PORNOGRAFIA, EROTISMO E A CULPA DA INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO NA CULTURA DO ESTUPRO – PARTE I

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Entre tantas polêmicas com as quais venho me deparando nas redes sociais nas últimas semanas, uma delas me chamou a atenção. Ela diz respeito à pornografia como um meio de perpetuar e reforçar a cultura do estupro. Longe de querer concluir ou encerrar o assunto que, além de polêmico, é extremamente complexo, o que eu busco aqui é apenas trazer algumas inquietações em caráter de ensaio mesmo e sugerir que façamos uma reflexão sobre o tema porque ele é de interesse de (quase) todos nós.

Minhas dúvidas são decorrentes do fato de haver uma série de estudos que apontam a pornografia como uma grande culpada na perpetuação da cultura do estupro e esta pornografia não se limitaria aos filmes pornôs, mas à toda produção cultural que objetifica a mulher em níveis tão assustadores que é quase impossível encontrar obras em que não sejamos apenas um objeto à venda com o único propósito de agradar e satisfazer desejos masculinos. Um exemplo de que não apenas nas produções pornográficas a violência contra a mulher é perpetuada é o filme O Último Tango em Paris – protagonizado por Marlon Brando, na época com  48 anos, e pela então desconhecida Maria Schneider com 19 anos. O ator estuprou a atriz diante das câmeras com o consentimento do diretor Bernardo Bertolucci. A ideia veio de uma conversa entre os dois que acreditaram que a violência contra a atriz após passar manteiga em seu ânus sem avisá-la, traria mais realismo à cena. De fato trouxe, pois ela chorou de verdade e demorou décadas para falar sobre o assunto.

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Um caso mais recente é o filme Azul é a Cor mais Quente, que, apesar de se apresentar como uma adaptação de uma HQ homônima, nada tem a ver com a mesma, principalmente pelas cenas de sexo entre as atrizes que foram exploradas à exaustão, gerando desconforto entre toda a equipe.  Mas esses são apenas alguns exemplos entre centenas dos quais poderíamos citar e que iriam desde a princesa Léia sendo escravizada em Star Wars aos jogos de RPG que simulam cenas de estupro de suas participantes.

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Mas aí, como fica a nossa opinião, nossos desejos e nossa sexualidade nessa história toda? E será também que a indústria cultural é a única culpada quando o assunto é o recorrente conflito que existe na busca do prazer? Afinal, conheço inúmeras mulheres que consomem pornografia e são adeptas de práticas de BDSM, condenadas veementemente por vários estudiosos do tema.

Vamos lá – não preciso ser uma profunda conhecedora do assunto pra saber que as representações das práticas sexuais na indústria do entretenimento são quase sempre violentas e em sua maioria (de acordo com a reclamação de muitas mulheres em grupos que acompanho no Facebook) se resumem à quantidade de penetrações que o homem consegue realizar dentro de um determinado período de tempo, culminando em sua ejaculação no rosto da mulher que deve demonstrar um prazer cósmico nessa ação.

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Bom, mas não há mulheres que sentem prazer nessas situações? Opa, com seis bilhões de pessoas no mundo, é válido dizer que há pessoas que sentem prazer das mais variadas formas, o que não significa que todas as mulheres sintam prazer nas formas como estamos acostumados a vê-las representadas.

Como a pesquisadora Léa Santana afirma em sua dissertação de mestrado para a Universidade Federal da Bahia, é muito difícil estabelecer estatísticas sobre um assunto que é ainda um tabu, ainda mais se considerarmos que falar em direitos da mulher, principalmente no que tange à sua sexualidade, é algo relativamente novo na história.

Em diferentes reportagens, encontramos a afirmação de que o Brasil é hoje o país que mais produz pornografia na América Latina e é o 16º maior produtor do mundo (em primeiro lugar, está a China), movimentando 100 milhões de dólares, em 2006. Também foi tirada da imprensa a informação de que a empresa de consultoria Nielsen afirma que, em apenas um ano, cresceu em 30% o número de mulheres que consomem pornografia online, no Reino Unido, e que, nos Estados Unidos, elas representam 30% da audiência dos filmes adultos na internet. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa (IBOPE) afirma que 28% do público dos sites adultos é feminino. Contudo, apesar de encontrarmos estas informações ecoando por diferentes mídias, não foi possível identificar os relatórios ou dados oficiais seja neste ou em qualquer outro instituto de pesquisa. Notamos, aqui, um primeiro exemplo de como a sexualidade, mesmo como indústria, tende a ser falada com reserva, aos sussurros.

Então, o que observamos é uma discrepância assustadora na forma como homens e mulheres são educados dentro na nossa sociedade patriarcal. Enquanto homens são incentivados a explorar seu prazer ao limite, nós somos socializadas de forma a entender que nosso lugar na sociedade se resume a certos papéis e um deles é o de ser uma boa esposa. Não, não acreditem na máxima que diz que homens gostam de “vadias na cama, damas na mesa”, até porque, novamente, nossa educação nos ensina que mulheres muito “desinibidas” não são “para casar”.

Mais um problema – ao que tudo indica, essa concepção de que o ápice da vida da mulher é a conquista de um marido parece enfrentar uma grande resistência para ser superada. Praticamente todas as mulheres que conheço estão ou estiveram envolvidas em um relacionamento completamente abusivo e com frequência ouço que “homens são assim mesmo”, “se eu não o aceitar assim, ficarei sozinha”. Mas entre os maiores absurdos que já ouvi de amigas (mulheres na faixa dos 30 anos, bem-sucedidas profissionalmente e com excelente nível de educação) foi que devemos transar mesmo sem vontade e fingir orgasmos sempre que possível, afinal, não queremos perder os maridos.

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Ou seja, percebemos que antes de indústria pornográfica, antes de Redtubes ou 50 tons (que aliás é best-seller entre a mulherada), nossa educação está toda errada. É um problema que os homens, querendo aprender sobre como agradar sexualmente suas parceiras recorram à pornografia? Lógico que sim! Se tudo que você aprende sobre sexo se limita ao que aparece nos filmes, que opção você terá além de reproduzir o que aprendeu? Ao mesmo tempo, se não somos incentivadas a conhecer nossos corpos e nem a tocá-los, como seremos capazes de indicar ao parceiro que tipos de práticas nos agradam? Aí, recorremos aos mesmos meios que os homens e aprendemos que “uma mulher de verdade” tem orgasmos múltiplos ao ser penetrada pelos mais variados objetos e xingadas dos mais inimagináveis adjetivos.

Continua….

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

Este post tem 4 comentários

  1. Tem uma entrevista em que o diretor, Bernardo Bertolucci, comenta sobre isso com um ar de deboche ou algo assim. A Sra. Delarue acha essa cena um absurso.

  2. Ladysyf

    Essa cena de Watchmen me revolta ao extremo também. Eu n lido nada bem com isso, me leva aos piores sentimentos possíveis… Concordo totalmente sobre a fala da nossa não-educação sexual e da imagem que querem nos obrigar a manter, mesmo que não seja em nada coerente com o papel q a mulher deve exercer como dona de seus prazeres e de sua vida.

    1. Joao Gabriel de Oliveira

      O pior de tudo é que o Alan Moore até podia tentar dizer que isso era uma forma de denunciar a violência contra a mulher ou dar algum migué desse tipo, mas nem isso dá pra fazer, pq o cara faz a vítima se APAIXONAR pelo estuprador! Mano, existe síndrome de Estocolmo? Ok, existe, mas a HQ nitidamente não quer falar sobre isso. É só uma visão bem deturpada do velho barbudo mesmo… =/

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