Iluminamos: Sem Pena

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Não apenas a cadeia. Idéias pré-concebidas aprisionam da mesma maneira: Filme brasileiro é lixo‘; ‘Só tem sacanagem‘; ‘Malfeito e sem graça‘.

As três frases anteriores continuam sendo repetidas, embora nosso cinema seja tão bom ou ruim quanto o de qualquer outro país.

Nossa filmografia contêm filmes ótimos e péssimos e razoáveis. Obras experimentais, obras comerciais, obras-primas. Produções muito antigas, recentes. Algumas esquecíveis, outras clássicas, emblemáticas.

Por outro lado, vivemos a época de produção intensa de um gênero que nem sempre teve tanto destaque na produção cinematográfica nacional: estamos na era de ouro dos documentários produzidos aqui. Há para todos os gostos, como em qualquer mercado que se preze. Alguns são mais formais, jornalísticos. Outros, mais conceituais, artísticos. Sem Pena encaixa-se nestes últimos. É uma reflexão sobre o universo penitenciário nacional.

Nada convencional, o filme dirigido e montado por Eugenio Puppo concentra-se na força dos depoimentos de seus personagens e na veracidade de suas imagens, que nunca mostram quem está falando, apenas capturam: o cotidiano encarcerado do interior das prisões; das filas para visitação; dos arquivos de processos do Judiciário; das torres de vigilância; das salas de audiência.

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A suavidade das cenas, que não exibem a violência física a qual fomos acostumados pela tevê, é chocante: de um lado, através do confronto com algum dos depoimentos – em off – de sociólogos, presidiários e juristas; de outro, pela esmagadora desesperança que propagam.

O documentário propõe um debate sobre uma das doenças instaladas no corpo de nosso Estado Democrático de Direito, ignoradas pela maioria: a pena. Suas leis, sua aplicação, seus resultados. Seja com respiros dramáticos como o silêncio de uma caminhada, quebrado apenas pelo próprio som ambiente, ou através de cenas como a de grades de prisão sendo percorridas pelas câmeras, de baixo para cima – parecendo não terem mais fim – como um céu prateado imediatamente acima, ao som dos acordes radicais de John Cage, o que vemos é puro cinema.

Sem Pena transcende o mero documento, ao utilizar a arte como ferramenta para o questionamento; uma militância do pensar.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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