Wolverine e a Esquizofrenia da Fox.

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Foi lançada, no dia 26/07/2013, a mais nova “adaptação” da Fox dos quadrinhos da Marvel, Wolverine: Imortal. Como já sei que o nerd de plantão já viu ou tá pra ver o filme, e já há várias resenhas e críticas sobre o filme rolando pela net, não vou fazer exatamente um “Iluminamos”. Vou escrever algumas linhas de opinião pessoal sobre os problemas de adaptação de obras dos quadrinhos ao cinema, utilizando como caso específico esse filme.

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O filme, a princípio, foi anunciado como uma adaptação do sensacional arco de histórias criado pela dupla Claremont/Miller, que saiu pela primeira vez, no Brasil, publicado pela Abril em uma minissérie de 4 números. No entanto, em comum com a série, o filme só manteve mesmo a cena inicial do urso e a ida do Wolverine pro Japão. São tantas as diferenças posteriores que sequer podemos pensar em adaptação da Saga Yashida. No máximo, e com muita generosidade, uma versão livre.

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Vemos, logo no começo, a cena do urso que é morto por envenenamento, provavelmente uma das únicas cenas do filme que fazem realmente referência explícita à série, apesar da relação totalmente diferenciada entre Logan e o urso. Na obra, Logan é contratado pra matar o urso, que assassinara várias pessoas. No filme, ele aparentemente vai “vingar” a morte do urso. Já temos, a partir daí, um prenúncio de como essa “adaptação” será feita…

Começamos a ver um filme, a partir da entrada de Yukio na história, que vai, cada vez mais, se distanciando de sua fonte de inspiração. A Yukio do filme, aliás, é completamente diferente daquela da obra de Claremont e Miller. Na minissérie, Yukio é uma obstinada e habilidosa assassina contratada pela família Yashida, com propósitos dúbios, e cuja intensidade de sentimentos (que ela coloca em tudo que faz) acaba levando-a a se apaixonar por Logan, seu alvo, o que a transforma em uma rival de Mariko e cria um triângulo amoroso na história. A Yukio do filme, por sua vez, é uma fiel guarda-costas da Mariko Yashida, sem nenhuma outra função na história que não a de protetora.

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Pra piorar, essa Yukio do filme ainda tem alguns possíveis poderes de premonição (ISSO MESMO!!!!), coisa que não existiu, de maneira nenhuma, na série.

Yukio, no filme, convida Logan a ir ao Japão para se “despedir” do Sr. Yashida – um soldado que o herói salvara durante a Segunda Guerra Mundial e que agora é um empresário poderoso porém moribundo. Ao chegar ao Japão, Logan conhece a “amistosa” família e a neta do Sr. Yashida, Mariko. A atração entre Logan e Mariko é quase instantânea, sem subentender qualquer envolvimento anterior, diferentemente dos quadrinhos. Nestes, Wolverine se envolvera numa treta com Solaris, primo mutante de Mariko, e, nessa ocasião, a teria conhecido.

A própria ideia de um “amor à primeira vista” acontecendo com Wolverine soa um tanto quanto irreal, pois supõe certa inocência ou esperança no destino que nosso herói, devido à sua já longa experiência de vida, dificilmente teria. O relacionamento entre Logan e Mariko retratado nas histórias em quadrinhos, ao contrário do que é mostrado no filme, fora construído ao longo do tempo. Houve (como há no início da grande maioria dos relacionamentos), claro, uma atração inicial, mas a relação se aprofunda com o aumento da intimidade, mesmo à distância (Logan está nos Estados Unidos enquanto Mariko volta ao Japão), através de cartas que os dois trocam e que, segundo a minissérie mostra, depois de um tempo não são mais respondidas por Mariko – fato que é o motor inicial da história nos quadrinhos. Ou seja, a ida de Wolverine ao Japão é motivada justamente pelo silêncio da amada.

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O baixote ficou cheio de graça pra japinha… Com direito até a presentinhos de “amigo”.

A esquizofrenia, portanto, impera na produção do filme, e não só no nível dos personagens. Como podemos ver, há uma mudança total no eixo narrativo que motivará o herói no filme, que fica completamente diferente do que motivou o herói na minissérie. Enquanto a série original é basicamente uma história de amor, entremeada por guerras entre clãs, com reviravoltas e assassinatos (mais parecendo um filme de ação japonês que, por acaso, tem um herói norte-americano), o foco do filme é a busca do Sr. Yashida pela imortalidade, numa tentativa de “roubar” de Wolverine o seu fator de cura, fazendo com que Víbora envenene Logan (detonando o fator de cura do mutante) e deixe-o, por boa parte do filme, enfrentando inimigos aos trancos e barrancos. Agora me digam: onde é que tá a adaptação, xará?

