Iluminamos: Depois da Guerra (Oficina G3) – O bate-cabeça de Jesus

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Oh, costumeiro leitor do Iluminerds, não se espante com o título do post ou o tema que será tratado a seguir. Aliás, o costumeiro leitor que também for metaleiro (ou headbanger, pros viadinhos mais afeitos aos rótulos), já deve estar cansado de ouvir falar dessa banda. A Oficina G3 existe há uns 25 anos e seu líder e guitarrista, Junhinho Afram, é um conhecido virtuose do instrumento, estampando periodicamente a capa de revistas musicais e rivalizando com Kiko Loureiro do Angra, Andreas Kisser do Sepultura, entre outros, pelo posto de melhor do Brasil – pelo menos dentro do metal (afinal, nenhum deles se compara a genialidade e a atitude de Mestre Chimbinha).

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Edu Ardanuy, Kiko no meio e Juninho na direita – rivalidade?!

Além do mais, rock Cristão não é novidade pra ninguém, e a própria ligação entre igreja e música ou igreja e rock é mais batida do que andar pra frente. Para citar uns exemplos “rasos, temos o Creed, que pouca gente lembra, mas tem/tinha uma pegada gospel, o P.O.D., pasmem os senhores, e no Brasil, temos o popularíssimo Catedral e também o Rodolfo, ex-Raimundos, e seu Rodox. Isso para ficar em exemplos que a minha geração anos 1990/2000 conhece, mas, se formos listar todos os artistas de rock e blues que tem um pé (ou todos os membros) no mundo eclesiástico, a lista não ia acabar, pra começar o próprio Pai de todos e do gênero, Chuck Berry, seria um deles.

A novidade, claro, é o Iluminerds, conhecido antro de hereges, blasfemos, degenerados, e o pior, professores universitários e intelectuais, se interessar pelo cancioneiro divino. À bem da verdade, não nos abstemos de nenhuma temática, pode se dizer até que estamos numa espécie “missão civilizatória” – como diz o protagonista de Newsroom, Will McAvoy (Jeff Daniels) – levando informação e conhecimento aos cantos mais longínquos das internet. Enfim, o importante é que esse pequeno petardo caiu nos radares dos Iluminados Iluminerds e merece também passar por nosso crivo mais do que seletivo.

a110093Lançado em 2008, Depois da Guerra (apelidado de DDG) é o penúltimo álbum da banda, sendo sucedido por Histórias e Bicicletas – Reflexões, Encontros e Esperança, de abril de 2013. A julgar apenas pelos títulos das obras, o leitor pode perceber as transições de temática e o tom mais introspectivo – e sereno – do trabalho atual, motivo pelo qual ele foi deixado para uma próxima ocasião.

Como em toda música comercial (o grupo é representado pela MK Music), é possível ver uma espécie de conflito entre o popular, o autoral e, neste caso, o religioso. Por mais que as letras estejam de certa forma “embebidas” dentro de uma aura religiosa, o rock, sobretudo o metal – e não se engane, Oficina G3 é uma banda de metal – é um movimento muito identificado com a secularidade e isso tem um efeito muito interessante, do ponto de vista do ouvinte, em Depois da Guerra. Aliás, vale lembrar, várias denominações cristãs consideram o ritmo como uma forma de transgressão dos preceitos bíblicos em si, independente do conteúdo.

Esta é uma questão bastante polêmica, particularmente entre os evangélicos que tendem a ser mais restritivos com relação a sua fé (e sei disso porque fui criado como protestante). Dessa forma, não foi com certa dose de espanto que pude perceber que algumas faixas possuem certa neutralidade, se afastando da ideia de hinos ou cânticos religiosos para tratar de temas como dúvida, orgulho, teimosia, sacrifício, intolerância, entre outros. Isso tudo de maneira bem aberta, sem, no entanto, deixar de “marcar um território” como banda cristã. Ainda assim, é difícil ouvir um “Meu Jesus”, “Meu Deus”, “Aleluia”, ou qualquer coisa que o valha ao longo do álbum. Agora, resta saber se isso busca agradar, comercialmente falando, a enorme base de fãs não-evangélica do grupo – que não duvidaria nada se for maior do que a religiosa – ou funcionaria como uma possível forma de “arrebatamento” desse público, uma vez que, pensando apostolicamente, a música do Oficina G3 poderia servir como uma futura porta de entrada para o cristianismo.

