A Internet e o fim da Surpresa

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Quero deixar claro que não é saudosismo (ok, é um pouquinho). Meu objetivo é chamar atenção à dinâmica contemporânea de acesso ao conhecimento, e inclui não apenas a demanda mas a oferta por informação.

De maneira geral, vivemos uma crise pelo excesso e superficialidade, porém, simultaneamente, estamos em um período de extrema curiosidade. Com muita informação disponível, o desejo por acessá-la é enorme. As pessoas estão correndo atrás de conteúdos. Por outro lado, a fim de dar conta da demanda, os produtores caem na estratégia do ligeiro, beirando a futilidade, tanto na pesquisa quanto na apresentação.

E mais, os usuários pulam de link em link sem parar, a fim de serem capazes de absorver toda a variedade de informação.

Embora seja uma discussão extremamente relevante socialmente, vou focar apenas na área de entretenimento e como esta sede por informação, às vezes, pode estragar a experiência.

O Mundo antes da Internet

acao-gamesA ideia é olhar para trás e lembrar como era o acesso à informação de entretenimento antes da popularização da internet. Não tínhamos Facebook; Youtube; inúmeros sites sendo atualizados a todo o instante e por aí vai. As análises, resenhas, resumos e notícias chegavam aos consumidores por meio de revistas; fanzines; televisão aberta (Globo e SBT, principalmente); trailers no cinema; rádio FM. A informação não circulava tão rápido, levava um tempo até chegar aos meios de comunicação nacionais e ainda tinham de disputar espaço para serem publicadas.

Escolhas eram feitas e, muitas vezes, os nerds eram deixados de lado.

A velocidade era outra.

O Mundo depois da Internet

E os bits chegaram. Ferrou tudo. Com as coisas a um clique de distância, as pessoas passaram a exigir as coisas a um clique de distância. A fim de saciar esta fome, o conteúdo passou a estar disponível muito rápido. E em quantidades enormes.

Ninguém mais quer esperar o filme ser lançado. Queremos fotos das locações, dos atores chegando; queremos teasers, spots para TV, trailer oficial, trailer versão estendida 01, 02, 03…

E isso não é uma via de mão única. A produção de conteúdo também foi facilitada para o usuário comum – aquele que antes apenas consumia a informação (lembra-se da Web 1.0?). Profissionais e amadores dividem espaço na cultura pop. Muitas vezes, nem conseguimos mais distingui-los. E peço desculpas aos especialistas e profissionais de mídia, mas é verdade: enquanto muitos de vocês perdem qualidade, muitos dos usuários se aperfeiçoam…

Como todos possuem uma câmera e há um mercado enorme para fotos e vídeos exclusivos, os artistas não têm mais sossego e são perseguidos onde estiverem e para aonde forem. Neste frenesi por informação, sabemos que Kit Harington foi visto embarcando para a Irlanda do Norte, o que dá dica sobre o futuro de Jon Snow em Game of Thrones (sem contar a entrevista em que liberou mais informação sobre a série). Cada vez mais nos surpreenderemos menos…

Kit-Harington1

Se antes íamos assistir a um filme na promessa de ser bom, com base em um trailer ou poucas notícias sobre o assunto – talvez até uma entrevista com o diretor –, hoje temos à disposição centenas de releases (tudo bem que boa parte é copiado e colado…), vários trailers e teasers comentados segundo a segundo, analisados minuciosamente na tentativa de arrancar o máximo possível daquilo que deveria ser apenas uma provocação. Pouquinho do trailer; comentário nerd; pouquinho do trailer; piadinha nerd; rebobina, mais comentário nerd… No fim, um spot de 30 segundos se transforma em um vídeo de 20 minutos.

No universo dos games, além das versões betas e gameplays de teste (que nos preparam quase em sua totalidade sobre o que está por vir), ainda somos “agraciados” com milhões de canais no Youtube publicando passo a passo todo o gameplay, comentando cada segundo do jogo, fornecendo dicas, explicações, piadinhas e por aí vai.

No meio disso tudo, tiramos conclusões precipitadas, interpretações equivocadas ou criamos expectativas falsas. E, infelizmente, substituímos nossa análise crítica pela opinião de outra pessoa.

Um filme ou jogo podia ser uma surpresa agradável, ou não, mas, pelo menos, seria com base nas nossas próprias observações. Hoje, nos armamos com um conjunto de julgamentos terceirizados antes de consumir algo. Logo, estamos totalmente influenciados pelo que o outro pensou. Obviamente, isto tem seu lado bom: evitamos perder tempo com algumas desgraças. Por outro lado, toda emoção gerada pelo inesperado, pelo incerto, é eliminada da equação.

5-21-Shit-Eating-GrinMomento He-Man:

Amiguinho, nunca deixe de experimentar algo baseado apenas na opinião dos outros e, também, não se deixe enganar pelo bombardeio dos subprodutos refinados.

Sei que a tentação é grande em consumi-los, contudo, em alguns casos, espere pelo conteúdo original. Somos seres complexos, majoritariamente diferentes e que vivemos realidades distintas. Nada substitui a percepção particular de algo.

Seja seu próprio criador de expectativas. Nunca transfira isto para ninguém.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem um comentário

  1. Aline Rosa

    Muito bem escrita, sucinta e objetiva! Parabéns! Já compartilhei no facebook! Grande abraço
    Aline Rosa

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