Iluminamos: Preacher – Histórias Antigas

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Jura que você não sabia que o Santo dos Assassinos é o Clint Eastwood?

A Panini, em mais um dos seus acertos com o Universo Vertigo, lançou no ano passado um encadernado contendo três dos seis “spin-offs” de Preacher. Claro que teria sido mais legal se todos os seis estivessem aqui, mas considerando o preço que tal ideia certamente alcançaria, ficou melhor assim. As três outras HQs derivadas foram enxertadas nos encadernados seguintes.

"No tempo em que ele era apenas um homem, antes de o mundo tremer ao estrondo de suas armas. Ainda havia alguma bondade em seu coração. E essa foi a tragédia."
“No tempo em que ele era apenas um homem, antes de o mundo tremer ao estrondo de suas armas. Ainda havia alguma bondade em seu coração. E essa foi a tragédia.”

Bom, Histórias Antigas – que faz uma pausa na narrativa principal após  Orgulho Americano – abre com O Santo dos Assassinos, originalmente uma mini de quatro partes publicada no período de agosto a novembro de 1996, entre o segundo e o terceiro arcos da série original. A história conta a origem do Santo dos Assassinos, personagem que, embora apareça pouco e seja um homem de poucas palavras, chamou a atenção do leitores. Na visão de Ennis, os assassinos não fariam suas preces a Deus, a anjos ou a santos comuns, mas teriam seu próprio padroeiro, alguém  “do ramo”, que entende das poucas recompensas e dos muitos riscos do ofício e que sabe o que é ter a alma consumida em ódio.

"Ele sabia o que estava fazendo naquela horrível noite sangrenta. Era sua vingança. E o início de sua lenda."
“Ele sabia o que estava fazendo naquela horrível noite sangrenta. Era sua vingança. E o início de sua lenda.”

Considerada pelo próprio roteirista uma de suas obras favoritas, Santo dos Assassinos tem como cenário o Velho Oeste mítico. Garth Ennis foi influenciado por diversas obras literárias e cinematográficas sobre o assunto, mas a que mais me saltou aos olhos, sem dúvida, foi Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992). Assim como o Bill Munny interpretado por Clint Eastwood, o futuro Santo dos Assassinos é um antigo caçador de recompensas, redimido por um amor inesperado, que retoma a trilha da violência após a perda deste. A busca por vingança contra o homem que – sem o saber – contribuiu para a morte da sua família, no entanto, não termina bem: pego à traição por um erro, ele morre poucos segundos após, na tentativa de atingir seu rival, eliminar um inocente, condenando a própria alma ao inferno.

"Tomaram de mim a única coisa boa de uma vida maligna. Perdido isso, tudo o que me restava era cair de volta nos braços do mal. Eu morri ainda com trabalho a fazer."
“Tomaram de mim a única coisa boa de uma vida maligna. Perdido isso, tudo o que me restava era cair de volta nos braços do mal. Eu morri ainda com trabalho a fazer.”

Lá, uma partida de pôquer entre o Demônio e o Anjo da Morte leva a algumas inconfidências, entre elas o terrível morticínio que marcaria o Século XX e as queixas do Anjo por sua tarefa. O papo é interrompido por um estranho fenômeno, que congela o inferno. Saindo para investigar, o Demônio descobre que a causa é o pistoleiro, cujo coração frio e cheio de ódio não satisfeito afetou a própria temperatura do local.  Diante da situação – e do fracasso das tentativas do Rei do Inferno de resolver a questão através de violentas torturas –  o Anjo da Morte propõe ao recém-chegado um acordo: ele teria a sua vingança, desde que o substituísse, assumindo a alcunha de Santo dos Assassinos, respondendo apenas a Deus. Trato aceito, a espada do Anjo da Morte foi derretida no fogo infernal e forjada como um par de Colts, para os quais nunca faltaria munição e nenhum tiro erraria o alvo ou seria menos que fatal.  Depois de eliminar o próprio Diabo por conta de uma ofensa irrefletida do mesmo, o Santo retorna ao momento do seu falecimento e obtém sua vingança, mas de uma forma bem mais violenta – e com um alvo bem mais amplo. Assim o fez o Santo dos Assassinos, cioso na confecção do início da sua lenda.

No texto, é Garth Ennis à vontade, escrevendo dentro de um mundo imaginário que conhece e admira.  Como sempre, temos personagens durões, amorais e um ou outro momento de revirar o estômago.

