Skyrim e o desespero do mundo aberto – parte II

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Link da primeira parte

Nesta segunda parte, abordo alguns pontos teóricos sobre a linguagem do jogo e da narrativa…

Um jogo narrativo é formado, dentre outros fatores, pelo desempenho do jogador sobre os desafios que o sistema apresenta. Este desempenho é realizado em cima das possibilidades de ação (affordances), baseadas no movimento (combates, tiroteios, lutas, escaladas, uso de objetos) e na história (alianças, escolha de falas, decisões narrativas). O uso de ações normais dentro de um jogo (cobrir uma pessoa, ninar um bebê, abrir uma torneira), que não estariam diretamente ligadas à trama, é importante para a construção da narrativa – elevam a experiência para além das ações corriqueiras de um jogo, que normalmente envolve aventuras e conflitos. Objetos virtuais, passíveis de manipulação, se inseridos em momentos dramáticos específicos, intensificam o prazer e a sensação de imersão.

Com o aumento do poder de processamento e armazenamento de dados, tornou-se possível programar mais informação dentro de um mesmo jogo. Assim, é possível que o jogo narrativo de videogame apresente várias possibilidades de ação, percursos diferentes e finais alternativos. A capacidade enciclopédica (representada por um maior conteúdo narrativo) contribui para que o jogador aceite as regras para imergir, pois evita questionamentos sobre o jogo e sua estrutura. Entretanto, a criação de bifurcações e múltiplas realidades levam a um grau de complexidade que não mais sustentam a motivação  da narrativa – olha o Skyrim aí…

Ter muitas possibilidades e caminhos a escolher pode ser ruim, pois o usuário se questionará se tomou a decisão correta ou desejará saber quais opções ainda teria (conhecer tudo o que o autor escreveu). Este questionamento não necessariamente é prejudicial, pois jogar novamente não precisa ser negativo. A apreciação total da experiência requer que a história seja jogada muitas vezes e, com isso, o jogador pode sentir que “esgotou” todas as possibilidades.

O conceito de Replay Story destaca uma das mais prazerosas, e peculiares, estruturas do jogo: salvar a partida em intervalos regulares, antes e depois de cada ponto de decisão importante. Em jogos como Skyrim, Dragon Age e L.A. Noire, existem múltiplos caminhos/decisões possíveis, assim, o jogador pode estipular como objetivo esgotar as possibilidades ou, no mínimo, se esforçar para trilhar o melhor caminho existente. O objetivo, portanto, é saber se a decisão adotada é a melhor de acordo com os padrões estipulados anteriormente, tanto no que diz respeito à completude do jogo (saber que tudo o que se tem para fazer foi feito) quanto para o encaminhamento dramático (conhecer todos os detalhes da trama ou biografias dos personagens).

O núcleo narrativo por trás de muitos jogos se forma através do esforço da exploração, mapa e domínio de espaços, encaixando-se na tradição de histórias espaciais, que normalmente usam o formato da jornada do herói, buscas mitológicas ou narrativas de viagens – um exemplo é o conjunto de obras de J.R.R. Tolkien. A diferença é que, em jogos, a ação é executada e não descrita ou apenas narrada.

A Narrativa Ambiental (environmental storytelling) cria as precondições para uma experiência narrativa imersiva através de quatro maneiras: suscitando narrativas pré-existentes (histórias evocativas); fornecendo o palco para atuação (histórias atuadas); embutindo a narrativa ao longo das ações (narrativas incorporadas); e fornecendo recursos para narrativas emergentes (histórias emergentes).

No caso de Skyrim, ocorre a combinação de duas maneiras: histórias atuadas e incorporadas. Em “Histórias Atuadas” (enacting stories), a própria história é estruturada em volta da movimentação do personagem através do ambiente, onde as características do espaço podem retardar ou acelerar a trajetória do enredo. A movimentação do personagem guiará o desenvolvimento causal da narrativa. Jogos de RPG, em geral, são exemplos claros da utilização do mapa como importante ferramenta na construção dramática.

Nas “Narrativas Incorporadas” (embedded narratives), o jogador decifra a narrativa, já definida pelo autor, através da exploração do ambiente. O espaço do jogo se torna um recipiente de memória cujos desafios precisam ser vencidos na medida em que o jogador tenta reconstruir o enredo.

O equilíbrio entre a flexibilidade da interatividade e a coerência de uma narrativa pré-fabricada é possibilitado pela mistura entre “Histórias Atuadas” e “Narrativas Incorporadas”. Esta mistura ocorre da seguinte forma: o jogador avança através de objetivos e conflitos intercalados com micronarrativas (enacting stories); essas micronarrativas somam-se para permitir, aos poucos, que a história elaborada previamente seja montada e (re)conhecida (embedded narratives).

Outro dado importante é a estrutura narrativa em Skyrim. Mas isso fica para a próxima parte do texto…

Obs: todo conteúdo foi baseado em autores da área de Games Studies. Posso passar as referências para quem se interessar.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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