Margot Robbie e a crítica sem noção

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É normal, com o lançamento do filme Esquadrão Suicida, que sejamos expostos a trailers, matérias, polêmicas… Mas nenhuma personagem deve ter sido tão comentada quanto o de Margot Robbie, a Arlequina. Nem mesmo o Coringa meio macabro de Jared Leto e as eternas expectativas e comparações em relação àquele feito pelo Heath Ledger batem em números as aparições de Margot quando se faz uma busca pelo título do filme.
Bom, antes de qualquer coisa, é importante chamar a atenção para o papel da atriz e as constantes pisadas de bola em torno dela e de sua personagem, seja por parte da própria mídia ou do público. Ainda que não passem de jogadas de marketing em torno do filme, há muitas questões problemáticas que podemos aproveitar para refletir, afinal, o cinema pode promover debates críticos e ir muito além do entretenimento.
Que a relação da Arlequina com o Coringa é completamente abusiva e que a personagem é hiper-sexualizada nas HQ atuais tanto quanto será no filme, isso já sabemos. Mas será que isso serve de desculpa para a construção da personagem? Principalmente quando levamos em consideração que o público que vai ao cinema é bem mais diverso que o público que lê as HQ; e que estamos acostumados a assistir adaptações que funcionam muito bem sem precisarem ser 100% fiel às suas versões originais? Aliás, já imaginaram a Wanda usando aquele collant ridículo e aquele acessório na cabeça em Vingadores: Era de Ultron ou em Capitão América: Guerra Civil?
Então, será que essa hiper-sexualização que só serve ao fan service era mesmo necessária? Será que a Margot se limita a uma linda mulher que sabe fazer caras e bocas diante das câmeras? Pois o editor da Vanity Fair acredita que sim! Tal qual ocorre com todas as jovens celebridades de Hollywood, Margot é apenas uma bela mulher que se encaixa em uns adjetivos tão escalafobéticos que, após a publicação da edição que traz a atriz na capa, a repercussão foi tão divertida que gerou outras matérias em vários sites questionando ou satirizando o texto que dizia algo assim:
America is so far gone, we have to go to Australia to find a girl next door. In case you’ve missed it, her name is Margot Robbie. She is 26 and beautiful, not in that otherworldly, catwalk way but in a minor knock-around key, a blue mood, a slow dance. She is blonde but dark at the roots. She is tall but only with the help of certain shoes. She can be sexy and composed even while naked but only in character. As I said, she is from Australia. To understand her, you should think about what that means. 
Seria algo como dizer que ela é linda, mas não de um jeito óbvio que estamos acostumados a ver nas passarelas. É como se ele quisesse dizer que ela não é essa coca-cola toda que estão dizendo, mas já que tem que falar de sua beleza, “vamos lá…”
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A indignação com a falta de adjetivos reais para descrever a atriz gerou respostas incríveis no mesmo nível nonsense dessas linhas acima. Várias leitoras publicaram sua revolta [no twitter] perguntando se mais alguém também não havia entendido essa descrição.
A Sara Boboltz, editora do Huffington Post, entrou nessa e resolveu imaginar os primeiros rascunhos do texto da Vanity Fair.
There are no hot chicks in America, so we have to go to that place from which Mel Gibson and Iggy Azalea oozed to find a girl next door. In case you’re as backwards as everyone else in Australia and never saw “The Wolf of Wall Street,” her name is Margot Robbie. She is of age, if you know what I mean, and beautiful, not in that dear god what is that?! kind of way but like a saxophone solo in a rock song, a teal-and-mauve carpet, Al Gore doing the Macarena. She is blond but could probably get that shit touched up. She is tall, but not as much without heels, so don’t worry, my vertically challenged bros! Even while naked, she can be sexy but in, like, aclassy way. As I said, she’s from Australia. For some reason, that makes a big difference.
Sara, por sua vez, brinca com o fato de que tiveram que ir até a terra dos cangurus, Mel Gibson e Iggy Azalea buscar uma mulher “gostosa” já que não há americanas gostosas o suficiente –  ela já tem uma certa idade e ainda assim é linda, mas não daquele jeito “OH MEU DEUS! O QUE É ISSO?”(rs), mas de um jeito meio despretensioso. A editora brinca com as expressões nonsense usando outras ainda mais absurdas para ilustrar que, no fundo, o escritor da Vanit Fair não tinha adjetivos para descrever Margot. Ela diria que a atriz é tão sexy quanto alguém que usa uma melancia no pescoço e que, para ser alta o suficiente, precisaria de saltos tanto quanto um peixe precisa de uma bicicleta.
Essa prática, comum em editoriais de revistas de moda confeccionadas por homens, tem chamado a atenção justamente por não conseguir se adequar ao fato de que as mulheres estão realmente cansadas de terem que se encaixar nos padrões absurdos que a indústria do entretenimento impõe.
Vale lembrar que em O Lobo de Wall Street, Margot foi aceita depois de Olivia Wilde ter sido recusada por ser “velha demais” para o papel de esposa de um cara de 40 anos! Olivia tinha 28 na época e Margot 23. Ou seja, Hollywood ainda não acordou para as constantes reivindicações de atrizes do próprio público para que certas posturas mudem.
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Além de a idade ser algo crítico no cinema, como mostram Amy Schumer, Tina Fey, Patricia Arquette e Julia Louis-Dreyffus no vídeo Last Fuckable Day (última dia transável), há o problema de as mulheres serem constantemente mal desenvolvidas e sofrerem grandes traumas apenas para alavancar o protagonismo masculino nas narrativas, também satirizado no vídeo Underwritten female character.  Gail Simone alertou para este fato nos anos 1990 quando fez a lista Women if refrigerators  e relacionou as personagens femininas que eram brutalmente assassinadas, violentadas ou mal desenvolvidas apenas para justificar o protagonismo masculino.
Margot é apenas, para alguns críticos, uma coleção de adjetivos sem sentido interpretando uma personagem mal desenvolvida, mas que pode roubar a cena na mesma proporção que sua imagem tem sido explorada como um ícone da produção cinematográfica. De qualquer forma, vale aproveitar sua constante aparição na mídia para questionarmos até quando as mulheres terão que se encaixar nesses padrões que não representam nada além da visão masculina clichê sobre qual seria o nosso papel na produção cultural e refletirmos sobre como mudar esse cenário.

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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