Iluminamos: The Newsroom (HBO) – O verdadeiro realismo fantástico

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Em tempos de “Globo Mente”, manifestantes depredando equipamento de emissoras de TV e Mídia Ninja, é possível ver como um certo sentimento de descrença vem tomando conta especialmente (ou unicamente) dos jovens quanto à produção jornalística do país. De fato, se fossemos eleger um Top 10 Vilões da História do Brasil, as Organizações Globo provavelmente estariam entre os cinco piores, lado a lado com José Sarney, acima de Antônio Carlos Magalhães e, talvez, entre Castello Branco, Costa e Silva e a Igreja Católica (sua conivência e apoio à escravidão negra – todo mundo lembra de “os negros não têm alma” – e demais atrocidades cometidas desde o Descobrimento).

Algumas ressalvas, contudo, precisam ser feitas. Como jornalista e pesquisador do campo, não acredito que a Globo ou qualquer outra empresa de comunicação seja diretamente responsável por todos os males que assolam o país e nem acredito que ela manipule ou faça lavagem cerebral na mente de seus espectadores. Sei que é difícil para algumas pessoas acreditarem e soa como uma crítica culta culpar os meios de comunicação e produtos culturais por sua natureza tendenciosa, mas tal qual se sucedeu com o Mefistófeles de Fausto, somos nós que, no fim das contas, aceitamos o lixo disfarçado de maravilha que nos é empurrado garganta abaixo (isso sem entrar no mérito da crítica e se há realmente um problema em “comer lixo” de vez em quando ou ainda se você que é lixo).

Não digo isso por corporativismo ou para eximir “de culpa” essas instituições. Afinal apesar da qualidade técnica invejável de seus produtos jornalísticos e dramatúrgicos (entre os melhores do mundo, sem dúvida), não há como negar a existência de uma agenda politico-ideológica e, sobretudo, comercial (é sempre o dinheiro, não se enganem) que rege a maneira como essas empresas são geridas. Ainda assim, reitero, sempre podemos mudar de canal, desligar a TV, ler um livro, pesquisar outras fontes, como diria o Capitão Planeta, “o poder é de vocês”.

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Os “parsas” do Black Bloc

Os profissionais que trabalham nessas corporações de certa forma também são reféns dessas políticas, há diferentes níveis de hierarquia, obviamente, e o espaço para autonomia já é limitado pela própria engrenagem que é a produção comercial/industrial de conteúdo. Há cadeias de comando, diferentes departamentos que se afetam mutuamente, contratos assinados com terceiros (patrocinadores, fornecedores), empregos que dependem de você, entre outros. Enfim, tudo isso precisa ser considerado antes de chamar alguém de vendido, conivente, pelego (expressão tão anos 1970) etc. Nem todos são Matt Groening, criador dos Simpsons, que pode falar mal de seu empregador, a News Corp de Rupert Murdoch (o equivalente da Globo de Marinho nos EUA), tendo seu programa veiculado pela principal emissora da própria organização, a Fox (sendo essa uma das poucas contrapartidas de se operar dentro do sistema, enquanto você lhes dá dinheiro, eles têm que te engolir).

É justamente pensando em todo esse contexto que Newsroom, seriado da HBO da chamada midseason norte-americana, sobre a equipe de um telejornal das 22h (o horário nobre do jornalismo nos EUA) numa das maiores emissoras do país, a fictícia Atlantis Cable News (ACN), se torna um programa tão relevante para os dias de hoje e para a nova geração descrente do jornalismo das grandes corporações.

Mais irreal do que Saramandaia, com seus lobisomens e mulheres que explodem, é pensar uma redação (newsroom) com poderes para pensar e veicular matérias e reportagens com total liberdade editorial, sem se preocupar com a agenda política e interesses comerciais de seu empregador. No entanto, essa é a premissa de Newsroom e do programa fictício News Night em que os personagens trabalham.

