Laura Moon e a representação das mulheres que morrem para se tornarem esposas perfeitas

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Laura Moon é uma personagem criada por Neil Gaiman, no livro American Gods, que recentemente ganhou uma adaptação para a TV. Laura é a esposa morta do protagonista, Shadow, que, através de magia, se torna uma zumbi sempre pronta a salvar o marido. Quando li a obra, confesso que Laura era a personagem que eu menos gostava, e o receio de como ela seria retratava na série era altíssimo, mas, para minha surpresa, o desenvolvimento dela na TV está sendo muito melhor que no livro. Sabemos que livros não tem o mesmo alcance das mídias televisivas, assistir um seriado com capítulos semanais de uma hora é mais cômodo que parar horas, e até dias, lendo um livro. Então, quando uma obra é adaptada para o cinema ou TV, alcança muito mais público e abre mais espaço para discussões.

Na série, a história da personagem é desenvolvida no episódio 04. Laura é apresentada como uma mulher sem expectativas, sem amor à nada, livre de crenças, com uma visão crua e real sobre o mundo. Provavelmente sofre de algum distúrbio psicológico, já que tenta suicidar-se, mas leva uma vida comum e até mesmo tediosa. Ela conhece Shadow, um péssimo vigarista que tenta lhe aplicar um golpe no cassino onde trabalha, e o impede de ser preso, avisando-o sobre as medidas preventivas que o cassino tem contra golpistas. Eles acabam se relacionando sexualmente, ela o leva para sua casa, e é mais uma prova de que ela é totalmente desapegada da vida, para se expor ao perigo de levar um ladrão para seu lar. No entanto, Shadow acaba se ligando muito a ela, e eles acabam num relacionamento que vira um casamento muito feliz… para ele.

American Gods Season 1 2017

Um dos pontos fortes da adaptação é criar um cenário onde Laura é retratada de verdade, nós temos acesso à sua visão do mundo, e uma certa justificativa de suas ações, mesmo que a própria Laura não se preocupe em justifica-las, e às vezes fica a impressão de que ela nem mesmo sente remorso. Vivendo infeliz no seu casamento, ela percebe que talvez um pouco de adrenalina possa animá-la, e assim, planeja com Shadow um golpe ao cassino onde trabalha. Mas, péssimo ladrão que é, ele acaba sendo apanhado, e pra que ela não seja presa também, ele assume toda a culpa pelo incidente. Laura fica sozinha, e acaba tendo um caso com Robbie, melhor amigo de Shadow, e marido de sua melhor amiga Audrey. Alguns dias antes da saída de Shadow da prisão, Robbie e Laura estão na estrada, e decidem ter uma “despedida”, e acabam sofrendo um acidente de trânsito que os mata. No entanto, através de magia, mesmo estando morta, ela continua existindo.

A princípio, ela não entende como, mas sabe que Shadow é o motivo pelo qual continua andando sobre a terra, e a partir daí ela só o vê, ele é seu raio de sol, e ela se torna a dead wife (esposa morta) sempre atrás do marido, sempre salvando-o, cuidando dele. Ela perde o interesse em outras coisas, e se antes tinha desejos suicidas, agora quer até mesmo voltar a estar viva apenas para ficar com ele. Na morte, ela se torna “a esposa ideal”, abdicando de si mesma e de suas características em prol do marido.

Para muitas mulheres cis-hétero, o casamento é uma imposição social. Muitas gostariam de levar uma vida celibatária*, investindo em outras coisas que não envolvam um marido e/ou filhos. Entretanto, as pressões da sociedade acabam levando-as a casamentos convenientes, onde não há amor ou satisfação. Várias também não se sentem felizes em relacionamentos monogâmicos, por não se sentirem sexualmente satisfeitas com seus parceiros que, comumente, são insensíveis às suas necessidades e desejos. Essa realidade é algo que poucas costumam admitir, e é claro que existem tantas mulheres por aí que realmente sonham com uma família tradicional, e essas que desejam acabam se tornando o modelo a ser seguido, o padrão pelo qual as que almejam outras coisas serão julgadas.

