O Problema dos Novos Lobatos

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Boooooooooooooooooooooooooolá, iluminerdada! Como vão? Bão? Bão! Então ok.

Essa é pros escritores e tradutores de plantão espalhados por esse nosso Brasil Baronil.

Imagino que você já não está entendendo o que o título tem a ver com a paçoca. Calma. Me refiro aos ambiciosos; àqueles que querem ganhar a vida na base do livro; àqueles que pelo menos acham que estão em processo de amadurecimento e querem ouvir uma dica do que NÃO fazer e provavelmente fazem em suas obras ou traduções; àqueles que—————ah, vá. Chega.

Vamos falar, então, da parte mais difícil de se fazer em uma história:

Diálogos.

Wat?!

Esqueça a construção de personagens, esqueça a ambientação, esqueça… espera. Isso tudo é importante, claro. Mas esqueça esses detalhes por enquanto. Só vão te atrapalhar.

“Mas o que de tão difícil tem em fazer duas pessoas conversando?”

Bom… tecnicamente, nada. E é exatamente esse o perigo.

Veja bem. Você é um falante da língua, consegue conversar com qualquer outro brasileiro, então, consegue transcrever uma conversa. É só escrever. Certo? Só que não.

Vamos supor que você seja pobre como eu e nunca saiu do estado em que mora. Você já deve ter assistido a filmes brasileiros, ou dublados em português e deve ter notado que alguns personagens têm sotaques. E esses sotaques meiki “criam” palavras novas. Você consegue imitar esses sotaques?

“Mas se eu fizer isso com todo mundo, ninguém vai conseguir entender o que eu tô escrevendo!”

Não, mesmo. Muito sotaque quebra a magia da coisa e vira artificial demais.

Da mesma forma que a artificialidade é deflagrada quando não se tem nem presença disso.

Ok, exemplos.

Temos uma criança (até uns 10 anos) falando:

– Mas você não estava correndo para beber água?

Antes de perguntar qual é o problema, vale lembrar que era pra ser uma criança falando. Nenhuma criança (CRIANÇA! Não tô dizendo mini-adultos) fala “para”. Nenhuma criança fala “estava”. Nem você fala assim!

“Mas está tudo de acordo com a língua portuguesa padrão!”

Grande bosta. Dormi.

Se ninguém fala desse jeito, você está perdendo uma aliada fortíssima na identificação do leitor com um personagem. Personagens que “falam como pessoas” absorvem o leitor muito mais rápido. Mas aí chegamos no problema do segundo exemplo:

– Macênum tava correnu pabebê água?

Pã! Tela azul do Windows.

Você talvez tenha entendido de primeira, porque já tinha visto a frase antes. Mas isso, numa história, ia fazer com que o leitor tivesse de reler a frase e ler com cuidado. Ou seja:

O Ministério da Literatura adverte: Usar sotaque demais quebra o ritmo do leitor.

Dependendo da sua intenção, a quebra de ritmo é um trunfo. É desconcertante, cansativo. Se esse é o efeito que você quer passar num dado momento da história, vai em frente (apesar de eu aconselhar fazer isso com outros elementos, o diálogo talvez não seja a forma mais efetiva pra isso). Mas, se você não tiver essa intenção e quiser só fundir leitor-personagem, então, calma.

Não adianta o leitor identificar o sotaque do cara, se não conseguir acompanhar o que ele diz, capisce?

Então, chegamos ao nosso terceiro e último exemplo:

– Mas você num tava correndo pra beber água?

Ou

– Mas cê não tava correndo pra beber água?

Perceba: você humanizou a fala da pessoa… mas tirou boa parte do sotaque do cara. Não se preocupe! É pra isso que servem os vícios de linguagem (as gírias).

Se eu colocar:

– Ôxe! Mas cê não tava correndo pra beber água, bichin?

Ou

– Bah, guri! Mas você num tava correndo pra beber água?

Agora, você tem uma noção (mesmo que vaga) de onde esse personagem é. E temos um humano falando, não uma máquina de repetir ortografia.

Mas aí você me pergunta:

“Se não tiver isso, meu livro vai ser uma merda?”

Omaiuai! De jeito nenhum. Quem disse isso?!

Se não tiver essa tática, você deixa de lado uma baita de uma chance de conseguir puxar leitores mais “chatos” (leia: que gostam menos de ler livros). Mas não quer dizer que vai ser ruim.

Exemplo de autores que usam essa jogada de falas:

André Vianco – O Senhor da Chuva, Os Sete (usa bastante palavrões e “pra” e “cê” e “tá”);

Mário de Andrade – Macunaíma (usa muitas gírias e junções de palavras até pra dar humor à narrativa);

Manuel Antônio de Almeida – Memórias de um Sargento de Milícias (o mesmo do Mário);

Alan Polêmico Moore – The Killing Joke [A Piada Mortal] (as falas do Coringa – na versão em inglês, na brasileira, não lembro como estava – são cheias de abreviações, gírias e sinais de fala – tipo gagueira, ou tentativa de conter o riso enquanto fala);

Bryan Lee O’Malley – Scott Pilgrim (gírias, abreviações e “termos técnicos” da área “nerd”).

Exemplo de autores que não usam isso:

Eduardo Spohr – A Batalha do Apocalipse (todos são completamente formais);

Edite Siegert (tradutora da saga) – A Ordem dos Arqueiros (idem ao de cima);

Cláudio Villa – O Vento Norte (todos têm o mesmo vício “meu caro”);

Gustavo Rosseb – A Odisséia de Tibor Lobato, o Oitavo Vilarejo – que está em processo de gravação para virar filme (crianças que falam como adultos).

Etc etc.

E se formos falar de teatro, ou de comédia, essa tática é muito usada pra se fazer personagens caricatos, ou pra expor (meio que pra explicar, às vezes) alguma característica de um personagem.

E mais!

Vamos dizer que você, que está me lendo, é um gramatólico (louco por gramática – sim, acabei de inventar, me processe) e não consegue fazer uma história nessas condições.

Sem problema! Saiba que, no cinema, isso também é usado. Ainda mais quando o assunto é inglês antigo, ou com sotaque (grego falando inglês, por exemplo). E daí vem uma dica excelente do Robert Mckee, que pode ser vista no vídeo abaixo, com legendas (só tá um pouco errada, porque onde aparece “antiga”, é “sotaque” – o cara confundiu ancient, com accent, que o som parece muito, pra ser sincero). Comece com os sotaques e as gírias pra dar o clima e ambientar os leitores aos personagens. Quando tiver criado um clima relativamente sólido, vai tirando esses truques de pouco em pouco. Os leitores, no final, não vão perceber a troca, porque se acostumaram em ler de um jeito e vão achar que eles continuaram sempre lá.

Mas de toda forma, dos dois lados temos gente de sucesso que usou ou não esses artifícios.

Dica inútil, essa, então, né?

É………..quem sabe.

Este post tem 2 comentários

  1. JJota

    Uma da coisas em que o escritores falham miseravelmente é justamente entender que personagens diferentes podem falar de forma parecida, mas não igual.

    É muito chato ler um livro em que, se bobear, você não sabe que personagem disse o quê, porque todos falam igualzinho.

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