diferentes também não pode ter influenciado nesse “mal desenvolvimento” do projeto?

        1. JJota

          É difícil julgar os motivos, mas não creio que a pluralidade de autores atrapalhe. Acho que o problema é editorial, mas ainda não consegui me convencer se há pulso forte ou fraco demais, se o(s) editor(es) está limitando ou dando liberdade demais.

          Veja a resenha do Rorschach. Os pequenos equívocos aqui mostrados ficam gigantescos ali. Azzarello, mais uma vez, me decepcionou.

    1. JJota

      Ainda não li, Renver. Logo, logo eu postarei a resenha aqui.

  1. Bizarro

    Acho que o problema é a própria heroína, já que até mesmo Moore (e JJota reforça no texto) admite que ela é uma personagem vazia. Perto de personagens incríveis, como o Comediante, Doutor Manhattan e Ozymandias, não importa o que fizessem, nunca seria bom, pq o personagem em sua concepção, já é falho.

    1. JJota

      E é exatamente este, creio eu, o maior ponto falho dos autores. Eles deveriam ter assumido a pequenez de sua personagem e focado em uma história mais Begins, mostrando o treinamento da nova Espectral, o primeiro contato dela com os outros heróis, etc.

  2. toddy

    Só você mesmo pra fazer ler esse negócio viu jota, mas a mina ai da foto valeu muito a pena!!!

    1. JJota

      Cara, foi tanta gente perguntando por esse projeto que eu resolvi que tinha que esculhambar esta porcaria resenhar estas séries…

      E dá uma pesquisada: tem muitas fotos desta gata na internet!

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