Luta pelo fim da violência contra mulher e o mundo nerd

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Dia 25 de novembro é o dia internacional de luta pelo fim da violência contra a mulher e, infelizmente, este não é um texto para comemorar ações positivas, mas para denunciar tipos de violência mais recorrentes no meio nerd.

Claro que o fato de eu poder me expressar em um veículo misto já é uma ação positiva, considerando que recentemente uma colaboradora de site geek foi “expulsa” por ter feito uma resenha de um livro cuja personagem principal possuía características que a indicavam como feminista. “Não temos espaço para politização”, como se cultura fosse algo dissociável da política.  No entanto, nem todos os homens estão dispostos a repensar sua postura como os Iluminerds estão.

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Antes de eu me aprofundar na questão da violência, gostaria de lembrar que já falamos um pouco sobre o assunto aqui no Iluminerds. Outros sites, como Judão, Quadrinheiros, Dimensão Nerd e Cabrito Nerd, também têm promovido discussão sobre o assunto, por isso, deixarei os links no fim deste texto. Espaços exclusivos em grupos fechados e secretos têm sido a opção para que mulheres possam se expressar sem serem agredidas e além dos grupos exclusivamente femininos como o Minas Nerds, do qual também faço parte, coletivos como o Fanzine XXX, Mandíbula e Lady’s Comics têm procurado aumentar a visibilidade das mulheres em nosso meio.

Porém, essa discussão precisa ir além desses espaços, afinal, o machismo é nocivo para todos nós enquanto sociedade e repensar algumas práticas é essencial para que possamos progredir coletivamente. Um exemplo bem estúpido de como ainda estamos longe do que precisamos, foi um meme em quem o Robin pergunta ao Aquaman qual era a vantagem de falar com peixes e o Aquaman responde dizendo que era pra poder falar com a “piranha” da mãe dele. Bom, esse mesmo meme foi postado na fan page do Iluminerds e nos rendeu uma excelente discussão sobre o quão infantil e problemático ele é e a imagem foi retirada. Mas, a mesma imagem apareceu em outra página voltada para HQ com mais de 30.000 integrantes recentemente.

MAS É SÓ UMA PIADA

 

Vamos lá, sem querer parecer muito “academicista”, há dois teóricos que são necessários para falar sobre como este tipo de manifestação caracteriza uma violência que não é física, mas resulta em consequências sensíveis às suas vítimas. Pierre Bourdieu explorou as questões ligadas aos aspectos simbólicos da violência, da produção cultural, do capital, em diversas obras. Para o sociólogo francês, existe uma hierarquia social na qual um grupo dominante exerceria um poder sobre um grupo “minorizado” (uso minorizado porque numericamente não somos minoria, mas socialmente sim) por meio de práticas diversas, como o discurso, por exemplo.

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“Ah, mas é só ignorar. Palavras não machucam”. Bom, também sabemos que é uma grande mentira, afinal, qualquer pessoa que tenha passado por uma discussão sabe que palavras podem ferir gravemente. É o que acredita a filosofa Judith Butler ao afirmar que discursos são também performances de poder que visam garantir a manutenção de uma determinada cultura. Isso se dá por meio da repetição de palavras, gestos e ações, pois uma palavra sozinha não é ofensiva, mas ao ser proferida em determinado contexto, ela possui um histórico de violência e é usada para colocar o receptor de determinada mensagem em posição inferior. Isso só é possível justamente porque essas performances são legitimadas por um determinado grupo há séculos, causando danos significativos às vítimas desses discursos, portanto, “não é só uma piada” e não podemos ignorar.

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Ao manifestar determinada opinião que é entendida como ofensiva por aqueles a quem ela é dirigida, você não está apenas exteriorizando seu pensamento por meio da garantia da liberdade de expressão. Você está na verdade realizando uma performance de poder no intuito de garantir que seu status não mude, pois acredita que isso significaria a perda de certos privilégios, como se o direito de ofender fosse um deles. Isso é a expressão máxima do egoísmo e egocentrismo, porque demonstra que é incapaz de se colocar no lugar do outro e procurar entender porque o ofendeu.

