Vivenciando narrativas em diferentes meios – parte III

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Nesta parte (e última!), eu retomo a questão da produção de uma narrativa dramática…

A narrativa é utilizada em um jogo de duas maneiras básicas: primeiro, como elemento estético (alegórico) a fim de constituir mais uma fonte de identificação emocional sobre a ação (é uma recompensa, realiza-se a ação para avançar no jogo e prosseguir com a história); e, segundo, como peça-chave na construção de sentido e experiência do jogo – há simulação de controle, o jogador desempenha um papel que influencia a história. De qualquer forma, nos dois níveis, o jogador desempenhará um papel ligado à progressão narrativa, podendo ser o de tomar decisões dramáticas ou completar desafios.

Através desta “nova configuração” dos jogos eletrônicos, consigo alimentar meu desejo de viver uma aventura. No entanto, por mais que os games evoluam em narrativas complexas com gráficos e sons perfeitos, eles nunca poderão responder a todas as demandas que meus desejos narrativos formulam. O jogo de videogame está inevitavelmente preso à linguagem (programação) e às questões autorais. O desenvolvedor é o responsável pela história, pois é ele quem cria o mundo e te dá as opções. E estas nunca serão realmente suas (a não ser que você reprograme o jogo).

A escrita também é um limitador, pois quando concretizamos um pensamento no computador temos que traduzi-lo usando uma tecnologia (as normas gramaticais) – e esta possui suas peculiaridades. Neste caso, as limitações serão, principalmente, intelectuais e estilísticas. Isso quer dizer que muito provavelmente não conseguiremos colocar em palavras tudo aquilo que imaginamos ou simplesmente não conseguiremos exteriorizar da forma originalmente pensada. E isso resulta em alterações no conteúdo vivido mentalmente – longe de ser um determinismo tecnológico, apenas uma adaptação a algum tipo de limitação no domínio da língua.

Mesmo assim, se desejo viver a história de um taxista lutador de kung-fu que salva o mundo ao impedir que demônios consigam passar pelo portal do inferno, basta sentar na frente de um computador e começar a imaginar e escrever. Com videogames, minhas opções estão limitadas ao que está disponível. Não sou eu quem escolhe o jogo, ele me escolhe. Posso optar por um veloz porco espinho azul lutando contra um malfeitor gordo de pernas finas; um policial tentando escapar de uma mansão cheia de zumbis e outras criaturas esquisitas; ou um semideus que busca vingança matando todos os deuses do Olimpo. E, mesmo satisfeito com a escolha, ainda sou limitado ao roteiro narrativo do desenvolvedor do jogo. A interatividade não é real (no sentido de ser uma produção de sentido livre), as ações no jogo são controladas e direcionadas de acordo com o que o autor quis. Por mais que pareça particular, as escolhas estão pré-estabelecidas (o que não compromete a diversão, claro).

Talvez, o tipo de jogo que mais se aproxima deste “poder criativo”, ocasionado pela criação da própria história na imaginação com o auxílio da escrita, seja o RPG. Isso porque ele mantém grande parte das ações e ambientes no mundo intangível e, portanto, livre. Além disso, são criações imediatas, fundamental para uma real interação. Na escrita, se lermos o que escrevemos, estaremos apenas lembrando algo que um dia foi “real” e interativo – a imersão ainda existe, mas será diferente, pois não resultará de interatividade (agência). O imediatismo das ações em um RPG garante uma maior aproximação com a história imaginada individualmente ao se escrever. Outro ponto positivo é a participação de diferentes indivíduos independentes – o que torna a história mais real porque está fora do controle total de apenas uma pessoa (o que não ocorre quando se escreve a própria história). A representação continua sendo individual, cada jogador visualiza em sua cabeça o desenrolar da história (a imagem de um personagem atacando outro é formulada na mente dos participantes) e isso contribui para um sentimento de imersão mais fiel e atraente, pois é particular.

São diferentes tipos de imersão narrativa, mas que igualmente, para mim, satisfazem o desejo de aventuras. Infelizmente, mais uma vez, caí no extremo ao adotar um e esquecer o outro. O desafio é reconhecer que cada um tem seu valor e que ambos estimulam de formas diferentes o raciocínio. Escrever ficção, apesar de ser um hábito incomum para as pessoas, é extremamente gratificante, tanto quanto jogar videogame.

Por isso, vou me esforçar ao máximo para tentar dividir o tempo entre um mundo fantasioso dos outros e um só meu.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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