Liga da Justiça: Uma visão entre infinitas outras

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A DC deu à luz o primeiro universo de super-heróis do mundo. Tudo começou com um certo kriptoniano criado por dois jovens pobres e sonhadores: Jerry Siegel e Joe Shuster apresentaram o Superman em 1938, na primeira edição da revista Action Comics (que atingirá, no ano que vem, a fabulosa numeração 1 seguida de três zeros). Depois disso, vieram Batman, Mulher-Maravilha e muitos outros. É natural a comoção causada pela adaptação para a tela grande de personagens tão famosos que se tornaram verdadeiramente arquetípicos.

A longevidade deles exige e sempre exigirá sua reapresentação para novos tempos e novos públicos. O Superman encontrado nos quadrinhos hoje é muito diferente do criado no fim dos anos 1930. Embora o personagem seja, a rigor, o mesmo, diversos roteiristas desenvolveram sua história ao longo das décadas, não apenas nos quadrinhos, mas no rádio, cinema e TV.

Parte das idéias introduzidas para o personagem e seu universo foram abandonadas, como a capacidade de viajar no tempo. Outras, como o núcleo do Planeta Diário, foram abraçadas, durando até hoje. Ainda assim, é possível que fãs de 20, 40 e 60 anos tenham em sua memória e corações personagens muito diferentes.

A versão do Superman apresentada em Homem de Aço e Batman V Superman bebe de muitas fontes, especialmente da fase “balzaquiana” dos quadrinhos dos anos 1990 e da fase de Os Novos 52, que (entre 2011 e 2015) trouxe um Homem de Aço mais impetuoso, inspirado diretamente no surgimento do personagem, em 1938.

O Superman de Zack Snyder, se podemos resumir assim, surgiu como um herói questionando demasiadamente seu lugar no mundo para alguém costumeiramente retratado como confiante e indubitavelmente devotado a ajudar pessoas. E mais melancólico e inseguro do que a maioria dos fãs poderia esperar (ou suportar).

O que nos leva ao filme da Liga da Justiça. A correção de rumo que a DC Films vem buscando para seu universo cinematográfico, a fim de, segundo as palavras do diretor criativo (e responsável por grandes momentos dos quadrinhos DC na última década) Geoff Johns, torná-lo mais “otimista e esperançoso”, finalmente aparece de forma clara numa produção que dá continuidade aos eventos iniciados em Homem de Aço (Mulher-Maravilha tem o mesmo espírito, mas se passa na Primeira Guerra).

Até agora assisti apenas uma vez, e a empolgação de ver tantos ícones surgindo na tela não me permitiu identificar, pelas cenas, se o maior responsável por isso seria Snyder ou Whedon. O que importa é que, embora haja defeitos e visível falta de confiança no produto que tinham em mãos (assim como em Esquadrão Suicida, guardadas as devidas proporções), a DC Films entregou um filme divertido e, principalmente, promissor.

E isso pelo fato de abrir ainda mais possibilidades que as quimeras contidas em Batman V Superman, que nos fez delirar no sonho do morcegão com um futuro distópico dominado pelo Superman e por Apokolips, que trouxe a possibilidade de serem exploradas na tela grande tanto o conceito de multiverso quanto os Elseworlds (também conhecido por aqui como Túnel do Tempo). Os conceitos introduzidos por Liga da Justiça prometem muito mais.

Além das Amazonas de Themyscira e dos deuses do Olimpo, temos agora o povo de Atlântida – a ser explorado no filme solo do Aquaman, que estreia no próximo ano – e os Novos Deuses, criação cósmica de Jack Kirby. E a promessa de uma Legião do Mal ou Liga da Injustiça, formada por supervilões para combater os heróis. E por fim, mas não menos importante, LanternaS VerdeS. Sim, o longa põe na tela a Tropa dos Lanternas Verdes, confirmando o interesse da DC em levar às telas essa família de personagens de grande potencial.

