Por que você deve ler a coleção Graphic MSP?

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Projeto lançado em 2012, a coleção Graphic MSP tem uma média de 2 lançamentos por ano, reunindo um total de 15 títulos, pelas mãos de 17 artistas. O site O Vício fez uma relação atualizada delas, com link para compra.

Quem acompanha o mercado de quadrinhos, encontra facilmente resenhas sobre cada uma dessas HQ, por isso, com 5 anos de história sob a batuta do editor Sidney Gusman, não é preciso ser um especialista para saber que o projeto Graphic MSP tem dado muito certo.

Porém, poucos textos focam em aspectos que me interessam como pesquisadora e como mãe e o que eu vou tentar fazer aqui, é trazer algumas perspectivas que podem justificar a minha opinião de que essa coleção deveria estar em cada lar do país, assim como a enciclopédia Barsa era encontrada quando eu comecei a ler a Turma da Mônica – sim, eu sou daquela época! Caso você tenha menos de 30 anos, faça uma busca no Google para entender a importância das enciclopédias até os anos 80.

Bom, John Lent, um dos maiores pesquisadores de histórias em quadrinhos do mundo, esteve nas Jornadas Internacionais da USP em 2013. Durante sua palestra, mencionou sentir falta de pesquisas acadêmicas que focassem no mercado brasileiro. Ele não estava errado em mencionar a escassez desse tipo de pesquisa, uma vez que o mercado brasileiro de HQ não está ainda consolidado e possui peculiaridades que tornam sua interpretação um pouco complicada. Até mesmo para quem depende desse tipo de pesquisa, como as próprias editoras, o leitor brasileiro de quadrinhos parece ser uma incógnita.

Nesse sentido, a Mauricio de Sousa Produções (MSP), sendo o empreendimento mais longevo do ramo, é certamente a maior referência para que possíveis respostas sejam fornecidas acerca do mercado brasileiro de quadrinhos.

Apesar de algumas críticas, sabemos que é uma atitude ingênua e superficial acusar uma única editora de ser responsável pelo modelo de mercado que temos. Quem está envolvido na produção de quadrinhos, sabe que existem diversos fatores e inúmeras variáveis que conferem ao Brasil características tão peculiares que tornam a consolidação de um mercado de quadrinhos um grande desafio.

Só para citar alguns, altos custos de impressão, problemas de distribuição, baixo interesse pela leitura, difícil acesso às publicações pela grande maioria da população, que não tem poder aquisitivo para consumir quadrinhos, são elementos que devem ser considerados quando pensamos nos motivos de nossas publicações não alcançarem os números estrondosos das vendas americanas ou japonesas.

Ainda assim, de acordo com os apresentadores e jurados do prêmio HQMIX 2016, a quantidade de quadrinhos lançados no ano passado não só superou as expectativas, como foi responsável por uma diversidade de títulos capaz de agradar os gostos mais exigentes. Dois textos recentes fornecem algumas perspectivas sobre o assunto: um da jornalista Karina Pilotto e outro da pesquisadora de HQ Natania Nogueira, que esteve no Festival internacional de Angouleme e conversou com vários quadrinistas, brasileiros e europeus.

Tendo tudo isso em mente, o impacto que a coleção Graphic MSP teve e tem em nosso mercado não pode ser ignorado. Não só pela visibilidade que proporciona aos artistas que não eram conhecidos do grande público, mas, principalmente, por fomentar as vendas de quadrinhos desses mesmos artistas em outros títulos.

Jesus Martín- Barbero, um dos nomes mais referenciados na Comunicação, diz que, pelo menos no que se refere à América Latina, os pesquisadores não devem ignorar os eventos sociais, pois é nesses eventos que a comunicação se dá. Por isso, um pesquisador que não tiver o hábito de frequentar as feiras de quadrinhos e conversar com os artistas e com o público presente, não terá uma ideia completa do que representa cada uma dessas publicações.