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Jean Carllos, Mauro Henrique, Duca Tambasco e Junhinho. Grandes músicos, muito técnicos, mas que não deixam o “sentimento” de lado em suas canções. Seria pura inspiração divina?

O disco tem uma sonoridade bastante pesada e claramente tira sua identidade da parte mais “bélica” da religião cristã, não no sentido mais óbvio de uma “guerra santa”, mas de uma batalha espiritual interna, da fuga das tentações e do que seria o “comportamento cristão correto” em meio a um mundo secular. Sem dúvida, para quem conhece um pouco do protestantismo contemporâneo, esses são temas considerados “obscuros” e de certa forma até tabus, mas que, no álbum, são tratados com bastante honestidade e até alguma autocrítica, o que torna o trabalho muito interessante mesmo para os menos afeitos à religiosidade. Além do mais, a métrica das composições é muito boa, um deleite para quem sente falta de um bom heavy metal cantado em português sem soar tosco.

Vale ressaltar que esse foi o primeiro trabalho do vocalista Mauro Henrique com a banda e o cantor não fez feio, pois consegue aliar a costumeira interpretação bastante emocional do gospel – que precisa demonstrar certo nível de devoção pela dramaticidade com que se imposta a voz, o que muitas vezes pode soar caricato para os demais ouvintes – a desenvoltura e técnica necessários para o heavy metal.

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O baterista, Alexandre Aposam (de camisa preta), toca com o Oficina desde de 2008.

Não à toa uma produção de Marcello Pompeu e Heros Trench, conhecidos por serem integrantes da banda de trash metal Korzus, apresentar qualidade. Pode ser creditada à dupla essa sonoridade mais obscura e indiscutivelmente pesada que compõe o álbum. Vencedor do Grammy Latino em 2009, Depois da Guerra mescla o progressivo e hardcore (ou metalcore) de maneira muito satisfatória, mostrando porque a banda tem tantos fãs fora do mundo das igrejas. A melhor e mais pesada faixa do álbum, “Muros”, é de uma violência absurda (no melhor sentido da palavra), contando com vocais rasgados e até verdadeiros guturais nos backing vocals, algo que pensei que jamais fosse ouvir nos meus sonhos mais loucos.

A musicalidade lembra muito os últimos trabalhos de bandas como Symphony X e Dream Theater, mas, particularmente, talvez até mais relevante, justamente por se tratar de uma banda de White Metal que tem esse conflito interno que tentamos descrever nessas linhas. Esse casamento fortuito entre hardcore, progressivo e religiosidade presente em Depois da Guerra pode ser visto de maneira mais clara em “Meus Próprios Meios”, “Meus Passos”, “Obediência”, “Better” e a faixa-título. Sendo essas também aquelas que, como mencionado, possuem menos “influência teológica”, ideais para uma iniciação ao som dos caras.

Há quem diga que retirando o sexo e as drogas não existe rock’n’roll, mas até o maior entusiasta desse estilo de vida como forma de inspiração (comme moi) sabe que não são esses elementos em si, mas a ideia de transgressão que eles carregam que é indispensável ao gênero. Nesse sentido, talvez não seja tão inusitado uns metaleiros cristãos serem a nova salvação do rock no momento. A verdade é que os caras quebram tudo e pra uma provar basta procurar o DDG Experience, DVD ao vivo do grupo lançado em 2010. Se isso não é show de metal, eu não sei o que é.

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem 3 comentários

  1. Sandra Mel

    Parabéns pela matéria, Zé Messias, adoro Oficina G3

  2. Rodrigo Sava

    Zé, há anos ouço falar dessa banda, mas jamais a tinha ouvido até clicar no link que você disponibilizou, de “Muros”. Gostei. Os caras tem energia e qualidade sim. Parabéns pelo texto 😉

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