Sexualização infantil e a cultura da pedofilia

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Estamos num momento em que a questão da pedofilia vem sendo colocada em evidência. Infelizmente, grande parte do debate que ganha a mídia não tem por foco a proteção das crianças e adolescentes contra a violência e o abuso sexual. Mas, como eu tenho a política de não dar ibope para imbecis, não vou me prestar a falar sobre esses grupos que banalizam um assunto tão sério apenas para tentar dar vazão a seus argumentos estúpidos. Partamos para o que realmente importa.

A pedofilia é, infelizmente, corriqueira em nossa sociedade, e os casos expostos são constantemente relativizados. Mas não vou falar sobre os casos de violência sexual em si, de menores de idade, pois os considero a consequência de uma série de fatores, como a sexualização precoce. O ponto inicial é sexualizar pessoas que ainda não estão com o corpo ou mente formados e desenvolvidos para uma relação sexual. E essa sexualização não é apenas para um gênero, todas as crianças são expostas a uma sexualidade precoce.

Nos meninos, ainda crianças, é incutida de “ser o pegador”, “o que vai namorar todas as meninas”; ensinam-lhes a mexer com mulheres na rua, e muitos pais chegam a levar os filhos a prostíbulos, ou criam situações em que a crianças, com 10 a 14 anos, pratiquem atos sexuais; também há casos de estupro dentro de casa, cometido tanto por mulheres quanto por homens.

Nas meninas, essa erotização é feita através de comentários sobre o desenvolvimento de seu corpo, e a forçação de uma maturidade; obrigam as meninas a parecerem mais velhas, romantizam o amadurecimento precoce, sem observar os efeitos que isso gera no psicológico dessas crianças. Assim sendo, convencem crianças de 14 anos de que “elas são maduras demais para as suas idades”, para que possam praticar a violência e o abuso sexual “sem peso na consciência”.

Nunca conheci uma pessoa – homem ou mulher – que não tenha sido vítima desse tipo de sexualização precoce e violenta. Por mais que, até onde sei, nem todas tenham sido vítimas do ato sexual, isso não diminui o impacto que teve na formação do indivíduo, gerando traumas que afetaram a vida social e sexual dessas pessoas. Algumas, quando me contavam seus casos, falavam como se fosse algo divertido, como se tivessem gostado; e aí entra a questão da construção do “querer”.

Em 2017, vimos uma agitação na internet sobre a adultização da atriz de Stranger Things, Millie Bobby Brown. A atriz tem apenas 13 anos, no entanto, apareceu na première da 2ª temporada da série com um visual irreconhecível, e choveu de críticas, mas também de elogios ao visual da menina. Muitas pessoas, inclusive muitas mulheres, falando “que a Millie parecia a vontade com o visual”, “será que estávamos pensando que ela queria se vestir assim?”, “ela realmente parece muita adulta pra idade dela”. Não sei se ficou bem claro anteriormente, mas Millie Bobby Brown tem 13 anos!

Mais sexy que nunca! Oi?????

Como uma criança começa a “gostar” de algo? Vou dar um exemplo prático, que vi um dia desses no blog do Dr Drauzio Varella, para ilustrar. Uma criança que vive num ambiente onde os adultos não comem alimentos saudáveis, vai rejeitar a alimentação saudável. Crianças são, em grande parte, frutos das suas relações sociais, e das imposições dos adultos em cima delas. Até que tenha maturidade suficiente para discernir o que é realmente seu gosto, e o que não é, há uma carga construída a partir de imposições. A menina Millie foi educada e levada a “querer” ser adulta, mesmo que não tenha nem o corpo, nem a mente, prontas para isso. E qual o resultado disso? Uma jovem erotizada. Já é possível ver adultos falando “como ela tá gostosinha”, “como é sexy”, sem nem considerar a construção em torno disso. No entanto, ela é apenas um dos muitos exemplos que eu poderia colocar, inclusive, você que lê esse texto pode ser um exemplo ilustrativo.