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Uma nova Víbora. Segundo o filme, a vilã é uma mutante com resistência a qualquer tipo de toxina além de ser, ela mesma, venenosa: um tipo de “cobra” que muda de pele (Em determinado momento do filme, aliás, a Víbora tira a pele toda, a cabeleira, e fica a cara da Serpente da Lua). Nas HQs ela é uma terrorista extremamente habilidosa e calculista.

Adaptação é reconfiguração. Pra adaptar algo, pegamos essa determinada coisa e aparamos as arestas, os cantinhos, pra que esta coisa se encaixe em um lugar diferente daquele de onde ela veio. A partir do momento em que a “adaptação” se difere tanto de sua fonte, fica difícil até dizermos que o filme seria uma “versão livre” da obra de Claremont/Miller.

Shingen Yashida, pai de Mariko, é de fato o grande inimigo de Logan na minissérie, e motivador direto da ida do mutante ao Japão (é graças a Shingen que Mariko para de se corresponder com Logan e é forçada a um casamento de conveniência com um velho escroto e influente). No filme, Shingen nada mais é que uma simples marionete sem rumo. Enquanto na HQ o cara é um inteligente e maquiavélico líder do mundo do crime, cuja superioridade técnica em lutas é mais que evidente, no filme, o pai de Mariko é uma triste sombra narrativa, cuja historia de luta pelo poder e influência na família não é sequer desenvolvida. O eixo narrativo, assim, muda completamente no processo de sua “adaptação” pra filme, e o grande inimigo do Wolverine passa a ser o avô de Mariko, Sr. Yashida, personagem inexistente na história original.

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Logan só ganha de Shingen, na verdade, porque tem o fator de cura, o que permite que ele tome uma porrada de golpes fatais de Katana e continue lutando…

A Fox, portanto, não tá é adaptando nada. O movimento de má-fé esquizofrênica desse estúdio é mais ou menos assim: a produtora faz uma grande campanha publicitária preliminar, aproveitando-se da popularidade obscena do carcaju, pra pegar os novos fãs. Ao mesmo tempo, incita os fãs veteranos da Marvel a verem o filme, com a promessa de que será a adaptação de uma minissérie pra lá de famosa. Mas, convenientemente, uma vez pronto, o filme em quase nada lembra a sua suposta fonte. Então, se vocês forem ao cinema ver este filme, esqueçam-se, como a Fox se esqueceu, de que ele é uma adaptação, mesmo sabendo que foi assim anunciado pelo estúdio. Aliás, esqueçam que os personagens vieram das HQs. Esqueçam, como por acaso a Fox se esqueceu, que o Wolverine fala japonês fluente (é isso aí, gente. O Logan do filme fica mandando os japoneses falarem as coisas em inglês).

Adotando, aliás, a própria linha narrativa da franquia de filmes X-Men, esqueçam que o Logan perdeu a memória em consequência dos eventos da Arma X (em Wolverine: Imortal ele consegue se lembrar de coisas da Segunda Guerra Mundial), que teria sido o motivo de ele ter ingressado nos X-Men, no 1º filme. Esqueçam também que o Samurai de Prata é um mutante, pois a Fox se esqueceu. Pra essa empresa, o Samurai de Prata é um Gigante Guerreiro Daileon. A impressão que dá é a de que o Daileon Samurai de Prata foi empurrado às pressas pra dentro do filme. Sua aparição é final, incidental, e em nada acrescenta à parca narrativa do filme.

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Cadê o Jaspion???

Se querem ver o filme e se divertirem, esqueçam-se de que é uma adaptação do Universo Marvel. Se vocês forem com o espírito desapegado, e considerarem que este é simplesmente um filme de aventuras do Wolverine, vão ter uma boa distração, pois, apesar de os confrontos do Wolverine serem rápidos, e filmados de maneira um pouco confusa, o filme tem momentos diferentes e interessantes, como, por exemplo, a luta no trem-bala, que na HQ só aparece em um rápido quadrinho.