Mas a Liga da Justiça não se limita a promessas. Ele mostra novos e incríveis personagens. Melhor: Desenvolve-os com galhardia e respeito. Ainda que lastimemos a ausência de cenas de origem que apareceram nos trailers, o essencial de Cyborg surge na tela. Tanto a amargura de sua condição quanto o ímpeto de torná-la útil. O Aquaman de Jason Momoa não tem o visual clássico do Rei dos Mares, retomado com sucesso nos quadrinhos em 2011 (na fase Os Novos 52), mas é igualmente um rebelde ferido pelo abandono, e dividido entre dois mundos (leia-se etnias). O Flash recebeu a personalidade espirituosa consagrada em animações da DC, e, ainda que atendendo pelo nome Barry Allen sob a máscara, possui elementos de outros velocistas dos quadrinhos, como a fome voraz de Wally West (o terceiro Flash) e uma certa agitação que chega a lembrar Bart Allen, quando surgiu como Impulso.

Batman e Mulher-Maravilha evoluem em relação à aparição anterior em Batman V Superman. Ela está mais segura e madura. Ele, mais sociável (uma vantagem quando se está montando um grupo) e mais otimista, resultado da compreensão de quem verdadeiramente era Superman.

Ainda que não hajam em Liga da Justiça cenas visualmente tão impactantes quanto nos filmes anteriores da DC, há diversas cenas marcantes, na qual é possível vislumbrarmos a alma da editora. Como o momento em que Bruce Wayne revela a Diana que precisa reviver Superman porque o mundo precisa do kriptoniano, que é mais humano que ele.

Ou a cena em que Aquaman, que inicialmente declina do convite para integrar a Liga, reaparece e faz um esforço hercúleo para segurar as águas que invadem uma galeria subterrânea em Gotham, ajudando a salvar outros heróis do afogamento. Ou a cena em que Diana salva um grupo de crianças num museu, rebatendo, em supervelocidade, as balas disparadas contra eles. Ou a cena em que Flash conhece a Batcaverna, e nos sentimos tão bobos e esfuziantes quanto ele, vendo todos aqueles “brinquedos”, e a bordo do Batmóvel. Ou a cena em que Superman enfrenta toda a Liga da Justiça, demonstrando sua superioridade de forma inegável. E quando a Mulher-Maravilha rivaliza com ele de igual para igual (até que ele apela a sua superioridade). E principalmente quando ele acompanha a abordagem do Flash em supervelocidade, respondendo na mesma moeda. A cena é de congelar a espinha.

Ou ainda quando o maior dos super-heróis se junta à Liga, durante a batalha final contra o funcional Lobo da Estepe. A mudança em Kal-El é sutil, mas excelente. Ele se torna mais leve, mais luminoso. Seu traje está mais claro, e ele parece se sentir muito bem na companhia de outros como ele, como se encontrasse uma família.

E sorri. Até mesmo ri. É alguém que inspira o que há de melhor em cada um. Alguém que faz diferença. É o Superman que muitos de nós esperávamos.

Dados os trailers, Liga da Justiça poderia ser algo diferente, e isso acaba quebrando expectativas. Várias cenas que citei poderiam ser (e provavelmente eram) mais extensas, o que faria com que algumas delas não parecessem corridas, tornando-se ainda mais emocionantes, dando mais espaço para os personagens envolvidos nelas.

Tirando isso, o filme oferece mais do que muitos esperavam. Isto é, diversão, referências, citações e homenagens aos quadrinhos, humor, ação e principalmente potencial para desenvolvimento desse universo. Tivemos até duas cenas pós-créditos desta vez!

Fica a torcida para que a DC possa acreditar mais em sua visão para o universo que está desenvolvendo e para que o planejamento seja responsável e inteligente, e tão blindado quanto possível de pressões internas, externas e contra… executivos em geral.

Que venha Aquaman! (E todos os outros!)

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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