Se for mulher, quando foi a primeira vez que ouviu “que era uma novinha gostosa”, ou alguma insinuação sexual? Consegue lembrar quantos anos tinha quando foi assediada pela primeira vez?

Se for homem, consegue lembrar quando foi a primeira vez que te aliciaram, ou que tentaram fazer com que você fosse “o garanhão”? Provavelmente não, para os meninos isso costuma ser desde os 2 anos.

Também já ouvi várias vezes o “argumento” de que essa coisa de idade é invenção moderna, pois “antigamente as pessoas casavam aos 15 anos”. Sim, é verdade, mas elas morriam aos 30. A mortalidade infantil era imensa, por conta de jovens muito novas (abaixo de 12 anos, muitas vezes) tendo que parir filhos. Não era uma boa época, não eram bons hábitos.

Costuma-se dizer que quem sente atração por crianças é “doente”, não quero entrar no mérito psicológico da coisa, não tenho cacife para isso; mas se trata-se “de uma doença”, por que tantas pessoas se preocupam tanto em forçar uma maturidade, obrigar as crianças a parecerem mais velhas, para se satisfazerem?

Outra forma de pedofilia que não costuma ser discutida, mas que é amplamente divulgada: a pedofilia nas mídias. Desenhos animados que retratam pedofilia, mas que os consumidores dessas mídias justificam “que é apenas um desenho, ninguém que joga um videogame violento vai sair atirando nos outros, gostar de ver desenhos pedófilos não me torna pedófila”. Mais uma vez entro na pergunta acima, se pedofilia é uma “doença”, por que inventam tantas desculpas para minimizá-la? É justificável gostar, se entusiasmar, shippar, e até se masturbar assistindo uma criança sendo violada sexualmente, usando a desculpa de que “é 2D”?

Isso não quer dizer que a criança deva ser privada de conhecimento sobre sexo, nem deva ser proibida de estar em contato com a nudez. A questão toda é a forma como isso acontece. O sexo deve ser abordado numa idade apropriada, e de forma apropriada, pois sem o conhecimento, a criança pode ser induzida por adultos mal-intencionados. A nudez é algo natural, e não é automaticamente erótica. São as pessoas que erotizam o corpo, mas a princípio trata-se apenas de uma pessoa em seu estado primitivo e natural. Isso deve ser colocado de forma responsável. E principalmente, é necessário que crianças tenham o seu tempo e inocência respeitados.

Portanto, por mais que o que choque e comoção aconteçam quando as violências sexuais contra menores são divulgadas ou saem nos jornais, o problema é bem maior que tudo isso, e muitas vezes essa consumação é apenas o resultado de uma equação alimentada pela normatização de certas atitudes da própria sociedade. É necessário respeitar o desenvolvimento infantil, e introduzir esses conhecimentos aos poucos, não privando a criança do conhecimento, mas instruindo-a de fato. Mais importante ainda é não relativizar, nem tentar justificar dizendo que a criança “queria”, ou que de alguma forma foi responsável por aquilo. É dever de todos cuidar para que a pedofilia seja abolida, desde as pequenas ações até as grandes. E não utilize um assunto tão sério para justificar uma guerrinha infantil “política”; não banalize algo que afeta um contingente tão alto, e não ignore os sintomas de abuso infantil que você possa estar verificando. Pequenas atitudes podem ter grandes efeitos, cabe a cada um de nós fazer essa diferença.

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Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

Este post tem 2 comentários

  1. vivulpes

    Finalmente alguém abordando a epidemia de pedofilia. E de maneira sensata. Acrescento, imfelizmente mencionando os imbecis, que os grupos que mais esbravejam contra a pedofilia, que mais querem castrar estupradores e que mais proíbem a mentira, são justamente os grupos que mais dependem dessas práticas terríveis para existir.

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