 

É claro que os homens também estão sujeitos às mesmas sensações. A crise sexual é um grave mal que afeta a sociedade em geral, mas para as mulheres costuma ser bem pior, pois o homem é sempre incentivado a abandonar um lar no qual não é feliz. “Se ele não tiver em casa, vai procurar na rua”, “se tá ruim com ele, sem ele vai ser pior”, “casamento é assim mesmo, releve as grosserias dele”, esses e tantos outros conselhos aos quais as mulheres casadas são constantemente submetidas vão, dia após dia, matando-as. E não falo de uma morte literal, não estou colocando aqui as questões de feminicídio e violência doméstica física. Todo o sistema do mundo tenta forçar as mulheres à ideia de que um casamento sem felicidade e plenitude é absolutamente normal.

Isso começa desde os preparativos, com os bonequinhos do bolo retratando o homem tentando fugir e a mulher obrigando-o a ficar, como se aquele casamento fosse apenas desejo dela, e se assim o é, ela precisa fazer de tudo para mantê-lo, livrando completamente o homem de sua responsabilidade na relação. “A mulher sábia edifica sua casa”, “a mulher é o alicerce”, “se o casamento acabou, a culpa é da mulher que não soube cuidar de seu lar”, “se ele procurou outra na rua, é porque ela não o supria adequadamente”, “se ela procurou outro na rua, é porque é uma vadia”, homens não ouvem esse tipo de coisa, não são responsáveis pela relação, não recebem uma carga de imposição social que as mulheres recebem para manter algo que muitas vezes elas nem queriam.

Aliás, Laura Moon é constantemente lembrada de como é uma vadia adúltera, que morreu transando com o melhor amigo de Shadow. Mas ninguém lembra de Robbie, que é tão culpado pela traição quanto Laura, ele nunca é responsabilizado.

Algumas mulheres nunca conseguem, se divorciam e assumem o celibato; outras, para conseguirem manter o casamento, passam pelo “evento-morte”, tornam-se dead wifes depois algum grande trauma que as faz aceitar que o homem e o lar é tudo de que precisam, e aí abdicam de suas necessidades, instintos e desejos. Esse trauma pode ser uma doença (dos filhos ou do marido), um acidente, um adultério com consequências ruins, enfim, qualquer evento que mate a necessidade de realização, finalmente incutindo em suas mentes a ideia de esposas perfeitas.

* O conceito de mulher celibatária é o de Alexandra Kollontai, da mulher que busca a sua individualidade, não querendo mais apenas doar-se. A mulher que se dedica à sua carreira ou a outras coisas que lhe sejam importantes.

American Gods é exibida no Brasil pela Amazon Prime Videos (e nos sites alternativos). Vamos continuar acompanhando Laura Moon, e seu desenrolar na série.

Hypolita Prince

"Nerd" por acaso, e ainda não satisfeita com a denominação. Escrevo sobre feminismo, e outros assuntos que me interessem. Não os desenvolvo tanto quanto gostaria, mas é por preguiça de organizar as ideias nos textos.

Este post tem 3 comentários

  1. Elias

    Laura Moon é a personagem mais chocante que vi numa série apesar de ser favorável ao ponto de vista do artigo, acho que ela (a personagem) podia ter feito escolhas diferentes o que mudaria toda sua história, com certeza ela é a única personagem que mais me chamou a atenção pelo estereótipo formado quero ver o desfecho dela, tenho quase certeza que ela não vai acabar com o Shadow… Belo artigo!!!

  2. Weslley

    Ela é uma Deusa Nordica
    Hela podia ser facilmente reconhecida, uma metade de seu corpo era de uma linda mulher, a outra parte de um corpo terrível em decomposição.

    Não porra de uma Feminista maluca como quem escreveu isso..

    1. VANESSA

      Cara tem razão, aplaudo de pé seu comentário. Laura com certeza está mais para uma representação de uma deusa na série do que uma feminista representando bosta nenhuma.

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