Por que você acha que está certo, mesmo quando está errado?

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Arte de Laudo Ferreira

Em tempos de opiniões polarizadas e vidas líquidas, não é possível deixar de perceber que o mundo parece estar dividido em apenas dois lados: o das pessoas que concordam conosco e o das que estão erradas, porque, obviamente, grande parte de nós não consegue abrir mão de vencer uma discussão, de ter razão.

Na visão de filósofos como Kant e Habermas, as pessoas seriam capazes de empreender uma discussão com o intuito de descobrir “a verdade” sobre algo a partir da exposição de argumentos pautados puramente na razão e de forma imparcial. Na prática, ao menos no que diz respeito ao Brasil, sabemos que não é bem assim.

Um bom exemplo são as discussões acaloradas nas redes sociais e o contexto em que estamos vivendo, onde o diálogo parece ter virado uma prática ultrapassada diante de uma sociedade sedenta por “tretas” e “likes”. Quanto mais polêmico o posicionamento, maior garantia de exposição, no melhor estilo do “falem mal, mas falem de mim”.

Aliás, o caso “Maísa x Dudu Camargo x Silvio Santos” é um ótimo exemplo de como ser antiético e irresponsável é a melhor forma de se conseguir alguma visibilidade nos dias de hoje. Programas como Pânico, Danilo Gentili e afins, exploram a fórmula do escândalo e baixarias à exaustão, deixando bem claro que sua popularidade tem razão de existir na medida que há público cativo para suas ações. E ainda que esses programas violem uma série de convenções, não faltam fãs para defendê-los, sob os mais diversos argumentos, mas, principalmente, porque mesmo diante de inúmeras denúncias, seu público é incapaz de enxergar a violência e os abusos cometidos por seus ídolos.

Por que algumas pessoas não enxergam o que para outras é completamente óbvio?

De acordo com Julia Galef, fundadora do Centro de Racionalidade Aplicada, em Berkeley -Califórnia, a tendência de grande parte das pessoas é de querer estar certa e ter seu discurso endossado, não importando a verdade ou as contribuições de seu interlocutor para que “a verdade” seja descoberta. Ela definiu que estas pessoas funcionam como os soldados nas guerras, que lutam para defender “o seu lado” a todo custo.

Porém, existem pessoas que estão mais interessadas em descobrir novos fatos que contribuam para que decisões sejam tomadas de forma o mais justa possível. Estas pessoas não estão interessadas em estar certas, mas em entender a realidade. Por isso, não se apeguam à crenças e buscam chegar à veracidade dos fatos ainda que estes contrariem suas próprias convicções, pois acreditam que a vitória está em compartilhar o conhecimento e a verdade com o maior número de pessoas. Estas pessoas são comparadas aos batedores das batalhas, pessoas responsáveis em conhecer o terreno e reportar aos soldados tudo o que descobriram.

No entanto, pensar de forma totalmente racional é praticamente impossível, uma vez que, como a própria Julia afirma, nossas decisões e pontos de vista são baseados em emoções e valores, independentemente do nosso perfil. O que nos difere são as emoções que determinam nossas ações, pois elas são inerentes ao pensamento humano.

Por isso, mais importante do que instrução lógica, é preciso mudar a forma de sentir. Para Galef, interpretar o que nos é ensinado em forma de filosofia, retórica, probabilidade é importante, mas a compreensão desses conceitos demanda sensibilidade para que possam ser aplicados.

Mas como podemos mudar a forma como sentimos?

Diversas ações promividas por coletivos e ONGs buscam chamar a atenção da sociedade para a importância de se dialogar com “o outro”, com “o diferente”, para que todos entendam que a alteridade dos discursos nos possibilita ter acesso a novas perpectivas e novos pontos de vistas.

