O legado Snyder, por Victor Moura

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Zack Snyder é um diretor de cinema clássico narrativo. Para falarmos dele, é preciso que entendamos isso.

Não há qualquer pretensão por parte do cinema clássico narrativo em ser experimental ou inovador, mas sim contar uma história utilizando técnicas do cinema, o que permite ao expectador embarcar na narrativa sem consciência da mecânica por trás das câmeras. O corte entre as cenas vai, normalmente, ser invisível, edição contínua, som e efeitos não vão chamar atenção para si, como em um truque de mágica. A esse tipo de diretor cabe definir a orientação artística e visual do filme, dirigir e guiar a interpretação dos atores para que sigam sua visão e técnica, supervisionar a produção, interpretar e adequar visualmente o roteiro, dirigir os departamentos técnicos (fotografia, cenário, som, foco, enquadramento), cuidar da pré e pós-produção. Tudo isso respeitando a necessidade narrativa, o storytelling.

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Dentro desse escopo, temos diretores bons, médios e ruins. O bom diretor vai elevar o material dado no roteiro; um diretor médio vai fazê-lo com boa técnica mas sem deixar qualquer marca ou significância; e um diretor ruim vai fazer de forma pobre e deficiente. Agora, a definição de bom, médio e ruim não corresponde, aqui, a expectativas e gostos pessoais, mas sim ao cumprimento do objetivo de realização de uma obra narrativa e da presença de uma marca forte o bastante para torná-la memorável.

É comum que as pessoas coloquem o peso da narrativa no roteiro e nos diálogos ao julgarem a história, contudo, quando se trata de cinema, tudo é narrativa. Nada está em quadro à toa, e cada elemento ajuda a contar a história.

Não é por acaso, portanto, que temos planos como esse:

Watchmen morte do comediante

Em Watchmen, o filme, enquanto o roteiro nos mostra o comediante caindo, a narrativa visual faz a história crescer. A escolha do ângulo em plongée (do francês, mergulho, ou seja, esse movimento de cima pra baixo) reforça a ideia de queda, intensificando a perspectiva dos prédios e do cenário, mostrando a distância da queda. Os cacos de vidro pontiagudos no ar adicionam tensão à cena através da associação psicológica do corte e, também, através da forma geométrica triangular que é mais dinâmica e tensa que as outras formas básicas. O Smile manchado de sangue é ainda mais narrativo, o símbolo do personagem Comediante caindo para a morte com ele, a mancha de sangue representa a morte do personagem através de seu símbolo, símbolo este que continua sorrindo enquanto cai. A escolha de cores da cena também é brilhante: o azul, uma cor fria dando o tom deprimente à cena, ajudando a destacar o Smile, uma vez que o amarelo alaranjado se contrapõe ao azul.

Agora, você pode pensar que esse mérito é de Alan Moore e da arte dos quadrinhos, mas é preciso ver que é graças a escolha de ângulos de Snyder que podemos observar esses pequenos detalhes. E também graças a escolha dele em usar o slow motion que podemos apreciar a cena e digeri-la com calma, como faríamos ao ler os quadrinhos. Lembrando também que a escolha de ângulos, cor, iluminação e enquadramento são diferentes dos quadrinhos, bem como a presença de trilha sonora, por razões obvias. Apesar da obra de Alan Moore apresentar uma trilha própria, o diretor faz um uso diverso, complementando informações de cena ou mostrando o ridículo de um enlace amoroso entre Coruja e Espectral. Afinal de contas, a menina fazia sexo com um deus. Então, há muito que se agradecer ao Snyder por uma cena dessas.

Comediante e a primeira Espectral - percebam como a iluminação realça o caráter sombrio do que está pra acontecer...
Comediante e a primeira Espectral – percebam como a iluminação realça o caráter sombrio do que está pra acontecer...

Dentro de todos esses critérios esperados para um diretor, eu não colocaria Zack Snyder ao lado de Hitchcock, Kubrick, Orson Welles ou Scorsese. No entanto, é preciso saber que ele não é um diretor ruim, ou terrível, muito pelo contrário, talvez ele seja um dos últimos representantes competentes da narrativa tradicional do cinema.

Duas críticas infundadas que circulam sobre ele são:

 1 – Uso abusivo do recurso slow motion

300 batalha

O slow motion é um recurso dramático que possibilita melhor visualização de cenas, em especial cenas nas quais a dramaticidade é pautada na ação. A câmera lenta é um ótimo plano detalhe pra quem gosta de apreciar coreografias de luta, por exemplo. Recurso usado em Matrix sem reclamações dos pretensos críticos de cinema.

2 – Não possui um estilo próprio:

zack snyder banner

Sou grande fã de um artista que consegue desenvolver um estilo único. Um estilo próprio, quando bom, é capaz de elevar qualquer roteiro por mais simples que pareça (como acontece em Drive). Mas, estilo próprio não é uma necessidade para nenhum tipo de arte, com o bom uso de um ou mais estilos é possível criar boa arte e um estilo. Como uma colagem feita a partir de recortes.

O estilo de Snyder é, como o de Tarantino, um recorte de outros estilos. Só que, enquanto Tarantino vai buscar influências em fontes mais antigas do cinema que marcaram sua infância e adolescência, Snyder parece pegar referências mais modernas. Como produto final, Tarantino consegue um resultado aparentemente único e próprio, enquanto Snyder um resultado aparentemente com bem menos características autorais. Porém, como disse, isso não é um problema, é uma escolha, ele não tem o mesmo impacto autoral que outros, mas, em momento algum, isso diminui sua obra.

Watchmen, 300, Man of Steel… são obras, acima de tudo, ambiciosas. Visual e narrativamente arriscadas. Enquanto Joss Whedon vai assumir pouquíssimos riscos e fazer um filme bom, previsível e pouco memorável. Snyder, como Nolan, vai fazer um filme corajoso e marcante. Goste ou não do produto final é possível ver cuidado e dedicação na produção. E é possível ver que o roteiro tenta não ser óbvio e linear como é o caso de Os Vingadores.

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Victor Moura é designer do estúdio do Ziraldo, quadrinista independente no tempo livre, formado em Cinema. Perseguindo o sonho de infância de ser um Viking, guerreiro bárbaro, pirata, super-herói, Timelord.. o que vier primeiro!

Instagram: @vicmoura Página facebook: www.facebook.com/vicmoura Portfólio: http://qvicmoura.tumblr.com/

Colaborador

Colaborador não é uma pessoa, mas uma ideia. Expandindo essa ideia, expandimos o domínio nerd por todo o cosmos. O Colaborador é a figura máxima dos Iluminerds - é o novo membro (ui) que poderá se juntar nalgum dia... Ou quando os aliens pararem com essa zoeira de decorar plantações ou quando o Obama soltar o vírus zumbi no mundo...

Este post tem um comentário

  1. Harvey_o_Adevogado

    O maior legado do Snyder: “tornar massa véio o superman”. DeCepcionante.

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