Ao conversar com pessoas nas filas de autógrafos em eventos como a Bienal do Livro, é possível constatar que muitas delas não são leitoras contumazes de quadrinhos, mas pessoas que acompanham a Turma da Mônica e que, a partir dessas publicações, se interessam em acompanhar os artistas responsáveis por elas. Não só isso, com a possibilidade de profissionalização de várias etapas da produção oferecida pela editora, cursos voltados para colorização, produção de roteiro e edição têm sido mais frequentes nas escolas como a Quanta Academia de Artes, que é um dos espaços mais importantes de formação desses artistas. Eu nunca imaginaria há 20 anos ver pessoas esperando 2 horas em uma fila para pegar autógrafo de um roteirista de quadrinhos, de um editor ou de um colorista brasileiro, ou seja, essas são só algumas das mudanças significativas que podem ser atribuídas à série. Não à toa, muitos desenhistas sonham com essa possibilidade e fazem com que cada anúncio de uma nova edição seja sempre um momento de emoções à flor da pele, pois significa um reconhecimento há muito esperado.

Na área da Pedagogia e de formação de leitores, a quantidade de TCCs sobre a importância da Turma da Mônica na alfabetização que chegou ao meu conhecimento é tão grande que sua catalogação seria um trabalho ingrato. Crianças começam a ler as aventuras dos personagens na rua do Limoeiro e crescem acompanhando a Turma da Mônica Jovem, vendo questões que as afligem sendo tratadas de forma acessível e bem-humorada. Já o valor didático das Graphics, pode ser diferente para cada disciplina, mas como professora graduada em Letras, não é possível não me emocionar ao ler o trecho de Juca Pirama inserido magistralmente no enredo de Papa-Capim – Noite Branca, com roteiro da Marcela Godoy e arte de Renato Guedes . Eu li esse trecho em voz alta e garanto que qualquer professor de literatura sentiria o mesmo arrepio que senti ao chegar nessa parte. O mesmo Papa-Capim, que alguns amigos chegaram a criticar em relação às cores – no Brasil todo mundo é especialista em tudo – traz uma mensagem de respeito à natureza que professores e Geografia e Ecologia não deveriam deixar passar.

Eu poderia escrever um artigo acadêmico de 20 páginas apenas sobre o impacto dessas HQ e talvez o faça, porque não faltam indicações de como esses títulos mudaram o nosso mercado definitivamente, mas como esse não é o espaço para isso, vou falar um pouco do que a coleção me proporcionou como mãe também.

Minha filha hoje tem 7 anos e é totalmente alfabetizada. Costuma ler todos os quadrinhos que compro pra ela, mas tem preferência pela Turma da Mônica e escolhe ela mesma os gibis na banca. A primeira vez que me dei conta de como as Graphics podem representar uma possibilidade de diálogo sobre temas que não são tão facilmente tratados entre pais e filhos, foi no ano passado, enquanto aguardava na fila para pegar o autógrafo da Bianca Pinheiro na Bienal do Livro. Comprei Mônica – Força, de Bianca Pinheiro, na Bienal e entreguei à minha filha para que fosse lendo enquanto não chegava a nossa vez. Ela devorou a HQ em alguns minutos e fez uma resenha ali mesmo, que me deixou extremamente surpresa: eu a indaguei sobre a capa, que parecia um hospital, o que me levou a crer que havia algo de muito triste ali. Eu também esperava algo pesado, pois havia participado de um dos painéis que o Sidney Gusman estava e ele havia dito que não esperava que “algo do tipo” pudesse ser tratado em uma história da Mônica.

Pois, aquela menina de 7 anos, olhou nos meus olhos e disse que tinha gostado muito da história porque a Mônica precisava enfrentar um problema e que ela não sabia o que fazer, por isso, ficou muito triste, mas que no final, tudo ficava bem. Perceber que ela tinha compreendido que o medo da personagem era algo que muitas crianças enfrentam foi a deixa para que conversássemos a respeito. Depois de ter dado um forte abraço na Bianca e no Sidney, que estava por lá naquele dia, nós duas conversamos muito sobre essa HQ e tenho certeza que ela hoje tem um repertório que a ajudará a conversar com algum amiguinho que esteja passando pelas mesmas dúvidas e aflições que a Mônica passou.

Costumo também presentear as amigas dela com alguma HQ da coleção. Geralmente Laços, de Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi,  que é a primeira, pois a ideia é que elas conheçam a história e se interessem pelas próximas. O retorno que recebo, obviamente, é sempre positivo.

