Aprendi a ler muito cedo, sozinho, bem antes da escola tentar me ensinar. Devo esta façanha às Histórias em Quadrinhos, um decisivo fator de conhecimento e cultura na minha vida. O caso é que tenho um irmão dez anos mais velho, que foi o primeiro colecionador de gibis na minha família, e ele, homem generoso que é, sempre partilhou comigo seus interesses. Nossos pais, seguindo o consenso da já distante época (não sou exatamente jovem faz tempo) convenceram-no de que ele já estava muito velho para ler “aquelas bobagens” e ele aos poucos me passou sua coleção , hoje minúscula fração presença da minha. Claro, eu logo cedo aprendi a dizer “comigo não, violão”, e nossos pais negociaram comigo, pois entenderam que aquilo me mantinha mais em casa do que eu teria ficado, de outro modo. Sempre tive cabelinho na venta.
Essa hoje antiga intimidade com as HQ, me rendeu inestimáveis frutos. O meu gibi predileto , dessa época , saía pela editora O CRUZEIRO (não só uma revista, mas uma das maiores editoras do país , na sua época) e se chamava COMBATE. Anos depois descobri que seu roteirista e desenhista se chamava Sam Glanzman, era veterano da Segunda Guerra, e seu fortíssimo documentário em quadrinhos me foi muito útil, pois eu mostrei os gibis a meu pai, também veterano da Segunda Guerra , e ele afinal concedeu que existem gibis instrutivos. Meu irmão não tinha feito isso, e ficou admirado. Como em qualquer forma de expressão , trata-se de separar o joio do trigo. Hoje não sou só eu que considera esses gibis clássicos, mas há todo um consenso em torno, a partir do testemunho do grande Joe Kubert, que reconhecia a influência de seu precursor e , com o tremendo roteirista Robert Kanigher, co-criador do Sargento Rock, sempre disse em que prato comeu.
Isso tudo para dizer que um de meus amigos de vida inteira, outro dia, se deu ao trabalho de dizer, que a primeira pessoa conhecida dele a merecer o titulo, hoje honorífico de “nerd”, sou eu. Digo “hoje” porque meus apelidos na escola incluíram, durante muito tempo, o de “enciclopédia” e o de “quatro olhos”, de forma muitas vezes cruel. Um de meus colegas, ao me ver lendo Shakespeare, curtia com a minha cara, dizendo que ele tinha esse nome, porq
ue Sherazade notou que o xeique respirava mal, como eu, muito alérgico, e dizia que eu lia aquilo porque ela teria dito, caridosa, diversas vezes, “Xeique, espirre!” Infantil, eu ficava danado com essas piadas. Esta é a primeira pista para minha admissão de que estou colaborando no lugar certo.
Shakespeare saúda em sua homenagem, Patati.Parabéns pelo texto.
E viva os quadrinhos clássicos. Kubert e Sarg. Rock também.