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O elenco principal da série

Infelizmente, nossas considerações não valem apenas para os exemplos mais evidentes, como Globo, Veja, Fox, o jornal do político X ou Y, ou ainda os veículos estatais de comunicação, no nosso caso, a EBC. Mesmo na redação mais bem intencionada e correta simplesmente não se corta na própria carne, não se cospe no prato em que se come. Essa é uma lei muito severa e que quebra um pouco da “magia” e do fascínio que o jornalismo exerce, mas, ao mesmo tempo, não é o mesmo que dizer que nada mais presta, que a imprensa mente e que só aquele blogueiro independente, gordo e solitário que já é rico ou, pelo contrário, não tem onde cair morto nem família pra sustentar, pode ser imparcial.

A verdade é que não existe verdade e que a imparcialidade é um objetivo para se ter em mente, mas uma impossibilidade ontológica quando considerada fora de uma proposição filosófica. Essa é a primeira lição que se aprende na escola de jornalismo, o problema é que, convenientemente, não dizemos isso aos leitores/espectadores.

E, acreditem se quiserem, essa é uma das primeiras “lições” de Newsroom, eles assumem isso logo de cara e a partir daí podem se concentrar em fazer o melhor jornalismo possível nessas condições. E o resultado é melhor do que qualquer cobertura já feita das notícias. Por quê? E essa é a nota triste, justamente por ser ficção. Cabe ressaltar ainda que são reportados casos reais da política norte-americana, a morte de Osama Bin Laden, o movimento Occupy Wall Street, as eleições presidenciais do ano passado, o ataque à embaixada americana em Benghazi, na Líbia, entre outros.

Criada pelo multipremiado roteirista Aaron Sorkin (Questão de Honra, The West Wing, A Rede Social), a série não poderia se tratar apenas da vida profissional de seus personagens. Seguindo uma marca do escritor, Newsroom possui uma forte veia política mesclada, claro, a doses cavalares de drama humano (as pressões da profissão, os relacionamentos pessoais, os conflitos de personalidade e ideologias, os romances etc.). O tipo de trama que só funciona com atuações dignas do roteiro, mas, nesse quesito, a série também é bastante feliz. O elenco é encabeçado por Jeff Daniels (o eterno Harry Dunne, o “Débi” na dublagem brasileira, de Débi e Lóide), minha querida Emily Mortimer, Alison Pill (a baterista Kim de Scott Pilgrim), Sam Waterston (o lendário advogado Jack McCoy de Law & Order) e a deliciosa Olivia Munn (que é ou foi “musa nerd” por um tempo, nem sabia), entre outros, de fama do cinema alternativo ou de teatro estadunidense.

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Criador e criatura: Sorkin (na máquina de escrever) e o elenco do programa numa foto promocional pro THR

Atualmente, o seriado se encaminha para o final de sua segunda temporada. Cada uma possui dez episódios e, além das pequenas tramas os compõe, a notícia do dia, por assim dizer, há também um enredo maior que se desenvolve ao longo da temporada. Na primeira, era justamente as consequências da adoção desse modelo editorial “doa a quem doer”, e a relações da equipe do telejornal com os patrões, especificamente, Leona e Reese Lansing, mãe e filho, interpretados por Jane Fonda e Chris Messina.

Em 2013, Sorkin resolveu criar uma missão secreta fictícia, Genoa, realizada por militares americanos onde pode, ou não, ter havido crimes de guerra da parte dos EUA. Toda a trama dos bastidores dessa notícia, que demora um ano, na cronologia da série, para ser veiculada tem um desfecho muito interessante cheio de suspense que ocorreu no episódio de semana passada, o sétimo (o seriado é exibido por lá aos domingos e aqui o mesmo episódio sai já na segunda-feira).

Toda semana, por esses e outros motivos, espero ansiosamente para mergulhar no mundo de Newsroom, minha dose regular de esperança e fé na humanidade e na minha profissão…rs Já me sinto até órfão do programa que possui apenas mais três capítulos até voltar só no ano que vem.

Aqui vai um aperitivo da primeira temporada, com um dos momentos mais interessantes da história da dramaturgia estadunidense.

http://www.youtube.com/watch?v=Ex6iS6HUjRE

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem um comentário

  1. $9217641

    A série tem o defeito, que não é culpa dela, de ser muito hermética se você não é americano.

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