Parabéns, Belchior! Um pouco sobre você em seu primeiro aniversário realmente longe… (Parte 1)

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Antes que você possa continuar este texto, ou mesmo encontre certa má vontade, eu preciso deixar algo bem claro. Este é um texto feito por fã, e de certa maneira uma homenagem, mas pretendo ter boa dose de sobriedade.

Neste dia 26 de outubro um dos maiores poetas da MPB, Belchior, estaria fazendo 71 anos. O dia 30 de abril de 2017 reservou, além de certa tristeza pessoal (falarei mais abaixo), uma grande lacuna no cenário da música brasileira com sua morte. Ainda mais se levarmos em conta o baixo nível do cenário musical do país decantado por tantos, sejam críticos especializados ou simples ouvintes.

O problema é que boa parte dessa crítica (ficarei só nos “especialistas”) parece existir apenas para o exercício dessa prática do “mimimi”. Exagero? Façamos um teste: pesquise agora na sua internet quantos sites lembraram este aniversário. Vale lembrar que não completaram meros SEIS MESES da morte do artista.

“Amar e mudar as coisas me interessam mais” Esta frase da música “Alucinação” (álbum homônimo) dá uma boa ideia do que é possível encontrar na obra de Belchior. Virou um dos lemas de seus fãs.

Belchior não ligava para isso, ainda bem. Ele mesmo, em uma entrevista, declarou que não pautava seu trabalho na aceitação do mercado, mas sim em conceitos poéticos e pessoais. Prova disso que em sua discografia era possível encontrar gravadoras menos conhecidas (por vezes do próprio Belchior). Cai por terra uma das falácias que boa parte da mídia divulgou (e ainda o faz) ao dizer que sua carreira sofreu com altos e baixos. Curiosamente desconheço relatos de shows do artista que tinham pouco ou nenhum público. Ao contrário, em seus anos de reclusão era possível encontrar campanhas para shows e gente disposta a bancar o evento.

Essa mesma preocupação era levada para seus shows. Tive sorte de ver pessoalmente dois estilos de apresentação. A primeira com uma banda (a banda Radar, que o acompanhou por quase 10 anos) e já alguns anos antes de largar tudo apenas com “um banquinho e um violão”. Ao ser questionado por mim sobre o formato antigo ele brincou e disse “quando eu faço de um jeito sempre me pedem de outro”. Independente do formato, a convicção de trabalhar em cima da causa (qualidade da obra) e não da consequência (sucesso midiático) angariou fãs fiéis, que vão transportando mito e obra durante passagem das décadas.

Um bom exemplo de que a obra de Belchior consegue se encaixar de alguma maneira no contexto atual é uma canção desconhecida do grande público chamada “Arte Final” onde, depois de incitações, pergunta no fim se a saída será mesmo o aeroporto. O estilo parecido com Zé Ramalho, de “cantar falando” também é presente, mas não se engane. Achar um estilo definido para ele pode ser uma armadilha.

Existem diversas outras “lendas” criadas ou barreiras colocadas ao longo de décadas. Algumas criadas pelo próprio Belchior (e isso não é uma crítica) ao optar pelo caminho menos comercial. Um singelo exemplo disso é a grande quantidade de equívocos pela internet sobre o nome da música “Comentário a Respeito de John”. Esta canção foi usada pelo ator Eriberto Leão, ao executar um cover de Belchior em um quadro do Faustão e depois noticiado por portais de notícias na internet (muito pelo mal estar entre Eriberto e Cláudia Raia). Boa parte dos sites errou no nome da música (alguns até hoje não corrigiram). O erro mais comum é chamar de “Saia do meu caminho”, justamente a primeira frase da canção.

A obra de Belchior precisa ser digerida com calma. Eu cresci escutando seus discos, e mesmo trinta anos depois ainda continuo a perceber detalhes. Se fosse necessário comparar com alguma HQ eu remeteria a Watchmen, onde o primeiro impacto talvez não agrade, ou seja, de difícil compreensão, mas é possível se impressionar com a obra mesmo depois de conhecê-la por um bom tempo. O próprio artista analisava sua obra frequentemente, o que resultava em gravações de versões (pertinentes) de uma mesma canção. Talvez seja daí a conclusão que certa vez um integrante da trupe do Pânico o chamou de “cantor preguiçoso”. Como diria Belchior, alguns “sucessos” são efêmeros.

Ao apresentar versões de várias de suas canções Belchior só mostrava a solidez das suas obras. Mesmo as músicas que abordavam temas como ditadura não envelheceram. Belchior sabia enviar a mensagem, mesmo que não parecesse estar dizendo nada demais. A foto, por sinal, é icônica.

Sobre a tristeza pessoal citada no início do texto: tive a oportunidade de conhecê-lo e conversar com ele por três vezes, em momentos diferentes, e todas significaram algo. Quem é fã de um artista sabe facilmente do quanto é especial poder ter esse contato. São sentimentos que talvez só Belchior pudesse ousar explicar. Creio ser desnecessário especular, culpar ou vitimizar alguém pelo estilo de vida escolhido por Belchior em seus últimos anos de vida. Ainda mais a essa altura, onde todos para quem os fatos realmente importam não estão interessados em esmiuçar. E mesmo que você faça algum julgamento isso não arranha um mínimo que seja a sua obra. Quanto a mim, só resta prestar tributo e prestar emprestado o início de “Até Mais Ver”.

“Ate mais ver, ate mais ver, meu camarada.

Contigo em mim e ainda em ti, vou indo em dois”

Fica a dica!

Vilipendiador Unperucked

Sempre se metendo em novos projetos e lutando contra pré-conceitos interiores. Já teve pilhas de HQ's, videogames e cartuchos. Hoje somente bons encadernados e um emulador. Ainda assim, sempre tenta colecionar algo. Pensou em escrever sobre a procrastinação mas achou melhor deixar pra semana que vem.

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