Não somos iguais – Ou como ignorar as diferenças perpetua as injustiças sociais

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Uma coisa que precisa, urgentemente, ficar bem especificada na cabeça das pessoas é que não existe um movimento feminista, existem vertente feministas, muitas vezes com visões amplamente antagônicas. Embora algumas pautas possam ser comuns, a luta pela libertação feminina varia de acordo com a classificação social, identidade racial e por questões de gênero e sexualidade. Além do que, a própria identificação da mulher com alguma ideologia, pode levá-la a uma vertente feminista que pode não se encaixar em suas “características”, por exemplo, mulheres negras que se identificam mais com o feminismo branco.

Existem vertentes que procuram integrar as várias realidades, sem desconsiderar as diferenças. E, claro, existem as pessoas “good vibes”, “deboístas” que “são contra os recortes”, e defendem que “temos que nos unir, uma só causa, um só coração”, mas sobre essas nem vou falar agora, porque tenho tantas críticas, que o texto seria só dedicado a elas. O mundo é recortado, e se escolhermos ignorar as diferenças, nunca haverá justiça de fato.

Muitas mulheres acham o termo “feminismo branco” ofensivo, pois sabem que é uma vertente para mulheres com vários privilégios apenas por terem nascido brancas. Dentro dessa vertente, se enquadram ainda as brancas ricas e as brancas ricas cisgênero e heterossexuais. As pautas dessas mulheres, muitas vezes, são voltadas para a liberdade de andar sem sutiã, não ser assediada na rua, amamentar em público, salários igualitários, oportunidades de ocupar bons cargos de trabalho, liberdade para ocupar espaços que normalmente são ocupados em maioria por homens, libertação dos padrões de beleza midiáticos, fim da objetificação ou coisificação do corpo feminino, direito ao não-parto (CHILDFREE) – e aqui entram o direito ao aborto e aos métodos de esterilidade, entre outras pautas que são sim necessárias, especialmente para quem não tem que lutar por coisas básicas, como o direito à vida, que é o caso das mulheres transexuais e transgênero, mulheres negras, etc. Já o feminismo negro combate, principalmente, o machismo, o racismo, o problema das classes, e também questões de gênero e sexualidade. Isso porque a mulher preta-pobre-lésbica-transexual é vítima ao mesmo tempo desses vários tipos de opressão, e entende que todas elas se fortalecem entre si. Por isso é importante combater todas, em vez de focar-se em uma só.

Então a questão não é se a minha luta feminista é válida ou não, pois cada mulher vai lutar por aquilo com o qual se identifica (de identidade “qualidade do que é idêntico”). O grande problema é achar que essas pautas são as mais importantes. É um problema desconsiderar os próprios privilégios, e tentar se igualar às mulheres que ainda precisam lutar pelo direito de serem reconhecidas como pessoas.

Sendo assim, as mulheres negras quando apontam o racismo em outra mulher, não estão deixando de ter “sororidade”.

Sororidade é um termo que tem origem no latim “sóror” = irmãs, e significa irmandade feminina. Nos movimentos feministas, a palavra costuma ser usada para empregar o conceito de “união feminina em prol de um mesmo objetivo”. Indica, também, a empatia entre as mulheres. Esse conceito de “irmandade feminina” veio ganhando muito espaço dentro de diversos movimentos feministas, e, embora o conceito em si seja muito importante e significativo, a má utilização dele tem servido para acobertar uma série de erros e problemas sociais, incluindo o racismo.

Em 2015, a cantora Nicki Minaj lançou o single Anaconda, que explodiu no mundo inteiro, e junto com Beyoncé, lançou o Feeling Myself. Ambos fizeram um sucesso absurdo, e mesmo assim não foram indicados a prêmios no VMA. Quando Minaj reclamou sobre o acontecido, e citou que mulheres negras influenciam muito a cultura pop e raramente são premiadas por isso, Taylor Swift se doeu e pediu mais “sororidade”, mascarando o problema do racismo na indústria, e minimizando tudo apenas ao problema do machismo. Nicki Minaj foi amplamente criticada pela mídia, e por outros artistas (brancos), taxaram-na de “barraqueira” e todos os estereótipos que fazem de mulheres negras.

Este ano, 2017, ocorreu a premiação do Grammy. Beyoncé estava concorrendo em várias categorias com Lemonade. O álbum que celebra a cultura negra e a libertação feminina. Uma obra emocionante. Acabou vencendo apenas em categorias menores, pois o prêmio principal foi para Adele, por mais um de seus trabalhos muito bons, mas “mais do mesmo”. Adele, ao contrário de Swift, reclamou do acontecido, falou que foi injusto, e que quem merecia era Beyoncé. Dizem que ainda questionou nos bastidores “o que Beyoncé precisa fazer para receber esse prêmio?”. Nós todos sabemos a resposta.

Nestes dois episódios, colocamos situações em que mulheres estão disputando entre si por premiações. Quem sai vencendo? As brancas. É assim que tem sido por muito tempo, não há igualdade. Portanto, eu posso não ter empatia por uma mulher racista, mas posso lutar contra o machismo ao qual ela é constantemente submetida. E só.
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Mas como lidar com os privilégios, sem que isso atrapalhe a luta feminista? O mais importante é aprender a ouvir. Ouça o que os outros tem a dizer, tentando não fazer julgamentos, e principalmente, não faça o tipo “QUE DESCONSTRUÍDONA DA PORRA”. Ninguém é. Também é importante não se ofender quando seus preconceitos e suas vantagens forem apontadas. Você não pediu para nascer assim, embora se beneficie. Não é uma ofensa à você, é um apontamento necessário de que nem todos estão sob a mesma condição que a sua, é uma prova dos recortes do mundo, portanto, não se coloque numa redoma defensiva.

Reflita sobre tudo que ouvir. Você não é obrigada a aceitar, e você pode ter suas críticas, mas pelo menos se dê ao luxo de ouvir o outro lado, e tente ter empatia sobre o ponto de vista alheio, com vivências diferentes de sua realidade.

 

Sugestões de leituras que inspiraram este texto:

<http://www.geledes.org.br/feminismo-negro-sobre-minorias-dentro-da-minoria/>

<http://blogueirasnegras.org/2016/07/20/a-mulher-branca-e-o-feminismo-negro/>

<http://www.afreaka.com.br/notas/o-feminismo-negro-brasil-um-papo-com-djamila-ribeiro/>

Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

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