Vale a pena Iluminar de novo: Superman – As Quatro Estações

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Sempre respeitei mais o Superman pela sua posição icônica dentro do panteão dos super-heróis das HQs do que pelas histórias escritas sobre ele até hoje.

Poucas chamaram minha atenção e bem poucas me deixaram satisfeito.

Dois pontos, principalmente, me incomodam quando leio uma história do Superman.

O clássico "É um pássaro? É um avião?"
O clássico “É um pássaro? É um avião?”

O primeiro é o conjunto exagerado de poderes. É um problema reconhecido, pois cada releitura do personagem sempre diminui suas capacidades, embora isso também seja sempre desfeito e ele volte a ser quase um deus caminhando entre mortais.

Dentre todas as suas extraordinárias capacidades, a que mais torna suas histórias pouco emocionantes é a invulnerabilidadade. Como o espartano Dienekes fala a certa altura no livro Portões de Fogo (de Steven Pressfield), se todos tivéssemos as capacidades dos deuses, medrosos seriam tão raros quanto penas em peixes. Ver o Superman enfrentando raios, meteoritos, explosões, etc. etc., sabendo que ele sairá ileso não instiga muito a curiosidade.

Seus poderes são tão fodas que até suas raras fraquezas ajudam a aborrecer este leitor. Sim, porque ou estas se revelam ainda mais catastróficas para seus inimigos (lembram quando Luthor usava um anel de kryptonita e terminou contraindo câncer?), ou exigem que seus adversários sejam ainda mais extraordinários (principalmente no caso de sua vulnerabilidade à magia).

Além disso, todos estes poderes tornam ridículo que seu arqui-inimigo seja um simples humano careca. Falam muito da inteligência prodigiosa de Luthor, mas sempre ponho em dúvida esta capacidade quando ele coloca aquela ridícula armadura verde.

Metrópolis, uma das cidades fictícias mais famosas do mundo.
Metrópolis, uma das cidades fictícias mais famosas do mundo.

O outro ponto que me aborrece é o fato de Kal-El ser retratado a sério como um caipira pela maioria dos roteiristas. Não concordo com isso, pois estamos diante de um ser alienígena, que conhece praticamente todas as sociedades do nosso mundo e muitas civilizações intergalácticas, além de ter acesso ao conhecimento de uma civilização avançadíssima e conviver, na Liga da Justiça, com alguns dos cérebros mais privilegiados do planeta.

Claro que ser um caipira bobão faz todo o sentido quando ele está disfarçado como Clark Kent, mas ver o Superman falando coisas do tipo “sou apenas um fazendeiro” soa ruim demais.

O Superman retratado por Tim Sale realmente passa a ideia de poder
O Superman retratado por Tim Sale realmente passa a ideia de poder

Engraçado é que, sem fugir deste último clichê, Jeph Loeb e Tim Sale conseguiram contar aquela que, pra mim, é uma das melhores histórias do Superman de todos os tempos.

Estou falando de Superman – As Quatro Estações (For All Seasons).

O traço simples (porém rico) e a colorização especial abrilhantam o roteiro fantástico de Jeph Loeb (pois é…)
O traço simples (porém rico) e a colorização especial abrilhantam o roteiro fantástico de Jeph Loeb (pois é…)

Loeb usou um truque muito simples: situou temporalmente a história entre o fim da adolescência de Clark e o início de sua carreira como Superman. Neste período, sim, faz todo o sentido do mundo ele ainda ter pensamentos simplistas e atitudes que beiram a inocência.

Nesta época, sim, fazia sentido ele ser chamado de “fazendeiro”
Nesta época, sim, fazia sentido ele ser chamado de “fazendeiro”

No primeiro tomo, Primavera, narrado por Jonathan Kent, acompanhamos o fim da adolescência de Clark, o surgimento de novas capacidades e o medo que as mesmas despertam no filho adotivo de um idoso casal de fazendeiros. Como todo adolescente, ele se sente confuso diante de um momento de escolha. A chegada de um tornado revela seu potencial e aponta o caminho que ele deverá seguir dali em diante. Como David Dunn, protagonista de Corpo Fechado, o jovem Kent desabrocha (hummmm…) ao perceber que habilidades extraordinárias devem ser usadas em benefício da humanidade.

Algumas coisas sobre ser pai eu vou lembrar pra sempre. O  jeito como segurei Clark quando ele era bebê. No começo, como eu estivesse segurando um frango, e depois, quando peguei o macete da coisa… A manhã em que o encontrei em pé no berço pela primeira vez… todo orgulhoso e com um sorriso do tamanho da lua. Ver Clark empurrar a porta de tela e engatinhar sozinho pro quintal… falando com o cachorro, as formigas e o balanço. Quanto mais eu pensava nessas coisas, mais via Clark como um menino normal. Mas meu filho podia entortar aço com as mãos.  E, por mais que eu quisesse dizer a ele todas as respostas da vida estavam em Smallville… só podia prometer que eu e Martha o amaríamos. Sempre.

A nova direção da DC acha que este casal não faz sentido
A nova direção da DC acha que este casal não faz sentido

Em Verão (narrado por Lois Lane) vemos o surgimento do super-herói em Metrópolis, o efeito que sua figura e suas habilidades causam em todas as pessoas, principalmente em Lex Luthor, até então o “dono” da cidade e pessoa que há tempos não sabe o que é ser contrariada, e na química Jenny Vaughn, que passa a idolatrar o herói após ser salva da morte por ele.