Sobre liberdade de expressão, o tema é muito extenso, mas o conceito não contempla discurso de ódio, homofobia, racismo, apologia à violência ou incitação da mesma. O conceito, concebido há mais de 5 séculos visa principalmente garantir nosso direito à informação e à expressão de nossas ideias no intuito de não termos certos direitos cerceados pelo Estado. Quando você usa de características como gênero, cor, etnia, orientação sexual para diminuir alguém, isso não tem nada a ver com liberdade de expressão e há punição prevista em lei, já que se trata de crime. Você pode ter a opinião que quiser, porém ao expressá-la de forma pública estará sujeito à sanções e punições previstas em convenções internacionais como a Declaração dos Direitos Humanos. Saiba mais aqui.

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O que quero dizer é que o tipo de violência ao qual somos submetidas virtualmente, nos agride e causa danos à nossa autoestima, o que prejudica nosso desenvolvimento como seres independentes e autônomos. Não só isso, devido à violência que sofremos de forma recorrente, muitas acabam tendo que cancelar suas contas nas redes sociais, comprometendo também sua vida profissional. Esses danos podem ser notados na forma como muitas de nós estamos sempre nos desculpando por estar em determinados espaços, afinal, passamos a vida toda ouvindo que não deveríamos estar ali. Outras mulheres desenvolvem depressão. Eu voltei a ter crises de pânico decorrente da violência e do assédio por parte de pessoas que nem esperava.

Além do assédio à Petra Leão, outras mulheres deletaram suas contas após terem sofrido com a violência nas redes, como Leslie Jones, de As Caça-Fantasmas e Chelsea Cain, roteirista da Hapia (Marvel). Luiza Brunet e Amber Heard foram agredidas por seus companheiros famosos e milionários, o que nos faz pensar o que não acontece com as simples “mortais”. E a desmedida reação do público em relação aos dois casos, inclusive se pensarmos no que ocorreu com a Winona Rider também, deixa bem claro o tipo de tratamento que é destinado a quem expõe seus agressores: Amber e Luiza Brunet foram desacreditadas, Winona Rider passou anos se ser chamada para atuar depois de ter sido flagrada roubando em uma loja, mas Johnny Deep ganha papel de destaque em franquia de cinema.

Os exemplos de assédio e violência no universo da cultura pop certamente dariam um livro, mas o objetivo aqui é chamar a atenção para o fato de que se os homens não começarem a falar a respeito, se não repreenderem essas atitudes porque não querem perder o amigo, dificilmente teremos outra opção a não ser nos isolarmos cada vez mais em grupos exclusivos. Quando nos munimos de dados e estatísticas, facilmente encontrados em portais femininos e em portais como o da Secretaria de Segurança Pública e da ONU, na tentativa de explicar esses problemas, somos constantemente contrariadas com expressões como “Não concordo” (contra fatos não há argumentos!), “na minha cidade não é assim”, “onde trabalho não é assim”, “aposto que não sofrem 10% do que dizem”, “vocês têm que aprender a se defender” (não os homens que devem parar de nos estuprar), “você está sendo influenciada pelo seu feed de notícias e pelo seu meio” (como se não fossem notícias verdadeiras”, “Mulher tem que se dar ao respeito”, “não existem disparidades salariais de gênero” (oi???) e “Mulheres possuem os mesmos privilégios que os homens garantidos por lei”. Este tipo de atitude não costuma ajudar muito, portanto, o que precisamos é que quando você presenciar algum amigo agindo de forma inapropriada ou quando sentir aquele impulso de ofender uma mulher, pense na campanha da ONU e diga a ele ou a si mesmo: #podeparar!

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Para saber mais:

Minas Nerds

Como as mulheres estão mudando o mercado dos quadrinhos

Luta contra ataques de ácido em HQ

Judão

A importância da representatividade

Quadrinheiros

Galileu

Assédio no meio dos games

Collant sem Decote

Violência virtual no meio nerd

Lady’s Comics

Violência de gênero nas HQs Latinas

Porra Fabi

Assédio nos Quadrinhos

 

 

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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