Literatos – E o Vento Levou, de Margaret Mitchell

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Sim, sou fã desta obra.

E o Vento Levou (Gone with the Wind, no original) é um romance histórico (mistura de ficção e história, em que normalmente os elementos reais servem de pano de fundo para a atuação de personagens imaginários, embora alguns autores ousem mais e criem sobre personagens que realmente existiram). Considerado por muitos o melhor romance sobre a Guerra de Secessão já escrito – e o único, até a sua publicação, a fazê-lo de uma ótica feminina -, não está isento de críticas, principalmente por se calcar em uma visão simplista (mas não simplória), romântica e elitista da época.

Margaret Mitchell. A autoria começou a trabalhar no livro em 1926, vindo a concluí-lo quase dez anos depois. Foi seu único trabalho publicado, visto que ela via ser autora de E o Vento Levou um trabalho exaustivo, com diversas horas-extras. Baseada em um extensa pesquisa sobre a Guerra de Secessão e, principalmente, pelas histórias sobre o período que cresceu ouvindo, Mithell adotou um procedimento curioso, escrevendo os capítulos do livro de acordo com a sua inspiração, cuidando para depois conectá-los. De fato, ela escreveu primeiro o último capítulo, para saber como a história terminava.
Margaret Mitchell. A autora começou a trabalhar no livro em 1926, vindo a concluí-lo quase dez anos depois. Foi seu único trabalho publicado, pois achava  ser autora de E o Vento Levou um trabalho exaustivo, com diversas horas-extras. Baseada em um extensa pesquisa sobre a Guerra de Secessão e, principalmente, pelas histórias sobre o período que cresceu ouvindo, Mithell adotou um procedimento curioso, escrevendo os capítulos do livro de acordo com a sua inspiração, cuidando para depois conectá-los em ordem cronológica. De fato, ela escreveu primeiro o último capítulo, para saber como a história terminava.

A autora usa a Guerra de Secessão, a derrocada do Sul e o início da Reconstrução como pano de fundo para contar a história de Scarlett O’Hara, jovem arrogante e mimada, que leva a vida em ser admirada e que presta verdadeira adoração a figura de sua mãe. Ela se apaixona por seu vizinho, Ashley Wilkes, e não desiste dele nem mesmo quando este anuncia estar noivo de Melanie. Na mesma ocasião, ela conhece Rhett Butler, um homem que possui uma má reputação, mas se comporta de maneira livre, não hesitando em provocar os outros com seus comentários mordazes e sinceros. Scarlett amadurecerá durante a guerra e, principalmente, na derrota, lutando com todas as suas armas para manter Tara, a fazenda de sua família. Paralelamente, ela continuará dividida entre a sua paixão platônica por Ashley e a relação cada vez mais íntima com Rhett.

“Scarlett queria muito ser como a mãe. A única dificuldade era que, sendo justa, verdadeira, terna e altruísta, perdia-se a maior parte das alegrias da vida e certamente muitos admiradores. A vida era curta demais para se perder coisas tão prazerosas.”

É preciso dizer que a autora se empenhou muito em tornar sua história, apesar de extensa, “fácil de ler”. E conseguiu. Principalmente em suas três primeiras partes, a leitura flui facilmente, mesmo quando ela se desdobra para descrever os avanços e retrocessos da campanha do Sul na guerra ou faz explanações sobre a sociedade sulista da época.

Mitchell se ficou em algumas visões pré-determinadas e conhecidas, como a descrição do Velho Sul (uma visão romantizada e distorcida do Sul dos Estados Unidos antes da Guerra de Secessão, mostrada como uma terra de fidalgos amantes da terra e amigos de seus escravos). Tambpem construiu Scarlett usando o arquetipo da Belle do Sul, uma jovem oriunda da aristocracia solistam cujo fascínio é muito mais despertado pelo seu charme do que pela sua beleza.
Mitchell se fixou em algumas visões pré-determinadas e conhecidas, como a descrição do Velho Sul (uma visão romantizada e distorcida do Sul dos Estados Unidos antes da Guerra de Secessão, mostrada como uma terra de fidalgos amantes da terra e amigos de seus escravos). Também construiu Scarlett usando o arquétipo da Belle do Sul, uma jovem oriunda da aristocracia sulista que desperta fascínio muito mais pelo seu charme do que pela sua beleza.

A atuação de Scarlett, que se aproveita das necessidades impostas pela derrota para abraçar atividades até então consideradas exclusivas dos homens, fez com que a obra fosse considerada feminista. É bom salientar que a autora não perde oportunidade para salientar a ignorância cultural de sua heroína, que tem conhecimento de literatura, ciência e História praticamente nulos. Também está longe de ser uma beldade. Mas compensa tudo com charme e empenho, embora não raramente perca a cabeça (e os modos).

“Com Deus por testemunha, com Deus por testemunha, os ianques não vão me vencer. Vou superar isso e, quando acabar, jamais sentirei fome novamente. Nunca, nem nenhum dos meus. Mesmo que tenha de roubar ou matar, que Deus seja minha testemunha, jamais sentirei fome novamente.”