Sabe como eu queria batizar o herói? “Bom demais para ser verdade”. Ele voa. Ele enxerga através de paredes. Levanta carros, é à prova de balas e capaz de fazer quase tudo que quiser. E essa é a parte que mexe comigo. O homem é capaz de fazer tudo e o que ele escolheu? Ser herói? Por quê?

Ódio à primeira vista! Amigos de infância? Fala sério!
Ódio à primeira vista! Amigos de infância? Fala sério!

Em Outono, somos apresentados à opinião de Lex Luthor sobre o Superman. O mega-empresário nada vê além de um usurpador, que roubou todas as atenções para si, e o desmoralizou perante a opinião pública. Inconformado, ele espalha uma doença pelo ar, insinuando que a mesma teria origem extraterrestre, fazendo com que Kal-El corra o risco de ser achincalhado pelos que até pouco antes o adoravam. Abatido, ele foge de volta a Smallville, “murchando” diante das dificuldades.

Eu me lembro de que, quando criança, meu pai… um homem cuja única contribuição à sociedade foi gerar a mim… tentou me castigar batendo com as costas da sua mão. Foi ridículo quando ele disse “isto vai doer bem mais em mim do que em você”. Meu pai me bateu. Muito. Ele queria me fazer chorar. Eu não chorei. Fiquei olhando em seus olhos até ele acabar. No fim, doeu mesmo mais nele do que em mim. Aprendi com meu pai que sempre devemos dar  às pessoas o que elas desejam. Mas tudo tem um preço.

E assim os sonhos de Lana se tornaram pequenos demais diante do Homem do Amanhã
E assim os sonhos de Lana se tornaram pequenos demais diante do Homem do Amanhã

 

Por fim, em Inverno é a hora de acompanhar a visão de Lana Lang sobre o alienígena mais poderoso da Terra. Voltando os olhos pra trás, lembramos que a primeira reação dela ao descobrir as incríveis habilidades foi de uma tristeza profunda. De uma hora pra outra ela descobrira que aquele em que ela projetara todos os seus planos na verdade estava destinado a coisas maiores, bem maiores do que casar e ter filhos. Cabe a ela, junto com os Kent, devolver a ele a fé em si mesmo e em sua missão de defensor da humanidade.

Eu sabia que o mundo pesava sobre os ombros de Clark e que talvez eles não fossem fortes o bastante para aguentar.  Aquela noite no campo ele me falou de seus poderes especiais e sobre como queria ajudar as pessoas. Talvez ajudar não fosse uma ideia tão boa ou tão fácil como o garoto voador imaginou.

Não veremos aqui o Superman enfrentando armadas alienígenas nem nenhum exército luthoriano. Nada de Brainiacs ou exilados de Krypton. Superman enfrenta furacões, enchentes e doenças que ele pensa ter provocado. Enfrenta, acima de tudo, seus medos, principalmente o de não estar a altura da missão que pretende abraçar.

Arte clara, contrastando com a Gotham de O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria
Arte clara, contrastando com a Gotham de O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria

Nada a acrescentar sobre a fantástica arte de Tim Sale. Um traço limpo, porém rico. Com um certo ar retrô, mas muito bem utilizado. Tudo valorizado pela colorização de livro infantil (no bom sentido) do dinamarquês Bjarne Hansen.

Porra! E tem gente que ainda diz que eu não gosto de nada que não tenha sido feito nos anos 80!

uperman – As Quatro Estações (Grandes Clássicos DC 8). Roteiro de Jeph Loeb. Arte de Tim Sale (com as cores de Bjarne Hansen). Editora Panini (Edição encadernada – a Editora Abril lançou a série em 4 edições). 212 páginas. 2006.
Superman – As Quatro Estações (Grandes Clássicos DC 8). Roteiro de Jeph Loeb. Arte de Tim Sale (com as cores de Bjarne Hansen). Editora original DC Comics. Editora Panini (Edição encadernada – a Editora Abril lançou a série em 4 edições). 212 páginas. 2006.

Este post foi originalmente publicado em Macacos Robôs Zumbis do Inferno.

 

JJota

Já foi o espírito vivo dos anos 80 e, como tal, quase pereceu nos anos 90. Salvo - graças, principalmente, ao Selo Vertigo -, descobriu nos últimos anos que a única forma de se manter fã de quadrinhos é desenvolvendo uma cronologia própria, sem heróis superiores ou corporações idiotas.

Este post tem 4 comentários

  1. Bizarro

    “O outro ponto que me aborrece é o fato de Kal-El ser retratado a sério como um caipira pela maioria dos roteiristas..”

    Por mais que eu goste do Super do John Byrne, essa infelizmente foi uma marca dele que eu gostaria que fosse esquecida de vez em quando. Até o Byrne assumir, o super era retratado como um alienígena mesmo entre nós, nunca como um fazendeiro. E isso era fascinante.

    1. JJota

      Eu gostaria de ver ele mais como um cara que tenta se encaixar neste mundo. No filme, foi chato ver aquele “eu sou do Kansas”. Seria mais foda um “acho que vamos ter que tentar confiar um no outro, General”.

    1. JJota

      Considerando que é um roteiro do Loeb – que dificilmente acerta quando não trabalha com o Tim Sale – isso foi o de menos, até porque a traminha do crime aí em si não era nada demais.

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