Mulher-Maravilha é Bissexual. Por que isso importa?

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Kassia e Diana em Mulher-Maravilha Renascimento nº1

Em 2016, às vésperas de completar 75 anos, a Mulher-Maravilha foi anunciada como uma personagem bissexual. De acordo com um dos atuais roteiristas da série Renascimento, Greg Rucka, “Se ela não tivesse se relacionado com ninguém antes, então ela só sai do paraíso por causa de um relacionamento com Steve Trevor, o que diminui a personagem dela”, afirmou. “Isso machucaria a personagem e tiraria dela seu heroísmo.” Por isso, nas primeiras edições de Mulher-Maravilha Renascimento, há uma menção a um suposto relacionamento entre Diana e Kassia.
A heroína mais icônica das histórias em quadrinhos não é só bissexual, ela é também feminista, como a própria Gal Gadot afirmou: “É claro que a Mulher Maravilha é feminista. Acho que as pessoas têm uma noção equivocada sobre o que é o feminismo.”

Mas por que essas afirmações são importantes, quando para tantas pessoas tais afirmações parecem óbvias? Ou, por que “mexer com a sexualidade de heróis consagrados em vez de criar novos heróis?”

Bom, super-heróis “consagrados” já tiveram suas origens e características alteradas tantas vezes, que quase nenhum deles mantém os mesmos elementos de quando foram concebidos, até porque, alguns deles são octagenários, então seria impossível manter uma cronologia coerente, a menos que todos fossem imortais, como Diana é em grande parte das histórias.

“Clark, eu venho de uma ilha só de mulheres. Não chamamos de casamento gay. Chamamos apenas de casamento”

Porém, no caso de Diana, as afirmações sobre seu posicionamento e sexualidade apenas reforçam uma ideia lógica e coerente com a sua história, afinal, ela cresceu em uma ilha povoada apenas por mulheres. Ou seja, ao contrário do que muitos críticos do filme disseram sobre ela ter sua primeira relação sexual com Steve Trevor, é de se imaginar que uma mulher de quase 5000 anos  tenha tido relações românticas ou sexuais antes de encontrá-lo, não é mesmo? Afinal, “homens são essenciais para a procriação, mas desnecessários para o prazer!” (fala de Diana no filme).

Ainda que esses fatos não sejam óbvios para muitos leitores, é importante frisar que abordar a diversidade em narrativas mainstream, tal qual foi feito com Hikaru Sulu, em Star Trek, tem muita relevância tanto para pessoas que nunca se viram retratadas nessas narrativas, como para quem não está acostumado a imaginá-las como seres humanos dignos dos mesmos direitos que os seus, como eu já havia explicado aqui.

As manifestações humanas, sejam elas culturais ou não, sempre reforçaram estereótipos e perpetuaram valores considerados apropriados de acordo com cada época e contexto. Isso significa que seu impacto vai muito além do entretenimento, pois uma das funções das narrativas é de validar a nossa existência. Nós compreendemos a nós mesmos a partir do olhar do outro, pois o outro complementa a visão que temos de nós mesmos. Se nossas histórias não são contadas, então, é como se não existíssemos.

Nesse sentido, ainda que muitos artistas estejam de fato contando histórias diversas e inclusivas, estas não têm o mesmo alcance que as histórias que circulam nos meios de massa ou mainstream. Por isso, é extremamente importante que tais histórias existam nos universos dos super-heróis já consagrados, porque, de outra maneira, muitos de nós não teríamos acesso a essas histórias e elas são importantes para os grupos excluídos tanto quanto são para quem sempre se viu representado em todas elas, afinal, se por um lado as pessoas invisibilizadas precisam se enxergar nessas histórias, quem sempre foi representado precisa aprender a conviver com a diversidade de forma natural e uma forma de naturalizar práticas e discursos, é por meio da ficção e da arte.

Então, o que muitas produtores estão fazendo não é simplesmente mudar histórias, mas incluir elementos que sempre deveriam ter estado lá. Não só isso: vivemos em um sistema capitalista onde grupos que sempre foram invisibilizados têm voz e dinheiro para consumir produtos mainstream, sendo assim, é apenas uma lógica de mercado que as empresas tentem atrair mais consumidores.

Se os cineastas e editores de HQ estão conseguindo fazer isso, é uma outra história, mas negar o direito de pessoas existirem em narrativas apenas porque leitores homofóbicos, racistas e misóginos se negam a aceitar a diversidade, bom, não deixa de ser uma forma de ser conivente com tais atitudes criminosas. O mundo não é mais o mesmo, como eu sempre digo. As pessoas podem lutar contra isso ou aceitar, mas já sabemos que pensamentos retrógrados tendem a ser substituídos por uma mentalidade mais moderna, na medida que evoluímos.

SAIBA MAIS:
https://www.polygon.com/comics/2016/9/28/13094358/wonder-woman-gay-bisexual
http://www.fortressofsolitude.co.za/wonder-woman-gay-bi/

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

Este post tem 4 comentários

  1. Cliff Rodrigo Silva

    Bom texto! Essa abordagem da mulher maravilha faz todo o sentido histórico/social. O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo na Grécia era prática corriqueira – ao menos entre os homens. Aplicar isso a uma amazona grega é plenamente crível. Só lembrar de Safo e da ilha de Lesbos. Mas essa comunidade reacionária nerd parece q não percebe isso…

    1. Daniela

      Exatamente. Além de profundo conhecedor da mitologia grega, William Marston era psicólogo e bígamo, logo, sexualidade pra ele não era um tema tabu. A referência à Lesbos não é à toa.

      1. Cliff Rodrigo Silva

        Exatamente. A sexualidade tá no cerne da criação da personagem

  2. Gladson Pendragon

    Isso sempre foi bem óbvio para quem leu quadrinhos da Mulher Maravilha. Mas assim como eu ou você não fazemos de nossa opção sexual uma bandeira nem precisamos ficar afirmando preferências sexuais aos quatro ventos, como apenas pessoas inseguras fazem, não vejo necessidade de tratar da sexualidade da heroína em um filme de super-heróis feito para crianças, adolescentes e adultos. Para que erotizar um produto desses? Pela gritaria de um pequeno grupo organizado quando sabemos que cinema blockbuster só existe por ser Cultura de massas e enquanto tal só sobrevive com elas que não deve ser.

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