Em 1997, o Oasis era a banda mais influente e bem sucedida do chamado britpop, que trouxe de volta ao grande público o rock britânico depois de um período em segundo plano, principalmente devido ao estouro comercial do grunge de Seattle. Eles tinham o poder e trilhavam a estrada de tijolos amarelos depois de um grande álbum de estréia (Definitely Maybe, 1994) e do estrondoso sucesso comercial e de crítica pelo segundo trabalho, (What’s the Story) Morning Glory, de 1995. Junto com o êxito, no entanto, veio o agravamento das tensões entre os irmãos Gallagher, Noel e Liam, cinco anos mais novo que o primeiro.
O comportamento antipático de Liam Gallagher com outros artistas e sua agressividade com a imprensa ajudam a entender porque não foi sem uma certa dose de satisfação que, após uma recepção inicial calorosa, boa parte da crítica musical estraçalhou o álbum Be Here Now, de 1997, ainda que sem conseguir atrapalhar o seu sucesso comercial: mais de dezessete milhões de cópias vendidas. Mesmo assim, esperou-se que a banda abandonasse os “desvios” e voltasse a investir na fórmula pop de antes, com letras mais diretas, arranjos mais simples e canções menos extensas.
Muito pelo contrário, Standing on the Shoulder of Giantstraz mais do que um simples flerte com a música eletrônica e a psicodelia. Noel Gallagher e o produtor Mark “Spike” Stent se esforçaram para fazer os arranjos mais trabalhados, à ponto deste ser taxado como o projeto mais “experimental” do grupo. Tanto na sonoridade como nas letras, o álbum difere do estilo predominante do trabalho do Oasis até então, passando um peso e uma negatividade apenas arranhados em algumas canções anteriores. A baixa vendagem, sintomaticamente, marcou o início de um processo de baixa aceitação dos trabalhos de estúdio da banda (confirmado pelas críticas tremendamente negativas e as vendas pífias do trabalho seguinte, Heathen Chemistry, de 2002).
Entre as faixas de Standing on the Shoulder of Giants, está aquela que me fez ouvir Oasis, muito por conta de um clipe que vi na tv. Claro que isso já aconteceu com você, “ver” uma música antes de realmente a “ouvir”, não? Gostar do clipe, daí se apaixonar pela música e depois começar a gostar de mais trabalhos do artista…? Bom, foi assim comigo e o Oasis, graças a Sunday Morning Call.
Embalada em um arranjo maravilhoso, que destoa de boa parte do conjunto apresentado no álbum, com um excelente equilíbrio entre os instrumentos, Sunday Morning Call tem uma letra melancólica, com um refrão que se destaca não apenas pelo significado de suas palavras, mas também pela forma como são “tecidos”, criando uma sensação envolvente dentro da cabeça.
O clipe, dirigido por Nick Egan e filmado em uma clínica para pessoas com problemas mentais em Vancouver, no Canadá, é uma clara versão de Um Estranho no Ninho(One Flew Over the Cucko’s Nest, 1975), com o ator James Cunningham interpretando um personagem que lembra R. P. McMurphy, papel que rendeu um Oscar a Jack Nicholson. A bela fotografia e o coerente roteiro não escondem os velhos truques, como ter Noel cantando como um “fantasma” no “cenário”, invisível aos demais. Há quem interprete isto como uma clara referência às “vozes na cabeça” citadas no verso “When you’re lonely and you start to hear / The little voices in your head at night”, mas ninguém, nem Cunningham, em nenhum momento olha para onde está Noel (embora, em dado momento, o ator olhe para a câmera… ou seja, para quem está assistindo, pedindo – talvez ameaçando? – uma cumplicidade no tocante ao fato dele não ingerir os medicamentos). Mas esta ideia parece fazer sentido, principalmente quando o arranjo muda e deixa de lado o tom predominantemente acústico: Noel solta o violão e desaparece do apartamento, de onde cantava por trás de uma cortina de contas, reaparecendo na clínica de recuperação (depois de mostrar a mesma cortina vazia, apenas com o violão ao fundo), coincidindo com o momento em que o personagem de Cunningham passa a se comportar como se realmente fosse maluco. Noel, a “voz na cabeça”, teria acompanhado o provável doente? Seria este o motivo pelo qual ele aparece sem cantar (sem mover os lábios, já que a música continua rolando) em algumas cenas, depois volta a o fazer?
Outro clichê que cola é a banda aparecer como um reflexo na tela de tv, sem realmente estar no ambiente que aparentemente a cerca. Isto, junto ao jogo de futebol sem bola (que é acompanhado pelos integrantes do Oasis de uma das janelas do instituto, onde primeiro Noel e depois Liam fazem gestos aparentemente grosseiros em direção ao que acontece “em campo”) reforça a ideia de que a loucura, às vezes, pode ser apenas uma visão mais ampla do mundo que nos cerca? Não sei, realmente, mas que funciona do ponto visual, funciona.
Vejo a cena em que Cunningham passa diante dos quartos como uma passagem de décadas, representadas através da música. Temos os anos 60 (o gordo cabeludo de bigode, lembrando os roqueiros da época), os anos 70 (o homem negro em posição de oração, uma referência ao som black da Motown – que conheceu seu auge naquela década, junto com o programa de TV Soul Train – e tinha forte influência do gospel) e os anos 80 (o magricelo de cabelo espalhafatoso lembra não apenas os remanescentes do punk como as material girlsCindy Lauper e Madonna). O próprio Cunningham – com seu visual “normal”, muito parecido com os dos próprios integrantes do Oasis – seria uma representação dos anos 90, não por acaso entrando no quarto seguinte.
No fim, quando aparece toda a banda em um ambiente fechado, com cores que destoam do cinzento frio e triste que marca os demais cenários, podemos ver claramente Liam Gallagher, debruçado sobre o piano.
“You need more time / Because your thoughts and words won’t last forever more / And I’m not sure if it’ll ever work out right”
Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.