As Bolhas de Conhecimento na Internet

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O ser humano é cheio de preconceitos e pensamentos parciais. Sempre foi. Contudo, com o crescimento do uso de redes sociais e a facilidade cada vez maior de tornar públicos julgamentos e opiniões, a sociedade alcançou um nível que beira a loucura. Conversas e debates não são baseados em pesquisa metodológica, levantamentos criteriosos ou lógicas racionais, mas em argumentos subjetivos, construídos a partir de crenças, na sua maioria infundadas, e ansiosos por prevalecer – o importante é “lacrar” a discussão.

Ganhar passou a ser mais importante do que fazer sentido…

O propósito em elaborar um texto grande deveria ser para muni-lo de informações relevantes, fundamentadas, capazes de gerar coerentes mudanças de pensamento. Infelizmente, os textões, vlogs ou tuítes estão repletos de dados frágeis, achismos, preconceitos e meias verdades (ou mentiras mesmo). Constantemente, usuários da web são metralhados por declarações estúpidas de pseudointelectuais travestidos de “influenciadores digitais”.

Nem as fontes de informação consideradas sólidas (como a mídia tradicional) estão livres de julgamentos nocivos e dados equivocados. Não é possível confiar plenamente em qualquer conteúdo publicado por jornais, revistas ou emissoras de TV – todos seguem diretrizes editoriais e são feitos por pessoas (aquelas mesmas repletas de preconceitos e pensamentos parciais).

Há, aqui, a formação de um padrão, tanto do conteúdo quanto do modo de se expressar. O fato é que a tendência na construção do pensamento está clara, mas de onde vem esse comportamento tão uniforme das pessoas?

Uma pequena frase do livro “The Gamer’s Brain: how neuroscience and UX can impact video game design”, de Celia Hodent, trouxe uma dica sobre o assunto:

Há uma tendência cognitiva chamada viés retrospectivo que faz com que acreditemos que sempre sabíamos sobre algo porque não nos lembramos da sensação de incerteza que tínhamos antes de todos os fatos serem apresentados sobre o que aconteceu.

Embora o tema do livro não esteja diretamente relacionado com o teor deste post, ele serviu para destacar as ciências cognitivas, mais especificamente, a psicologia cognitiva, como uma fonte de compreensão da situação.

Existem vários vieses cognitivos (cognitive biases) que atuam sobre os julgamentos das pessoas. Eles operam conjuntamente, influenciando uns aos outros. Dois chamaram atenção para a tentativa de decifrar as relações humanas, principalmente nas redes sociais:

  • Viés de confirmação (confirmation bias) – tendência em buscar e interpretar apenas informações que confirmem crenças preexistentes, ignorando aquelas que as enfraqueceriam; e
  • Viés retrospectivo (hindsight bias) – tendência de, após tomar ciência de algo, acreditar que já sabia o tempo todo; ocorre pela não lembrança do sentimento de incerteza anterior.

Aplicando livremente à dinâmica de formação de argumentos na web, o viés de confirmação impede a assimilação de novos pensamentos contrários aos já adquiridos e o viés retrospectivo diminui a importância de novas informações, desconsiderando-as como agentes modificadores.

O primeiro viés cria e mantém o indivíduo em uma bolha; e o segundo impede que ele saia.

Some-se à criação destas bolhas de conhecimento, o Efeito Kruger-Dunning, em que um indivíduo é incapaz de reconhecer a própria incompetência devido a sua ignorância sobre determinado assunto.

As habilidades que engendram competência em um domínio particular são geralmente as mesmas habilidades necessárias para avaliar a competência neste domínio. (…) O incompetente tenderá a superestimar grosseiramente suas habilidades.

A web é um espaço formado por pessoas que não conseguem compreender além de suas próprias limitações (Efeito Kruger-Dunning), e que, quando surge uma oportunidade de expansão do pensamento, preferem manter-se em território seguro, rejeitando o novo, tanto por desconsideração (viés de confirmação), quanto por menosprezo (viés retrospectivo).

De fato, a web é um imenso case que comprova como tendências cognitivas podem gerar comportamentos beligerantes. Mas nem tudo está perdido. O cenário não é assim tão obscuro que não possa ser contornado. É importante lembrar que opinião não é argumento. Não existe verdade universal ou imutável; tudo pode mudar. Na verdade, tudo tem de mudar, do contrário, a humanidade não vai para frente. Com isto em mente, é necessária uma mudança de postura: sair da zona de conforto, criada pela inércia e passividade, e buscar ativamente pelo conhecimento. É preciso aceitar que existem diferentes perspectivas válidas, e que, normalmente, serão conflitantes com a escolhida a priori. Pesquisa e análise antes de construir um argumento são fundamentais – e para qualquer argumento (até comentários no G1…). Pode parecer exagero, mas muitas injustiças seriam evitadas se as pessoas reavaliassem suas ideias, inclusive nos menores espaços.

Se seu “digital influencer” preferido disser algo, não significa ser verdade só por ele pintar o cabelo, fazer boas paródias, jogar videogames, proteger minorias ou defender o Estado mínimo. Faça como Descartes: duvide. Duvide do caráter aparentemente evidente das coisas. Mas não duvide por maldade ou desconfiança, e sim, por curiosidade.

E aproveite que a competência é uma necessidade psicológica básica do ser humano. Ou seja, crescimento intelectual e evolução cognitiva liberam dopamina. Assim como comer um chocolate, só que mais barato…

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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