Três vezes tragédia e música

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Feriadão chegando, todo mundo pegando a estrada… Um pequeno alerta.

Estava ouvindo música – segunda coisa que mais devo ter feito em toda minha vida, depois de ler – e comecei a me perguntar sobre letras que falam sobre acidentes de carro. Sem querer focar muito naquelas que usam uma linguagem indireta pra falar do acontecimento nem as que só fazem referência a sinistros automobilísticos em seus videoclipes ou capas de cds, me lembrei de três que acho marcantes.

DEZESSEIS – Legião Urbana

Lançada no álbum A Tempestade ou O Livro dos Dias, fala de João Roberto, o Johnny, um adolescente famoso entre as pessoas da sua idade em Brasília, principalmente por suas qualidades como motorista de “pegas” – onde tornou famoso seu opala metálico azul – e seus conhecimentos musicais – ele não só tocava violão como sabia tudo das grandes figuras do rock (Janis Joplin, Led Zeppelin, Beatles e Rolling Stones). Até que um dia as pessoas começam a perceber que o garotão já não era o mesmo, tendo ficado um tanto quanto introspectivo demais para seus padrões. E se espantam quando ele “com um sorriso estranho” desafia todos para um pega na Curva do Diabo, onde Johnny morre em uma violenta batida contra um caminhão.

“E os motores saíram ligados a mil
Pra estrada da morte o maior pega que existiu
Só deu para ouvir, foi aquela explosão
E os pedaços do Opala azul de Johnny pelo chão.”

A música narra esta história, se dividindo em duas partes distintas: enquanto a primeira vai criando a tensão, apresentando o personagem, com um ritmo fortemente marcado, a segunda libera o que foi acumulado, explodindo como se fossem os automóveis partindo em direção a corrida mortal. Dois momentos de destaque acontecem quando Renato Russo (vocalista, letrista e co-compositor) larga a posição de “narrador” e participa da história, primeiro cantando o trecho de Strawberry Fields Forever como se fosse um dos amigos de Johnny homenageando seu herói e, ao fim, quando ele, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá (os demais compositores e membros do Legião Urbana) se comportam como adolescentes tocando violão em volta de uma garrafa de bebida e lembrando de um velho amigo: “Bye, bye, Johnny/ Johnny, bye, bye / Bye, bye, Johnny.”

“No dia seguinte, falou o diretor:
‘O aluno João Roberto não está mais entre nós
Ele só tinha dezesseis
Que isso sirva de aviso pra vocês.'”

Dado afirmou que Renato baseou a letra em alguma história que ele ouviu em Brasília na época de sua adolescência. Mas parece muito mais uma metáfora com a vida do próprio Russo, um sujeito extrovertido que aos poucos, quanto mais realizava seus sonhos de sucesso, se destruía e se tornava mais intratável. Se “proteger” com a identidade de um adolescente piloto de pegas foi perfeito, já que Renato sequer sabia dirigir.

THERE IS A LIGHT THAT NEVER GOES OUT – The Smiths

Lançada no álbum The Queen Is Dead,  a música – cantada em primeira pessoa – aparentemente não fala de um acidente real, mas da vontade do personagem – um depressivo em conflito com as pessoas com quem mora, provavelmente seus pais – de morrer em um, ao lado de uma pessoa que aparentemente considera muito especial. Simon Godard afirmou que a letra foi fortemente baseada na tragédia envolvendo James Dean, ator americano que morreu jovem em um acidente automobilístico e que era alvo da admiração explícita de Morrissey, vocalista e letrista dos Smiths. Seria Dean o personagem ao lado do qual o personagem adoraria morrer, tornando a visão da canção ainda mais onírica.

“Driving in your car 
Oh please don’t drop me home 
Because is not my home, is their home 
And I’m welcome no more”

Uma disputa entre os membros da banda e a gravadora WEA fez com que The Queen Is Dead passasse nove meses sem um single a ser lançado, se limitando a The Boy with the Thorn in His Side. Quando finalmente entraram em acordo,  Johnny Marr – guitarrista da banda e co-compositor de There Is a Light That Never Goes Out – bateu o pé para que o single fosse outra música do disco, Bigmouth Strikes Again

“And if a double decker bus 
Crashes into us 
To died by your side 
It’s such a heavenly way to die. 
And if a ten ton truck 
Kills the both of us 
To died by your side 
Well, the pleasure and the privilege is mine .”

Apesar do temor de algumas pessoas, como Godard, de que a canção incentivasse uma onda de suicídios por glamourizar a prática, tal feito não aconteceu, mesmo quando a faixa se tornou um hit e alcançou o posto de música favorita dos fãs da banda (inclusive é uma das mais aparece em filmes e é mais citada por outros artistas), ainda que não tenha perdido seu ar melancolicamente mortal.

https://youtu.be/DRtW1MAZ32M

 

LAST KISS – Wayne Cochran & The C. C. Riders, regravada por Pearl Jam. 

Canção de ritmo agradável, com uma bateria fortemente marcada, que engana ao apresentar uma história tristíssima, com um certo toque religioso. O narrador, em primeira pessoa, conta como perdeu sua namorada em um acidente de carro banal e fala da necessidade de ser bom para poder ter a chance de vê-la novamente em outra vida.

“Oh where, oh where, can my baby be?
The Lord took her away from me
She’s gone to heaven so I’ve got to be good
So I can see my baby when I leave this world.”

Sucesso moderado em sua época, a canção foi inspirada em um fato real: um acidente ocorrido em 1962, na localidade de Barnesville, Georgia, em que três jovens morreram e dois ficaram seriamente feridos quando o Chevrolet 1954 que dirigiam bateu em um caminhão carregado de madeira. Cochran dedicou a música a Jeanette Clark, uma das vítimas fatais do sinistro.

Depois de algumas regravações, terminou ficando mundialmente conhecida quando o Pearl Jam lançou uma versão da canção em uma compilação dedicada a arrecadar fundos para os refugiados da guerra do Kosovo.

https://youtu.be/wJyxvjsFJk4

 

Infelizmente, estudos apontam que neste ano cerca de 50.000 brasileiros devem morrer em acidentes relacionados ao trânsito, boa parte deles provocado por imprudência na direção e pelo consumo de álcool, além do péssimo estado de conservação e/ou sinalização de uma alta porcentagem das rodovias do nosso país. Se assim for, praticamente teremos o mesmo número de mortes em um único ano que os Estados Unidos tiveram durante a Guerra do Vietnam, entre 1964 e 1973.

Dedico este post a meu primo, T. Gomes, que faleceu em dezembro de 2011 em um acidente de trânsito, com vinte anos de idade e deixando uma filha recém-nascida. Nunca conseguimos terminar aquela partida de War, meu prezado. Eu e todos os seus amigos, incluindo o Inacreditável Neo, sentimos a sua falta. 

Antes de beber e dirigir, seja que veículo for, por favor lembrem-se dos seus amigos e familiares que sempre esperam que você volte pra casa são e salvo.

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

Este post tem 7 comentários

    1. JJota

      Valeu, Reverendo. Infelizmente, acho que a grande maioria de todos nós já perdemos alguém por causas envolvendo o trânsito de veículos.

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