Muito embora o público alvo da coleção não seja o infantil, o Sidney falou algo em um desses painéis que mencionei, que representa muito bem o que sinto em relação a essas HQ: a Turma da Mônica nos acompanha há mais de 50 anos e a geração que hoje é formada por pais e mães que se alfabetizaram com os gibis, têm na série a possibilidade de criar uma conexão com outras gerações que pouquíssimas publicações conseguem. Ou seja, ainda que eu compre a HQ pra mim, inevitavelmente chegará às mãos de uma criança, por isso, os temas tratados, ainda que alguns não sejam mesmo compreensíveis pelos pequenos, são abordados com a mesma responsabilidade e carinho com que todas as publicações da MSP sempre foram.

Sei que há críticas à coleção, afinal, não é possível agradar a todos e sei que essa não é a intenção. Eu não sou alheia a elas e tenho certeza que toda equipe de produção também não é. Entre erros e acertos cometidos desde a primeira edição, é nítida a otimização de todo o processo, o que para muitos artistas, significa a primeira oportunidade de trabalhar de forma profissional no mercado brasileiro.

Então, fica minha dica aos pesquisadores que tenham interesse nos estudos sobre o mercado brasileiro, que não se prendam apenas às análises superficiais, pois apenas uma pesquisa aprofundada e ética será capaz de fornecer dados suficientes para uma possível avaliação sobre a produção de quadrinhos no país. Certamente, essa pesquisa passará pelas Graphics MSP, justamente pelo impacto que representam ao mercado desde o lançamento do projeto.

Às mães, pais, tios, avós e professores, colecionem essas HQ! Além do trabalho artístico lindo e diversificado a cada edição, cada história  traz uma possibilidade de diálogos e descobertas que são verdadeiros tesouros. Entre as minhas preferidas, estão Laços, Mônica- Força e Papa-Capim – Noite Branca – Isso porque ainda não li todas, mas pretendo fazê-lo em breve. Gostaria muito de saber quais sãos as suas favoritas!

 

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

Este post tem 11 comentários

  1. Anna Bazanni

    Dani, amo seus posts <3 Aos 25 sou mãe tambem, nao peguei os anos 80 mas minha irmã mais velha sempre trouxe de SP as mais variadas literaturas e agradeço muito por isso.
    Desde que saiu Laços eu me interessei mas ainda nao adquiri, o que em breve farei <3
    Faço de tudo pra que minha filha tenha acesso a tudo isso desde sempre.
    Beijos

  2. Alexandre Soares

    A série do Astronauta (sim, podemos falar em série aqui) e Piteco — Ingá. Para mim, definitivamente, os dois pontos altos da coleção.

    1. Daniela

      Muito legal saber, porque as pessoas têm mesmo suas favoritas e nunca são as mesmas.

  3. Cliff Rodrigo Silva

    Louco, a primeira do Bidu-ainda não li a segunda – e Penadinho São as minhas favoritas

    1. Daniela

      Que barato, né? Tá vendo como cada pessoa elege as suas e não há unanimidade? Tô achando super curioso. Valeu por comentar, Cliff

    1. Daniela

      Obrigada! E quais são as suas favoritas? Quero saber! 🙂

  4. 0-Drix

    De todas as Graphics MSP, só não li ainda “Ingá” e “Lições”.
    A Turma da Mônica nunca foi meu gibi preferido (na infância, eu preferia Disney ou Lulu & Bolinha) e sou extremamente crítico com esta coleção. Não sei se a leio por masoquismo ou por acreditar que pode sair algo de muito bom dela. As minhas edições preferidas são “Pavor Espaciar” e “Força” (não por acaso, Gustavo Duarte e Bianca Pinheiro são dois dos meus quadrinistas brasileiros favoritos). A minha decepção é com as séries do Astronauta (gosto do trabalho do Danilo Beyruth, mas essa série tá forçando muito um estilo “europeu”) e do Bidu (gosto mais do Bidu que quebra a 4ª parede). E acho a dos irmão Cafaggi piegas e cheia de clichês – como tudo que quer emular os anos ’80.

  5. Heleno Costa

    Quando eu era pequeno sempre preferi Turma da Mõnica à Disney porque achava os desenhos mais bonitos, mais limpos… essa estética me agradava.
    Engraçado isso.

  6. Vania Luiza Cirilo

    Dani, adorei seu artigo!! Meu favorito até agora é Bidu:Caminhos. Mas não li quase nada da série Graphic MSP, mas ando empolgada pra fazê-lo.
    Obrigada pelo texto, quero pesquisar quadrinhos tb e ainda não sei nada do mercado editorial desse gênero. Mas vamo à luta! kkkkkkkkkkk

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