Steve Pugh
Steve Pugh

A arte de Steve Pugh é correta. Seu Santo dos Assassinos consegue ser mais visualmente impressionante que o  de Steve Dillon. Mas acho que o capricho no traço final cai a medida que a história avança. Além disso, Pugh tem a infame tarefa de ver seu trabalho ser comparado ao de Carlos Ezquerra, desenhista do terceiro episódio, que se passa todo no inferno. Ficou difícil para mim não lamentar que o espanhol não tenha ilustrado a série toda.

A segunda HQ, originalmente publicada em dezembro de 1996, é a A História de Você-Sabe-Quem, onde o Cara-de-Cu “narra” para um mendigo viciado a história de como um adolescente imbecil e maconheiro se deixa influenciar por um moleque gabola, que possui apenas revolta e atitude, e termina dando um tiro na própria cara. Garth foge do óbvio e não recheia a história com seu habitual humor negro, preferindo fazer algo um pouco mais crítico. A família do garoto é formada por pais alcoólatras e ausentes, ele, um policial racista e violento, cujos excessos estouram nas costas do filho, ela, uma devota que busca na igreja o mesmo que na bebida: fuga.  Fica claro que as relações ruins que o jovem tem na escola – ser ignorado pelas meninas, ser o saco de pancada dos meninos – poderiam ser diferentes se Pube, seu grande amigo, não fosse apenas mais um escroto de marca maior, que nutre prazer em afastar os outros com sua atitude grosseira e vive metendo os dois em confusão.

"Eu só queria... Só queria eu tomar uma decisão na vida. Não meu pai nem ninguém. Só eu."
“Eu só queria… Só queria eu tomar uma decisão na vida. Não meu pai nem ninguém. Só eu.”

A crítica principal, no entanto, está em uma das justificativas para o injustificável. Pube resolve se matar num ímpeto, influenciado pela atitude de Kurt Cobain, logo após sofrer uma humilhação que quebra a imagem que criou pra si mesmo. Dotado de instinto violento e nauseante covardia, descarrega sua raiva no alvo mais fácil (depois de o fazer com um simples cachorrinho): ele mesmo. Já Root parece apenas disposto a seguir o amigo. Mesmo assim, ele apresenta uma das ridículas desculpas para suicidas e assassinos adolescentes, que recebe uma severa – e curta – critica de Ennis, através do personagem da irmã de Pube.

Richard Case
Richard Case

A arte deixa muito a desejar. É um traço diferente, que pode ter seus aficionados, até porque tudo que foge do convencional tem seus adeptos. Mas, definitivamente, Richard Case não me agradou nem um pouco.

Carlos Ezquerra
Carlos Ezquerra

Já em Os Bons Camaradas, publicada pela primeira vez em agosto de 1997, temos a arte de Carlos Ezquerra naquela que é, infelizmente, a pior de todas as historias. Nada contra Jody e T.C., os violentos fascínoras que servem à avó de Jesse Custer. Eles estão bem retratados, com toda a sua depravação e exagero. Mas este exagero termina soando ruim nos demais integrantes da série, que são meros clichês exacerbados de personagens daqueles péssimos filmes de ação dos anos 1980: temos o policial musculoso cheio de problemas pessoais e profissionais; a gostosa com roupa e aparência incompatíveis com a profissão que exerce que se mete em algo perigoso envolvendo, acidentalmente, o chefão do crime sádico e cheio de frases idiotas, cercado por capangas burros…  Bom, sou fã do Sr. Ennis, mas aí ele ficou mesmo devendo.

T. C. e o amor...
T. C. e o amor…

A edição da Panini segue o mesmo padrão (capa dura e papel de qualidade) e os mesmo defeitos das demais edições: falta quase total de extras – temos apenas um texto de Ennis sobre a série do Santo dos Assassinos  e as artes das capas originais, toda de Glenn Fabry – e uma tradução que parece não conseguir captar o linguajar do escritor no original (não consigo imaginar o Diabo dizendo “Xô, Satanás!”).

Bom, você não vai pagar com a alma, vai? Então vale a pena.

Preacher - Histórias Antigas. Roteiro de Garth Ennis. Arte de Steve Pugh, Carlos Ezquerra e Richard Case. Ediotra original DC Comics (Selo Vertigo). Editora no Brasil Panini. Formato americano, capa dura, 228 páginas, R$ 64,00.
Preacher – Histórias Antigas. Roteiro de Garth Ennis. Arte de Steve Pugh, Carlos Ezquerra e Richard Case. Editora original DC Comics (Selo Vertigo). Editora no Brasil Panini. Formato americano, capa dura, 228 páginas, R$ 64,00.

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

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