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A luta no trem-bala, no filme, é eletrizante.
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Tanto as tomadas em Steadycam quanto as de grua, ou de mão, são feitas em ângulos que não favorecem uma visualização clara da cena toda.
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Já na HQ as lutas são quase danças, com visão clara dos oponentes. Mesmo na situação em que vemos inúmeros inimigos dentro do quadro, a visualização é ao mesmo tempo clara e dinâmica.
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Nos quadrinhos, a ação se dá em ótimos movimentos, como esse zoom dramático, que foca na cara feroz do Wolvie, criando expectativa pra porrada que tá pra rolar solta,

Além disso, Hugh Jackman faz bonito na sua caracterização do personagem. A cada filme que passa, ele incorpora ainda mais a persona do carcaju.

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Notem que o rapaz é furioso.

Os filmes anteriores da franquia X-Men eram realmente versões novas do Universo Mutante Marvel, o que significa que os personagens eram tomados com certa liberdade criativa e colocados em situações e origens muitas vezes diferentes de suas contrapartes dos quadrinhos. Isso é completamente aceitável, e aí nem é cabível qualquer comparação, já que serão abordagens distintas, devido à própria necessidade de se adaptar os personagens dos quadrinhos em outra mídia (o filme).

Os personagens e seus históricos, nesse sentido, servirão apenas como ponto de referência e identidade comum entre a fonte e a adaptação em filme. Agora, a partir do momento que se declara que vai abordar uma obra específica, a adaptação desta pra outra mídia deve ter um rigor bem maior, eixos narrativos e personagens devem ser mantidos, senão fielmente, pelo menos em linhas gerais. E isso, nesse filme, definitivamente não ocorre.

No mais, quanto a ser uma continuação da Fox na trilha de adaptações do Universo Marvel, tenho a impressão de que a empresa vem trilhando seus personagens licenciados no rumo do espetaculoso, com um falso comprometimento narrativo. O falso comprometimento narrativo se dá na falta de continuidade narrativa estabelecida pela própria produtora. Ao final dos créditos do filme, somos apresentados a um pequeno teaser que mostra Xavier e Magnus recrutando Logan pro que pode ser a futura adaptação de Dias De Um Futuro Esquecido. No entanto, como podem tentar fazer uma ligação com um futuro filme quando sequer fazem direito o link com quaisquer obras passadas?

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 12 comentários

  1. toddy

    Que post grande pra caralho Colossus, mas incrivelmente, li tudo! E cara, não se pode esperar uma adaptação fiel das hqs para o cinema, não teria tempo suficiente de filme pra isso e pra dizer a verdade, tem coisas que realmente só funcionam nas hqs, se pré-supõe que aqueles personagens realmente existam, então tem que ser mantida uma coerência nos filmes, mas entendo seu texto! e ótimo post! hehehe

    1. HEHEHEHE! Realmente, Toddy. O post ficou grande pra caralho, tanto que demorou a sair e eu quase dividi ele em 2 partes.

      Quanto ao que cê falou, quando a gente fala de adaptação, a gente já parte do fato de que não vai ser “fiel” às hqs, Aliás, no caso de filmes como a franquia X-men (do 1 ao 3 e Primeira Classe), nós realmente temos adaptações do mundo mutante ao cinema, com várias alterações. Justamente o fato de serem adaptações já se garante que não vão ser fieis. Isso é até esperado. O problema desse filme é que ele sequer retoma coisas básicas da minissérie que deveriam tá nele, como o eixo narrativo principal. Quando isso, que é o básico, muda, não dá pra aceitar o rótulo de adaptação.

      Valeu pela leitura, Toddy Iluminerd. hehehehe

      1. toddy

        Putaqpariu, a Anita tá aparecendo na televisão, é gostosa viu! Não tem nada a ver com o post, mas achei importante mencionar! hehehe

    1. Concordo. E não tem praticamente nada de “adaptação” (considerando que uma adaptação deve, de alguma forma, lembrar o objeto adaptado), da série. Mas, mesmo assim, é um filme bacaninha de se assistir.

  2. JJota

    Um filme ruim com uma boa atuação do Jackman.

    X2 continua insuperável!

    1. Concordo. X-Men 2 pra mim também é o melhor dos lançados até o momento, com direito ao arremesso de Wolverine patenteado do tio John Byrne.

  3. El Django

    Na verdade, o filme é muito bom (com algumas escorregadas, como o desenvolvimento podre de Shingen na trama) até o seu terceiro ato. Aí, cagou tudo. Impressionante como conseguiram cagar, no final, um filme que até então era bom. E eu, sinceramente, não vi esse “amor à primeira vista” entre Logan e Mariko. Acho que, apesar da falta de química entre os dois, o romance deles não soou forçado. Mas enfim; pra mim o que estragou esse filme foi o terceiro ato. Até então estava indo bem.

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