Toda a humanidade de um Alienígena Prateado

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Super-heróis são muito legais enquanto digladiam-se contra seus arqui-inimigos, mas não nego que meu grande amor pelos quadrinhos está nas histórias onde eu posso aprender algo novo, lições que vão me fazer parar a leitura e refletir sobre o assunto. E quem melhor do que o Surfista Prateado com toda a sua pomposa filosofia –às vezes filosofia de boteco, mas tudo bem– para representar esse lado mais cabeça das HQs?

Recentemente estava lendo uma história do personagem e me empolguei tanto que decidi reler tudo o que tenho do Surfista, rever o desenho dos anos 90 e juntar todas as informações para escrever um texto sobre este personagem que vive filosofando sobre assuntos que, infelizmente, nunca deixam de ser atuais.

Norrin Radd nasceu no planeta Zenn La, um lugar onde a paz e o conhecimento reinavam, uma sociedade utópica que vivia em perfeita harmonia. Norrin Radd era fascinado pela ideia de explorar o espaço.

Certo dia Galactus, uma ameaça que todos julgavam ser apenas lenda, desce sobre os habitantes de Zenn La. Este ser tido como um Deus veio se alimentar de toda a energia do planeta natal de Norrin Radd. Porém, em um ato de sacrifício, Norrin barganha com a figura apocalíptica para que ela poupe Zenn La.

Ter alguém incumbido da missão de encontrar os planetas para Galactus se alimentar faria com que o Devorador de Mundos economizasse suas reservas de energia cósmica vagando por aí. E é se oferecendo como um Arauto para Galactus que Norrin Radd consegue salvar seu povo. Embebido pelo poder cósmico do Devorador de Mundos, Norrin deixa de existir para dar lugar ao Surfista Prateado, já que as memórias de sua vida em Zenn La foram todas apagadas durante a transformação, inclusive as lembranças de seu amor, Shalla Bal.

Norrin Rad que planejava buscar apenas planetas inabitados para alimentar seu mestre, agora já não dispunha mais deste senso moral, levando Galactus a se alimentar de qualquer planeta. Até que um dia, ao chegar à Terra e se deparar com Alicia Masters, namorada d’O Coisa, o Surfista se lembra de Shalla Bal. As memórias de sua vida como Norrin Radd começam a voltar.

Ao ajudar o Quarteto Fantástico a expulsar Galactus da Terra, o Surfista Prateado é punido por seu mestre. Galactus mantém os poderes cósmicos dados a seu arauto, porém, cria uma barreira na atmosfera da Terra, impedindo que o Surfista deixe o planeta. E é aí que começam os choques de realidade de um alienígena, vindo de um planeta extremamente pacífico e evoluído, tendo que lidar com os absurdos praticados pelos Terráqueos.

As histórias do Surfista me abrem os olhos aos erros que cometemos enquanto sociedade. Ele é um dos poucos personagens famosos nas HQs que podem dar esse tipo de chacoalhão no leitor. Sendo Stan Lee o cara que mais tempo ficou à frente dos roteiros do personagem, é louvável o rumo tomado por este herói que poderia nem ter existido por conta de divergências criativas entre Lee e Jack Kirby. Um herói que mais parece um troféu para segundo colocado de um campeonato de surfe, tornou-se o símbolo de toda bondade que nós poderíamos praticar mas não o fazemos, culpa da nossa incessante busca por futilidades egoístas que nos cegam.

Muitos podem achar o viés filosófico do Surfista um tédio e preferir a boa e velha ação “porrada, tiro e bomba” que normalmente é mostrada nos quadrinhos de super-herói, mas a escolha de tornar o Surfista esse cara que tenta, a todo custo, abrir os olhos da humanidade sobre os erros que cometem, faz com que as “porradas” que ele dê sejam no próprio leitor, com questionamentos que inquietam qualquer um.

Mesmo sabendo de todos os benefícios psicológicos que a fé traz às pessoas, Parábola é uma história que deveria ser obrigatória a todos, para que as pessoas acordassem em relação aos problemas recorrentes com as instituições religiosas e seus falsos profetas. Para, quem sabe, libertar-se dos dogmas que de nada servem a não ser limitar a vida alheia. Ver um Galactus vingativo que desce à Terra em busca de corromper ainda mais o ser humano, dando a corda para que todos se enforquem e então os lidere pelo medo, não é tão diferente assim do que vemos em muitas igrejas por aí. Aliás, num inception de paralelos entre Galactus e religiões abusivas, tem doido por aí querendo transformar o personagem em religião própria.

Ainda que o Surfista Prateado tenha passado um bom tempo vivendo na Terra, é incrível ver como ele não é infectado pelos nossos “valores” e crenças. Nem mesmo se abala com o que seria a maior das preocupações para um reles ser humano, que preso em suas limitadas percepções o impediria de pensar, por exemplo, no fim da vida de forma mais natural e menos catastrófica, afinal é o destino de todo ser vivo.

O sucesso do Arauto de Galactus foi tanto que ele ganhou seu próprio desenho animado no final dos anos 90 pela Fox Kids. Apesar de ter sido cancelado no 13º episódio, sem concluir um arco que se iniciou nos últimos episódios, ainda assim é um material obrigatório pra quem gosta do personagem. A série tem seus altos e baixos, mas a origem do Surfista nos três primeiros episódios que é ótima e principalmente o episódio 7 “Innervisions” que na minha opinião é o melhor de todos, fazem a experiência valer a pena.

O supracitado 7º episódio aborda em 20 minutos uma trama muito interessante que lembra obras como o Ensaio Sobre a Cegueira, dentre outras com a temática de estarmos vivendo uma simulação e não a “vida real” que imaginamos que seja.

“Meu povo está diante do maior dos desafios, Surfista. Viver no mundo real.”

Como dito no livro Leitura e Visão de Mundo: Peças de um Quebra-Cabeça: “Precisamos, pois, das histórias em quadrinhos para fortalecer nossos espíritos, assim como precisamos de toda forma de arte. Precisamos, de vez em quando, brincar com a Mafalda, filosofar com o Horácio ou o Surfista Prateado, correr com o Flash, nadar com Aquaman e exercitar toda nossa capacidade intuitiva e lógica ao lado do detetive Batman.”

 

Tanta coisa ensinada em “gibis”. Tanto para aprender com um alienígena, prateado, surfando por aí no espaço…

Pixel Carnificina

Eu sou o caos, senhor Kurtz, caos! E o resto do mundo não irá admitir que é exatamente como eu. "Listen all you fools. Don't you know that Carnage rules?"

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