Skyrim e o desespero do mundo aberto – parte III

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Link da primeira parte

Link da segunda parte

Como prometido, estruturas narrativas…

De acordo com a arquitetura de sistemas de links podemos enumerar alguns tipos de estruturas narrativas. Estas estruturas são uma forma de o designer do sistema conseguir prever as possíveis ações do usuário e direcioná-lo para um efeito desejado. O usuário progride com a impressão de que suas ações determinam o enredo, quando, de fato, suas escolhas são criadas pelo sistema como uma função do efeito a ser alcançado. A necessidade de direcionar o usuário para certo objetivo sem revelar este propósito explica porque a estrutura dramática é a mais problemática do design interativo.

Existem nove estruturas narrativas: esquema completo, rede, árvore, vetor com ramificações secundárias, labirinto, rede direcionada, história oculta, enredo entrelaçado e ambiente de ação. Jogos de videogame podem usar mais de um tipo de estrutura. Cada modelo possui características que contribuem para tornar o jogo uma experiência mais rica; a ideia é saber usá-los de forma complementar entre si.

Em Skyrim, duas estruturas se destacam: esquema completo (complete graph) e rede direcionada (directed network).

No esquema completo (complete graph), todos os nós estão conectados entre si, dando ao usuário total controle sobre a navegação. Devido à liberdade de escolha dada ao jogador, esta estrutura torna praticamente impossível garantir a coerência narrativa.

A grande quantidade de missões, principais e secundárias, de possibilidades configurativas (armas, armaduras, alimentos, poções, habilidades) e o volume de dados que vem das personagens e dos livros encontrados no ambiente “anestesiam” o jogador, fazendo-o esquecer de que por trás de tanta informação há uma unidade narrativa lógica. Assim, perde-se o desejo por fazer algo em função da progressão dramática; a simples finalização da tarefa passa a ser o objetivo.

A rede direcionada (directed network) permite a reconciliação entre a razoabilidade narrativa e a interatividade. O jogador possui certa liberdade para conectar os diversos estágios da jornada, as decisões do passado afetam as escolhas no futuro.

Muitos jogos utilizam esta ideia ao exigir que o jogador recolha e guarde objetos que permitirão a resolução de problemas mais a frente. A necessidade do uso de informações passadas, ou itens, para a resolução de eventos futuros justifica e colabora com a sensação de controle, pois fornece uma lógica dramática para a existência de caminhos alternativos que, a princípio, poderiam ser interpretados como desnecessários do ponto de vista narrativo.

É neste ponto que Skyrim pode se perder (ou perder o jogador…), pois percursos secundários são acrescentados com objetivos desconectados da trama principal. O atrativo é simplesmente fazer a ação com possibilidade de elevar a força do personagem (novas armas, armaduras, perks). Estes eventos paralelos que não impactam diretamente no(s) enredo(s) principal(is) possuem conteúdos meramente ilustrativos. Assim, apesar de contribuírem com a sensação de agência como um todo, não colaboram com a sensação de controle sobre os eventos principais e suas consequências.

De maneira geral, a estrutura narrativa de Skyrim desperta dois instintos do ser humano aplicados em jogos: querer fazer tudo e querer se dar bem (esse serve em tudo…).

Fazer tudo significa ter o retorno total do investimento inicial, ou seja, querer saber tudo o que o sistema proporciona: cada lugar, cada arma, cada cutscene… Afinal, “tô pagano”.  E, além disso, há o instinto de dominar (mastering) o jogo. Neste caso, sempre temos de escolher a melhor opção dramática, ter a melhor arma e armadura, o maior nível de força e todas as habilidades etc. Se eu escolhi entrar para os Stormcloacks, quero, depois, voltar e saber como seria a narrativa se tivesse entrado para o imperials.

Querer se dar bem envolve aquele sentimento típico de brasileiro ao ver uma fila: entrar logo para garantir o espaço, nem precisa saber se é a fila certa. Em Skyrim, nunca se sabe se um local abrigará armas poderosas ou inimigos que darão experiência. Tudo disposto no ambiente pode, de alguma forma, ser útil: uma chave, uma pedra preciosa, um scroll, uma armadura extremamente pesada ou a porcaria de um balde de madeira… O lance é pegar tudo; se for útil para completar alguma quest, bom, se não, sempre há a possibilidade de andar por todo o mapa caçando um comprador (que não comprará nem um terço do que você tem guardado e por um preço ridículo).

Apesar de tudo, voltei a jogar Skyrim. Só que desta vez fico me policiando para não falar com todos, não investigar cada canto dos ambientes, não pegar tudo pelo caminho e não fazer todas as tarefas. Sei que posso perder muito do que o jogo proporciona, mas, pelo menos, mantenho minha sanidade…

Obs: todo conteúdo foi baseado em autores da área de Game Studies. Posso passar as referências para quem se interessar.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 4 comentários

  1. Ivan Mussa

    Fala Gustavo!

    Concordo que a estrutura de Skyrim encoraja o jogador a se distanciar da trama principal… mas será que as outras tramas (e outras atividades presentes no jogo, como caçar, coletar recursos, construir itens, etc) não seriam a parte “principal” do jogo? Estou cansado de ver gente dizendo que não liga para a main quest de Skyrim. Eu mesmo joguei quase 80 horas e mal toquei nela 😛
    Acho que os jogadores não necessariamente querem influenciar o fio narrativo principal, mas sim interagir no mundo do jogo de uma forma geral.
     
    Seria muito bom se pudesse mandar as referências! Abraço

    1. Gustavo Audi

      Concordo com vc, Ivan. De fato, um dos atrativos fortes de Skyrim é a possibilidade de interagir com os objetos e locais do mapa.
      Nesta parte, as referências que utilizei foram:
      MURRAY, Janet. From Game-Story to Cyberdrama. In WARDRIP-FRUIN, Noah. (Org.). First Person: new media as story performance and game. Massachusetts: MIT Press, 2004
      MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP; 2003.
      JENKINS, Henry. Game design as narrative architecture. In: WARDRIP-FRUIN, Noah. (Org.). First Person: new media as story performance and game. Massachusetts: MIT Press; 2004.

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