Esta é uma introdução que virá em todos os textos da série. Serve para lembrar a todos que qualquer informação sobre os mitos gregos são versões de narrativas que já existiam. Isso ocorre principalmente em função da imaginação fértil dos poetas e da credulidade dos povos. Hesíodo não foi a fonte do conteúdo da Teogonia, ele apenas foi o primeiro a sistematizar e organizar os mitos da criação em uma sequência lógica. E, equivalente a Hesíodo, há diversos outros.

Vale citar também que o mito não serve apenas como uma história de aventura, é também uma ferramenta cultural. Os gregos passavam suas tradições através das narrativas, desde ensinamentos práticos, como montar um escudo, a éticos, como a maneira de se comportar. Ou seja, um mito, por mais esdrúxulo que pareça, possui um significado mais profundo.

Os links para os outros títulos da série estão no final deste post…

Tô jogando

Kratos era o comandante do exército de Esparta e contava, inicialmente, com cinquenta soldados. Este número cresceu para milhares na medida em que as guerras eram travadas. Somente sua mulher conseguia causar algum impacto em suas ações violentas, mas o orgulho o consumiu e ele continuou guerreando pela honra de Esparta.

Estava tudo dando certo até Kratos enfrentar os bárbaros do leste. Ele, então, pede ajuda a Ares, que o transforma em seu servo na Terra. O espartano se torna um assassino impiedoso e continua sua trajetória de conflitos e morte.

Um dia, ao atacar uma vila, mata por engano sua própria mulher e filha, colocadas lá como uma estratégia de Ares para acabar com qualquer ligação de Kratos com o mundo e, assim, torná-lo o soldado perfeito, “a própria Morte”. As cinzas de sua mulher e filha colam-se a sua pele, transformando-o no Fantasma de Esparta. Kratos jura vingança sobre Ares.

Aproveitando este sentimento, Atena pede ajuda a Kratos para parar seu irmão, Ares, que está atacando a cidade de Atenas. Ele tem ciúmes da deusa por ela ser a preferida de Zeus, pai dos dois. Atena conta que, para realizar esta ação, o espartano deve abrir a Caixa de Pandora e consumir o poder que está lá dentro. Somente assim conseguirá derrotar o deus e ter seus pecados perdoados.

Kratos mata Ares e o substitui como Deus da Guerra. Entretanto, ele se sente isolado no Olimpo, pois seu desejo de esquecer as atrocidades que ocorreram não foi atendido. Ele então parte para uma jornada de violência com seus companheiros espartanos pelo mundo e os deuses retiram seus poderes. A partir daí, Kratos inicia a vingança contra Zeus. Ele é ajudado por Gaia e os Titãs, mas logo é traído novamente.

No fim, a busca cega por vingança fez Kratos assassinar quase todas as divindades do Olimpo: deuses, titãs, monstros e heróis (Hércules, Teseu, Perseu…). Contudo, as memórias de seus crimes nunca saíram de sua mente. A imagem das mortes de sua mulher e filha obrigam-no, mesmo após matar Zeus, a finalizar sua vingança matando a si mesmo.

Conta como foi, vai…

A história de Kratos contada em God of War não existe. Na verdade, ela utiliza diferentes mitos, além de adaptar e agrupar diversas biografias. Por outro lado, o nome Kratos pode ser uma referência a Cratos, filho de Palas e Estige, e personificação do poder de Zeus.

Estige (Styx) era uma oceânide, filha dos titãs Oceano e Tétis (há outra Tétis, a nereida mãe de Aquiles), e um dos principais rios do Inferno. Palas (Palante), filho dos titãs Crios e Euríbia (filha de Gaia com o Mar), uniu-se a Estige gerando quatro filhos: Cratos (o poder), Bia (a violência), Zelo (a fúria) e Nike (a vitória – e, sim, é daí que vem o nome da marca Nike).

Cratos, apesar de pertencer a linhagem das divindades primordiais, esteve junto de Zeus na Titanomaquia (guerra entre deuses e titãs). E segundo Ésquilo, supervisionou o trabalho de Hefesto ao acorrentar Prometeu (titã) no Cáucaso – o mito de Prometeu será contado em outro texto, mas, resumidamente, ele foi dar uma de esperto contra Zeus e se ferrou…

O Kratos do jogo e o Cratos da mitologia se aproximam apenas na referência à força e ao poder. A história do herói de God of War parece mais uma mistura do Escorpião-Rei, citado no filme O Retorno da Múmia (2001), e de parte do mito de Héracles (ou Hércules).

O Escorpião-Rei, no filme, promete sua alma ao deus Anúbis em troca de ajuda nos conflitos – se esta história faz parte da mitologia egípcia, é assunto para outro texto… E Héracles, em uma das versões do mito, durante um momento de loucura provocado por Hera, mata seus filhos e sua mulher, Mégara – os trabalhos executados pelo herói foram o meio definido pelo Oráculo de Delfos para se redimir de tal atrocidade.

Olha que bonito!

A única evidência visual do Escorpião Rei (segundo rei do Egito) é a Cabeça de Clava de Escorpião, descoberta em 1898 durante as escavações no templo de Hierakompolis. A placa se encontra no Ashmolean Museum, em Oxford.

O Rio Estige foi pintado por diversos artistas. Joachim Patinir, pintor flamengo do Renascimento, especializado em paisagens e conteúdo histórico, pintou o rio em Paisagem com Caronte atravessando o Estige.

A Vitória de Samotrácia é uma escultura que representa a deusa Nike. Ela foi descoberta, em 1863, por Charles Champoiseaue na ilha de Samotrácia e data do séc. II a.C. Atualmente, encontra-se em uma escadaria do Louvre, em Paris.

Pintor holandês do início do século XVII, Dirck van Baburen fez uma mistura na pintura Prometeus acorrentado por Vulcano (nome romano do Hefesto): Prometeus é preso por Hefesto enquanto Hermes, no canto direito, observa. Nas diferentes versões do mito, os responsáveis por prender Prometeus se alteram entre Zeus, Hermes e Hefesto. Alguns elementos esclarecem a cena: a águia no canto superior esquerdo (representa Zeus e o animal que comerá o fígado de Prometeus); as ferramentas espalhadas caracterizam o local de trabalho de Hefesto, o ferreiro dos deuses; e sabemos que é o Hermes devido ao pétaso com as pequenas asas e ao caduceu na mão esquerda.

Não deixe de ler a primeira parte desta série clicando aqui!

Ou vá para os outros posts:

Do Caos a Urano

A vez de Cronos

Zeus, o Caçula

Zeus, o Comedor

Guerra dos Titãs e Deuses

Gigantomaquia

Prometeu

Hefesto, Pandora e as Mulheres

Atena