Dentro de todas as limitações da época em que foi publicado, E o Vento Levou pode ser considerado um livro erótico. Se Ashley parece ser a imagem do perfeito cavalheiro, Rhett é o don juan, o conquistador, a alma livre que, ao tentar prender Scarlett em sua teia de sedução, terminou sendo preso por ela. Irônico, honesto em suas observações, mas também muitas vezes bruto ao expô-las, Rhett declara de tempos em tempos que ama Scarlett por ver nela uma igual, alguém com quem poderia realmente se fazer entender.

É fácil perceber como foi fácil construiu a intensa química entre os personagens vividos por Clark Gable e Vivien Leigh no filme homônimo: ela está no texto original.
É fácil perceber como foi fácil construiu a intensa química entre os personagens vividos por Clark Gable e Vivien Leigh no filme homônimo: ela está no texto original.

Já Scarlett – e aqui eu vejo uma grande crítica aos romances de antigamente – está perdida em uma imagem idealizada. Sem motivo nenhum, ela se apixonou por um jovem chegando a cavalo, com seu sorriso afetado, e se prendeu a isto através dos anos. Sua fixação a impediu de ver que seu objeto de adoração era um homem essencialmente fraco. Também não a deixou perceber como esta adoração ajudou a torná-lo ainda mais derrotado.

Aqui vem o que considero de mais interessante no livro. Margaret, provavelmente sintonizada com o sentimento que ela imaginava que o leitor estaria sentindo naquele momento, perde a paciência e expõe a fraqueza de Ashley, deixando claro, ainda, que ele estaria longe de ser um perfeito cavalheiro por deixar que Scarlett cultivasse por ele um sentimento que não tinha coragem nem empenho suficiente para corresponder.

“Sim, você foi fiel a mim porque Ashley não a teria. Mas, bem, eu não disputaria com ele seu corpo. Bem sei o pouco que valem os corpos… especialmente os das mulheres. Mas disputo seu coração e sua cabeça querida, dura, inescrupulosa, teimosa. Ele não quer sua cabeça, o tolo, e eu não quero o seu corpo. Posso comprar mulheres por pouco dinheiro. Mas quero sua cabeça e seu coração, e nunca os terei, não mais do que você terá a cabeça de Ashley. E é por isso que tenho pena de você.”

O choque desta descoberta provoca em Scarlett um turbilhão emocional, onde ela cai em si e percebe que amava uma imagem, uma ideia, não uma pessoa. E que só existia um homem com quem ela se sentira a vontade em toda a sua vida, um único homem que a admirava pelos mesmos motivos que tantos a temiam ou criticavam. Alguém que ela, sem perceber, se afeiçoara ao longo dos anos e passara a amar também, mas não podia enxergar por conta do romance boboca que havia criado em sua cabeça.

Depois de fugir da primeira tentação de um final boboca, a autora resiste a outro. A reação de Rhett é impagável, mostrando que um amor desprezado é um amor ferido. Nada de “esperarei por você a vida inteira” ou qualquer outra bobagem deste tipo. Se antes tinha um elemento onde depositar o amor que Scarlett desprezava, ele estava naquele momento sozinho. Depois de conhecer as agruras do amor, Butler ficou mais do que disposto a se afastar do mesmo e seguir em frente, em busca novamente do “riso e da alegria”. Sua última frase para Scarlett é simplesmente estupenda.

“Podíamos ter sido felizes, pois eu a amo e a conheço, Scarlett, até os ossos, de um modo que Ashley nunca poderia conhecer. E ele a desprezaria se a conhecesse… Mas não, você tem que desejar o impossível, a vida inteira atrás de um homem que não consegue entender. E eu, minha cara, vou continuar atrás de vadias. E, devo dizer, nós nos damos melhor do que muitos casais.”

Mitchell declarou que não tinha intenção de escrever uma continuação para a história. O final em aberto a deixou plenamente satisfeita ao, discretamente, deixar a cargo do leitor decidir como melhor lhe aprouvesse. No entanto, entre tantas “continuação piratas”, E o Vento Levou tem pelo menos duas “oficiais”. A primeira, intitulada Scarlett e escrita por Alexandra Ripley, é considerada um desastre, não por ser mal escrita, mas por desprezar diversos elementos pessoais da obra original, principalmente ao enfraquecer Scarlett. Já O Clã de Rhett Butler, de Donald McCaig, nada mais é do que a história sob a ótica do personagem masculino.

E o Vento Levou virou filme (cujas imagens usei várias vezes neste post), sendo um dos maiores ícones do cinema de todos os tempos. E foi resenhado por mim aqui.

E o Vento Levou (Gone with the Wind), de Margaret Mitchell. Editora Record. 952 páginas. Preço variando entre R$ 45,00 e R$ 53,00. Também é vendido em duas edições, com 528 e 512 páginas.
E o Vento Levou (Gone with the Wind), de Margaret Mitchell. Tradução de Marilene Tombini. Editora Record. 2012. 952 páginas. Preço variando entre R$ 45,00 e R$ 53,00. Também é vendido em duas edições, uma com 528 e outra com 512 páginas.

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

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