Inclusão e a importância de ter um autor que entenda os dilemas de seus personagens

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Inclusão e empoderamento estão na moda. O problema das modas são os oportunistas que as utilizam para se promover.  Gente que não entende o que é estar na pele dos outros, mas quer parecer legal ou fazer dinheiro com este hype.

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Estamos em 2016 e o mundo é gay, latino, negro e feminino. Além das fritas para acompanhar, o cardápio vem com novos personagens que usam marcas conhecidas de editoras estabelecidas (ou não). Tanto Homem de Ferro quanto Homem-Aranha foram substituídos por duplas minorias. O Aranha Ultimate é negro e latino; Iron Heart, a enfant terrible que construiu sua própria armadura, é uma mulher negra. Os dois personagens foram criados por Brian Bendis, roteirista que sabe escrever histórias humanas e inclusivas. Quando James Robinson fez o Lanterna Verde (Alan Scott) sair do armário, criou uma piada involuntária com um personagem cujo ponto fraco sempre foi a madeira.

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A verdade é que estou citando dois autores que conseguiram criar boas histórias que independem das opções sexuais, status sociocultural ou da etnia dos personagens. O mesmo vale para a Batgirl, de Cameron Stewart, que não só transformou a revista da personagem num livro da Thalita Rebouças como aproveitou toda essa estética chicklit para criar histórias bem mais inclusivas. Ele criou personagens coadjuvantes e casamentos gays, além de uma vilã crossdresser. E olha que só citei os exemplos que deram certo.  Se citasse os que deram errado, esse texto nunca terminaria.

Já parou pra pensar que o que dá certo é contar, mas não mostrar muito? A coisa está lá, interfere na história, mas a personagem continua fazendo sua jornada heroica. Mas a exceção também funciona bem. Luke Cage e Pantera Negra são bons exemplos disso. Suas melhores fases foram etnicamente corretas e envolveram tanto questionamentos sobre a vida num gueto americano como a apresentação uma Shamballah africana onde os moradores vivem entre as tradições selváticas e uma versão afro da Metropolis, de Fritz Lang.

O que torna esses títulos interessantes? Eles são escritos pelo público alvo. Criadores que entendem o dilema desses personagens e sabem como torná-los humanos num universo de caricaturas. Eles acabam escrevendo personagens fortes, não apenas genéricos inclusivos que só existem em função da diversidade. O problema do meio é que avançamos e regredimos na mesma intensidade. Quando parecemos ter deixado pra trás a época em que as editoras tinham programas de inclusão obrigatórios e criavam personagens que pareciam caricaturas das minorias que queriam representar. Vemos, então, uma explosão de autores que criam personagens cuja premissa é ser a minoria.

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Quer um exemplo? Aqui no Brasil temos o Velox, o suposto “primeiro Super-Herói nacional gay” (o primeiro foi o Supergay, de Watson Portela).  Ok, vamos combinar que o fato de ele ser um ginasta já é bem homoerótico, afinal, um dos nossos medalhistas da categoria vive num armário invisível. Sempre lembrando que sua imagem “poderosa” remete aos machos alfa daqueles livros femininos dos anos 1980 como Júlia, Sabrina e Bianca. Ok, ele não é necessariamente um macho alfa. Mas… E daí? O que foi feito para que o leitor de inclusão se identifique não só com este como com a maioria dos personagens criados apenas para surfar as modas? Ok, ele é Gay. E… Negro, amarelo, mulher, Gari… E daí?

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Nos EUA, houve vários anúncios de queda nas vendas devido às diversidades.  No desespero de captar novos públicos, os editores se esqueceram de criar novos personagens e inseriram tais características em suas franquias mais clássicas. O problema é que os leitores antigos chiaram e os que eles queriam atingir acabaram não vindo em grande quantidade. Eles não precisavam ver a inclusão, eles já eram a inclusão. Era o dia a dia deles e jamais consumiriam algo que os tratasse como estereótipo ou com escárnio. Quais títulos que deram certo? Aqueles em que os autores sabiam para quem estavam falando.

Moral da história: Não basta ser politicamente correto, tem que conversar com o público alvo. E este é um caminho que estamos começando a seguir. Felizmente, autores competentes se juntaram a nós e estão fazendo um trabalho melhor do que o dos aproveitadores que só aparecem para fazer fama com os novos temas.

The Sumpa

The Sumpa é um dos muitos disfarces de Alexandre D'Asssumpção. Roteirista, redator e professor de roteiro, The Sumpa é uma lenda urbana, um sujeito que muitos dizem já ter avistado, mas nenhum dos relatos parece falar da mesma pessoa.

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