Para a doutora em ciência política Rouseley Maia a empatia tem um papel fundamental em eventos presenciais onde a deliberação é utilizada como um meio de se atingir um bem comum. Maia acredita que a emoção é indispensável para motivar os sujeitos a tematizarem as violações percebidas e a se engajarem na troca argumentativa:

“A empatia e outras “emoções altruístas” podem ajudar os sujeitos a “assumirem idealmente o lugar do outro” (ideal role-taking) durante a deliberação, o que é essencial para o bom raciocínio em questões de interesse público. […] os sentimentos de cuidado, de preocupação, de compaixão ou, ainda, de solidariedade podem aperfeiçoar a compreensão da posição do outro e, assim, permitir a produção de uma decisão moral justa. Mesmo que o discurso seja orientado por regras gerais, a prática de “assumir reciprocamente o lugar do outro”, durante a deliberação, envolve uma sensibilidade empática para com o outro concreto, bem como uma atenção para as particularidades da situação real. Isso é especialmente relevante para a aplicação de normas sensíveis em situações em que as partes estão diante”. (MAIA, 2012, p. 21)

Ainda de acordo com Maia, “os méritos da argumentação informal, das narrativas e dos testemunhos são vários, uma vez que podem contribuir para a ampliação do escopo da discussão”.

A ficção também pode contribuir para maior compreensão do outro, nos ajudando a aprofundar sentimentos e a entender que estar certo acima de qualquer coisa, pode significar uma grande perda em termos de relacionamentos e aprendizado. Apenas para citar algumas produções que dialogam com o tema, aqui estão:

Na Companhia do Medo (2003), com Halley Berry, Penelope Cruz e Robert Downey Jr., conta a história da psiquiatra Miranda Grey (Halley Berry) que é internada em um manicômio depois de apresentar sintomas de esquizofrenia. Miranda, que sempre foi uma profissional exemplar, tem sua credibilidade questionada pelos colegas que se negam a acreditar no que ela diz, ainda que nunca tenha apresentado qualquer sinal de transtorno mental até então. Exemplo claro de negação da verdade diante dos fatos, porque os fatos contrariam a convicção de qualquer médico.

Em A Outra Face da Raiva (2005), Terry (Joan Allen) é uma mulher abandonada pelo marido e com 4 filhas para criar. Sua convicção de que ele teria fugido com a secretária, com quem teria um suposto caso, a deixa extremamente amargurada e a convivência com ela se torna insuportável. Na medida que o filme se desenrola e o espectador compartilha do ódio pelo marido desaparecido, eventos indicam que Terry pode estar enganada sobre o paradeiro de seu companheiro. Se eu contar mais alguma coisa, estrago a surpresa, mas é uma lição válida que precisa ser aprendida por muita gente que adora julgar os outros sem estar a par dos fatos.

Lego Batman – o Filme, de 2016, é uma animação que, apesar da zoeira, foi produzida por pessoas que conhecem muito bem o “Cavaleiro Negro” da DC. Sabemos dos problemas que o Batman tem para confiar nas pessoas e para se envolver, mas dessa vez, seu orgulho e sua obsessão por estar sempre certo coloca em risco a vida de toda Gotham. A diferença desse Batman para o das HQ, é que esse acaba aprendendo algo e consegue seguir em frente, enquanto o personagem dos quadrinhos jamais admitiria estar errado, a menos que aceitasse se tratar psicologicamente, hehe.


Séries como Cara Gente Branca, os 13 Porquês e O Conto da Aia, são mais alguns exemplos de narrativas que buscam dialogar com quem sempre teve seus discursos endossados e legitimados socialmente, no intuito de mostrar que existem narrativas diversas e que elas também compõem a realidade. Ter acesso a elas só nos beneficia, uma vez que funcionariam como janelas que permitiriam que quem as abre, possa enxergar uma paisagem mais ampla e complexa, como eu já havia falado aqui.

Quando entedermos que “ganhamos quando perdemos uma discussão”, seremos capazes de perceber que muito mais importante que estar com a razão é descobrir a verdade e compartilhá-la. Por isso, discutir, refletir e argumentar, são exercícios necessários para que possamos encontrar “a verdade” de forma consensual. O bom senso indica que o bem coletivo é mais importante que a minha necessidade de estar sempre certo e pensar assim nos favorece como sociedade, além de demonstrar que ao atingirmos esse nível, estaremos mais evoluídos e textos como estes não farão mais sentido.

Referencia:

MAIA, Rouseley. Emoção, retórica e histórias pessoais na esfera pública. In: SOARES, M.C., et al. Mídia e Cidadania. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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