“Meu nome verdadeiro é Wanda!”

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Comecei a ler Sandman por causa de uma amiga que é apaixonada pelas histórias do Neil Gaiman. Confesso que, depois de ler alguns números, também fiquei apaixonada. Mas neste texto não quero falar da obra maravilhosa que é Sandman – talvez outra hora…  Agora quero falar de Wanda.

Wanda é uma personagem que aparece na saga Um Jogo de Você – uma das minhas preferidas – como a melhor amiga da Barbie. Ela não é diferente das melhores amigas que vemos retratadas nas histórias, e, quando eu digo que não é diferente, é por ter todos os atributos que “melhores amigas” sempre têm: companheirismo; cuidado e muito carinho. A única diferença dela para as outras é que Wanda é uma mulher transexual, que fugiu de casa por não ser aceita por sua família tradicional. Infelizmente, a história dela não é desvinculada da realidade. Muitas pessoas transexuais são expulsas de casa, ou optam por fugir, por não terem a aceitação da família sobre sua identidade.

Segundo dados divulgados pela ONG Transgender Europe, o Brasil é a nação que mais mata transexuais no mundo! No período de 2008 a 2014, cerca de 600 pessoas travestis ou transexuais foram assassinadas neste país. Esses números trazem medo para a população trans*, mas deveriam alarmar a todos nós. A violência é algo que deve ser sempre combatido e condenado, principalmente porque costuma surgir da ignorância que leva à intolerância. Muitas dessas pessoas assassinadas viviam em situação de prostituição, tendo várias delas sido vítimas de “clientes”. Mesmo assim, o número de pessoas trans* no mercado sexual só cresce. Qual o motivo para isso? Falta de aceitação da família e da sociedade, que impossibilita a pessoa de chegar ao mercado de trabalho, somadas com as necessidades básicas, que precisam ser supridas (comer, beber, vestir-se, etc.). Toda pessoa trans* em situação de prostituição teme por sua vida e a de suas companheiras e amigas. E qual a dificuldade em aceitarmos essas pessoas em nossa sociedade? Por que as deixamos viver/morrer em situações de extrema violência? Nenhuma justificativa cabe nestas questões. As respostas sempre serão insuficientes, pois não se deve negar ao ser humano os direitos básicos à vida: educação; saúde; emprego, etc. Principalmente se o motivo para negá-los é o fato de a pessoa não aceitar o gênero que lhe foi imposto em seu nascimento, com o qual não se identifica absolutamente.

Infelizmente, uma das maiores justificativas para a transfobia é a religião, especialmente a cristã. Pessoas que acreditam que o homem foi criado do barro se tornam peritas em biologia, e utilizam os argumentos “XX é mulher, XY é homem. É a ciência que diz!” apenas para justificar um preconceito altamente nocivo para uma parte da população, pois, como já deve ter ficado claro no parágrafo anterior, a transfobia mata! E muito! É claro que não há como mudar os cromossomos. Se nasceu XX, não vai virar XY. Mas no que isso importa de fato? Seria este o único fator formador daquilo que chamamos de pessoa humana? Se afirmarmos que sim, ignoraremos a autoconsciência, que é um dos elementos formadores do que somos. Se fôssemos apenas um conglomerado de células e não tivéssemos a consciência, não buscaríamos tanto a felicidade. Mas há algo em nós, um despertar, uma luz que se acende e que inicia uma intensa jornada em busca de descobrir o que somos. Quando chegamos a uma pequena resposta, queremos vivê-la intensamente. Para as pessoas cis (pessoas que se identificam com o gênero dado no nascimento), as questões filosóficas sobre identidade assumem um outro aspecto, pois elas têm aceitação e incentivo para reproduzirem os padrões criados pelas pessoas de seu gênero. Mas para as pessoas trans* essa jornada é árdua e, muitas vezes, mortal.

Voltando a Sandman, num determinado momento da história as personagens precisam fazer uma jornada para o Sonhar, utilizando os poderes da Lua. No entanto, essa aventura é permitida apenas para aquelas que possuem vagina. Wanda, desta forma, é impedida de ir. A Lua poderia ser identificada com as velhas tradições, que limitam o ser mulher ao ser humano com vagina. É a sociedade que diz pra Wanda que, apesar de se ver como e se sentir mulher, o fato de não ter o órgão sexual feminino a impede de ir por aquela estrada. Essa termina sendo a sentença de morte de Wanda. Impedida de estar com as outras mulheres, impedida de passar pelos perigos da jornada feminina em conjunto com elas, só lhe resta o teto sobre sua cabeça, que desaba no furacão causado pela Lua. Em sua morte, a condenação de ser enterrada com um nome masculino, ter seus traços desfigurados para que pareça um homem e todos os demais esforços de sua família para que seu passado de “pecados” não seja sequer mencionado. Barbie, sua amiga, nos faz lembrar, nas letras escritas com batom vermelho, que seu “nome verdadeiro é Wanda!”.

wanda

 

Fica aos leitores, a sugestão: leiam Sandman – Um Jogo de Você, e conheçam a história de Wanda e das outras personagens da saga, que também possuem histórias riquíssimas.

Bons sonhos!

Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

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