Remake, Remix, Rip-Off – Se você ama cinema, precisa assistir a esse filme!

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Fazer um filme. Assistí-lo. De um lado, o produtor, o diretor, o roteirista, o montador, os atores. Do outro, todos os espectadores, a platéia. Parecem lados opostos, mas há entre eles algo único, um encontro. Fazer um filme ou assisti-lo é um ato de amor.

Terça-feira, 30 de setembro de 2014. Eu estava na sessão das 21:30h de Remake, Remix, Rip-off, na sala 3 do Estação Rio, e testemunhei uma celebração de amor ao cinema, um documento histórico sobre a sétima arte e sua importância para o povo de um país.

Com um subtítulo cuja tradução livre seria Um Documentário Sobre a Cultura da Cópia e o Cinema Popular Turco, a produção contou com a presença ilustre de seu diretor, o turco Cem Kaya, que, num português esmerado, contou que chegaram a ser feitos em seu país mais de 6 mil filmes em 30 anos.

Abrangente, o documentário resgata a história de Yesilçam, o pólo cinematográfico que, por contar com apenas 3 roteiristas, dedicava-se a “adaptar” os clássicos do cinema e os sucessos internacionais da época, dos faroestes aos filmes de kung-fu – Rambo, Star Wars, Superman e O Exorcista.

Intercalando cenas dos filmes com dezenas de depoimentos de diretores e estrelas do cinema turco, o longa apresenta a rica trajetória iniciada nos anos 1960, em que produções para as massas eram feitas em poucos dias, e os atores encaravam toda a ação sem dublês.

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Com parcos recursos técnicos e financeiros, os técnicos de som e efeitos especiais – também devidamente entrevistados –, faziam os efeitos sonoros ao vivo, utilizando toda sorte de objetos, e elaboravam explosões com fogo e carrinhos de brinquedo.

Sem gruas e trilhos para as gravações, valiam-se da boa e velha gambiarra para desenvolver um estrado com sabão nos pés para mover as câmeras sem solavancos.

Sem verba para composições originais, músicos e orquestra, as produções reproduziam em suas cenas as trilhas sonoras de Rocky, Um Lutador, Indiana Jones e – em inúmeras delas, mais do que pudemos contar no documentário – O Poderoso Chefão.

É sério! O documentário é tão brilhante que ganha a simpatia de todos nós – e nossas mais contagiantes gargalhadas – ao enfatizar o doce absurdo daquela cinematografia popular, que, sem o menor pudor, inseria o tema do filme de Martin Scorcese em faroestes, dramas e comédias.

Não havia lei de direitos autorais na Turquia, “e até hoje, não há”, como disse um dos entrevistados. Isso possibilitou que desenvolvessem toda uma indústria calcada em tramas e ideias importadas, devidamente adaptadas para o gosto dos fregueses, uma população rural que, diferentemente do público das metrópoles, não tinha acesso aos filmes originais, que não chegavam a suas cidades menores.

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Havia um Dirty Harry na Turquia. E um genérico Bruce Lee. Diversos tipos de Batmen e Supermen. Uma produção, em especial, 3 Dev Adam, ficou famoso pela “participação” do mascarado mexicano El Santo, do Capitão América e do Homem-Aranha – o vilão da história.

Com a potência e a qualidade de um documento histórico, Remake, Remix, Rip-off segue além de Yesilçam, investigando as razões do declínio dessa indústria, a ação da censura, a atual situação do audiovisual no país, as questões trabalhistas envolvidas, e as manifestações recentes pela não demolição do cinema mais representativo da Turquia.

A cada vez maior insistência dos produtores na realização de “pornochanchadas” (que lá eram muuuito mais pornô que chanchadas!), que davam mais lucro no começo, e o agravamento da censura após o golpe militar, no fim dos anos 1980, colaboraram para a derrocada daquele enorme mercado.

imagesA televisão substituiu o cinema no coração dos turcos, hoje vidrados na tela pequena e famintos pelos capítulos das novelas e episódios de seriados, que chegam a durar mais de duas horas cada.

Aliás, a enorme duração dos programas levou a classe do audiovisual às ruas, que protestou por menos horas e melhores condições de trabalho, sendo reprimida pela polícia (acho que esse filme eu já vi).

Tal polícia também reprimiu o povo protestando pela manutenção do símbolo de Yesilçam, um majestoso cinema que vivia lotado. Ele deveria ser tombado, mas terminou demolido, provavelmente para dar lugar a algum empreendimento mais viável economicamente e certamente estéril de calor e vida.

Yesilçam agora é um bairro tomado por cafeterias. Em suas paredes, pôsteres de filmes, fotos das antigas estrelas. Em dado momento, somos levados a um passeio por suas ruas e calçadas, as mesmas em que outrora desfilou a glória de uma era dourada, de um orgulho nacional. O cinema popular turco.

rrr_web_17Ao fim da sessão, nós, espectadores, estávamos impactados. Emocionados pelo que acabáramos de assistir, incrédulos por só agora estarmos sendo apresentados ao tesouro que são essas obras esquecidas, verdadeiro monumento à criatividade, à paixão pelo cinema.

Cem Kaya continua conosco por mais de uma hora, conversando em português e inglês, respondendo entusiasmada e carinhosamente às perguntas de todos, e contando histórias como a de uma família pobre sentada próxima à entrada de um cinema na Turquia. O diretor do filme exibido dentro da sala pergunta a alguém da família o motivo de estarem ali, e lhe é respondido que estavam ouvindo o filme. Caso gostassem do que ouviam, adentrariam a sala.

O diretor explicou que a importância do cinema junto ao povo turco se relaciona ao analfabetismo de grande parcela dele, bem como à mudança do alfabeto otomano para o latim, o que fez com que a ida ao cinema significasse uma maneira de ter acesso à própria cultura.

As pessoas entravam nos cinemas de manhã e podiam ficar até a noite, assistindo filmes em sequência. Algumas dessas pessoas chegavam, olhavam um filme por algum tempo, e saíam. Outras entravam apenas para se aquecer.

Segundo o diretor, a Turquia ainda produz cerca de 100 filmes populares, em geral comédias vistas por uma média de 5 ou 6 milhões de espectadores, fora o mercado das telenovelas.

1973yarasa-adambedmenCem Kaya nasceu numa grande comunidade turca na Alemanha, e sua formação cinematográfica se deu na videolocadora de seu pai, onde descobriu filmes turcos convertidos para betamax (o formato rival do VHS).

Em 2003, surgiu a ideia de elaborar uma tese sobre os melhores anos da indústria de cinema de seu país. Em 2005, formou uma produtora para cuidar dos copyrights envolvidos nos antigos filmes, que utilizavam cenas e sons de blockbusters americanos, principalmente.

Em 2014, ele concluiu o documentário, exibindo-o no Festival do Rio 2014. Cem Kaya nos apresentou o cinema da Turquia. Sua história.

Ele fez o filme. Nós o assistimos. Foi um verdadeiro encontro. Um ato de amor ao cinema.

Ouse perder uma das próximas sessões: Quinta, 02/10, às 16:00, no CCBB – Cinema 1 (com a presença do diretor!), e Quarta, 08/10, às 14:00, no Oi Futuro Ipanema.

Ganhei um pôster do filme e pedi ao diretor para autografar. "puxa, nunca havia feito isso" -disse ele
Ganhei um pôster do filme e pedi ao diretor para autografar. “puxa, nunca havia feito isso” -disse ele

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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