No segundo dia da SIQ 2016, sem dúvida o destaque foi o debate mediado por Ricardo Labuto Gondim, entre os quadrinhistas Pacha Urbano e Renato Lima, cujos trabalhos são bastante difundidos nas redes sociais.
Quando cheguei (sim, atrasado), Pacha Urbano, criador das tiras do Filho do Freud, dizia que o interessante no Yellow Kid era o fato daqueles quadrinhos darem voz aos que vinham do gueto, concluindo que as histórias em quadrinhos são o gueto da arte.
Renato Lima, da célebre e extinta revista Mosh, e autor do Pocketcomics, afirmou que estava pensando nessa questão, que remete às origens dos quadrinhos, e que essa questão da crônica de costumes não acabou, migrou para a internet.
O mediador Ricardo Gondim esclareceu que o IMT revogou o conceito de mídia. Para eles, ela agora é definida apenas pelo fato de ter ou não tela. Após elaborar, perguntou à mesa como eles veem isso, e as tiras, e a mídia.
Renato respondeu que ao entrar no Facebook, em 2013, curtiu os memes, descobrindo que já estavam sendo até mesmo objeto de estudos, e a partir daí quis fazer hqs como memes, para serem compartilhados, em formato quadrado, etc. E que, mesmo instintivamente, usou a hq sem separação de quadros, o que, segundo apontou Ricardo Gondim, deixa a leitura fluída.
Refletindo sobre a visibilidade na internet, em que todos passam de consumidores a produtores, e citando pessoas que postam 50 selfies diárias e outras que postam fotos de refeições, o mediador perguntou a Pacha e Renato como eles fazem para se destacar. Qual o segredo?
Renato contou que começou nos anos 90, na revista de RPG Dragão Dourado, e depois fez a Mosh, cuja tiragem, de 3 mil exemplares, permitia imaginar que cada edição era lida por umas 9 mil pessoas. E que hoje, com uma única postagem na internet, ele consegue esse número. A diferença é que não há filtro, essa postagem pode ter um retorno negativo imenso, via comentários. Lembrando ainda de uma lição que Pacha lhe ensinou: “Quem ama, bloqueia”.
Pacha argumentou que via como clichê a utilização dos conceitos da psicanálise nas hqs, e resolveu usar isso, mas de outras maneiras. Para ele, não há segredo, apenas arriscou, e deu certo.
Ricardo informou ter sido crítico de cinema e música clássica, e que na internet a crítica costuma ser irresponsável, e perguntou à mesa como lidar com isso.
Renato lembrou que, no período em que justiceiros estavam amarrando suspeitos de roubos em postes, desenhou uma tira a respeito, mas não a publicou. E foi para um show. Na volta, seu grupo foi assaltado. Refletiu a respeito, e publicou a tira. Descobriu depois que sua história teve o final alterado por um artista famoso, mudado para um discurso de ódio, e republicado em sites militares. E então telefonou ao mesmo, pedindo que tirasse do ar.
Já Pacha respondeu que sempre lhe apontam erros ortográficos. Na verdade, ninguém o critica, ou o procura para falar das referências psicanalíticas, sobre quadrinhos, etc. Disse que propositalmente faz algumas distorções nas tiras, e anacronismos, e sente falta de comentarem a respeito.
Ricardo tratou do que chamou de ‘ditadura do politicamente correto’, afirmando que é algo necessário para garantir a diversidade, e que é inegável a tendência para o totalitarismo do politicamente correto, que acabaria ferindo, às vezes, o conceito de alteridade. E finaliza que o artista não é livre, a arte, sim. “Como publicar assim” – perguntou.
Renato acrescentou que a plataforma (Facebook) também não é livre, e uma vez advertiram-lhe que o nu em suas tiras o tirariam do ar. Mas não tirou o nu, por não ser nada demais, e não o tiraram do ar. Pior é postar um quadrinho que fala de tolerância e ter comentários de ódio abaixo dele. “Parece que atrai” – completou.
Pacha não vê essa tal ditadura, mas não faz piada contra minorias, “contra quem já apanha de todos“, e nem se sente um grande humorista, crendo que suas hqs não arrancam gargalhadas, e que é muito difícil fazer humor.
Falando de permanência e efemeridade, Renato disse que seu maior medo é de fazer algo que não permaneça, e que tem gente que compartilha conteúdos seus de 1 ano atrás, e isso faz com que uma outra pessoa conheça sua página e acabe lendo mais coisas. E que por isso tem muita vontade de reunir as tiras em um livro. Completando o assunto, o quadrinhista Osmarco Magalhães, da plateia, afirmou que, ao ler todo o material da Pocketcomics, é possível ver uma unidade naquilo.
Falando da experiência de ter livros lançados, Pacha fala que somos criaturas do século passado, estamos presos à ideia do objeto, mas que não faz suas tiras pensando no livro. Quando pega a boneca de seu livro, vê aquilo como algo distinto, “é como fazer um jantar“, preparando algo para outro apreciar.
No fim, veio da plateia uma pergunta à Renato Lima, sobre sua produção, afirmando que meninas não costumam acreditar que ele, um homem, cria as hqs do Pocketcomics, e que às vezes, algumas deixam até mesmo de acompanhar ao descobrirem.
Renato revelou que é comum acharem isso, e que a maior recompensa é essa ligação, pois ele tenta se aproximar desse universo feminino, como os autores que curte, Neil Gaiman, Jaime Hernandez…