Iluminamos – Parafusos – A Bipolaridade retratada em HQ

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Parafusos-capa.inddLevei mais de uma semana, após o término de Parafusos, de Ellen Forney, para resolver escrever uma resenha, afinal, já existem várias ótimas sobre essa HQ. No entanto, por melhores que possam ser, senti que algo faltava a todas elas, mesmo às estrangeiras.

Talvez, o fato de eu ter achado Parafusos sensacional, tenha me passado a impressão de que quem leu a HQ não percebeu suas nuances da mesma forma que eu, mas, como percepções são muito subjetivas, tentarei falar um pouco sobre o que mais gostei neste trabalho.

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Bom, algo que costumo reparar muito nas HQ que leio é o enquadramento, muito mais do que os traços. Certas HQ nos cativam por seu aspecto artístico, outras pelo roteiro ou algumas vezes pelos dois aspectos, mas, no caso de Parafusos, os recursos narrativos usados chamam a atenção pela criatividade da autora em descrever sua trajetória desde antes do diagnóstico de sua bipolaridade até encontrar meios de se manter estável.

Grande parte das resenhas que li se referem ao jeito bem-humorado como Ellen Forney retrata seu transtorno, mas particularmente, embora haja de fato momentos hilários, não consegui me distanciar do fato de que tudo ali era real. Então, situações que, para muitas pessoas são apenas engraçadas, me pareceram absurdamente constrangedoras (chorei horrores, dentro do metrô lotado!).

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Gostei especialmente de como ela utiliza os balões, ou a completa ausência deles, e a forma como distribui as imagens nas páginas. A cada crise de mania ou depressão, o leitor é capaz de captar cada camada de suas oscilações apenas pela forma como as imagens estão representadas. Por exemplo, na maior parte da história, não há quadrinhos, as imagens são soltas, embora sigam uma sequência, com exceção de quando ela está em consulta, aí, os acontecimentos se dão dentro do formato tradicional de HQ. Por isso, alguém que não tenha a menor noção do que seja o transtorno bipolar de humor, consegue compreender e sentir o que é cada um desses estágios, até mesmo pelo ritmo que Ellen consegue imprimir à história, narrando com precisão o que sentiu durante sua busca por estabilidade.

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Algumas das páginas que mais gostei eu compartilho aqui. No senso comum, a bipolaridade está associada a altos e baixos no estado de humor de forma constante, mas, o que de fato acontece é que as crises, depressivas ou maníacas, podem durar semanas ou meses. Então, quando alguém tem o humor instável ao longo do dia e dizemos: “Nossa, como você é bipolar! ”, pode ser um equívoco. As associações mais comuns para explicar essas alterações de humor são a de viver em uma montanha russa de emoções ou em um carrossel, como a própria Ellen ilustra em Parafusos. Curt Cobain e Amy Lee (Evanescence) gravaram músicas sobre o Lítio, medicamento mais comum no tratamento do transtorno de humor.

Por isso, a página em que ela diz ter a sensação de ser arrastada para longe, no início de uma crise maníaca, representa muito bem como é ser levado a picos de euforia sem que você tenha controle disso. Da mesma forma que, no ápice da depressão, a página em que ela se arrasta do sofá para a cama e da cama para o sofá, retrata o quanto as atividades mais simples se tornam fardos pesadíssimos de serem carregados.

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E, por que alguém leria uma autobiografia sobre transtorno bipolar sem ter alguma relação com a doença? Ué, pelo mesmo motivo que lemos qualquer outra HQ – entretenimento, conhecimento, diversão, estudo…. Na verdade, seria um ótimo exercício de empatia, dado o estigma que as doenças psiquiátricas ainda sofrem. Para quem é artista, Parafusos é uma ótima fonte de referências justamente pela criatividade com que a autora conseguiu expressar detalhes tão sutis e pessoais, e para quem é apreciador da nona arte, é uma ótima narrativa, nada entediante, sobre escolhas que temos que fazer, problemas inesperados que temos que lidar e principalmente, sobre como não são nossos problemas que nos definem, mas a forma como os encaramos.

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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