Um dos mais bem escritos livros sobre a Primeira Guerra Mundial.
Quando eu era estudante, tive um professor de História cujas aulas eram aguardadas ansiosamente até pelos alunos que não eram chegados em sua matéria. Sua aula não era participativa, de modo algum. Acho até que o incomodava quando algum aluno fazia uma pergunta. Gostava de falar, tanto que se percebia a pressa com que ele fazia a chamada no início, ávido para começar a sua “palestra”. E, por cinquenta minutos, falava sem parar, com pausas apenas para tomar fôlego ou para rabiscar uma ou outra palavra ou data no quadro. Seu diferencial? Não parecia aula, era quase como se um comediante fazendo stand up. Sem deixar de fora um único dado interessante sobre o assunto da aula, recheava esta com diversos “causos” e curiosidades sobre a época e as pessoas relacionadas ao assunto. Sua descrição de como era Lisboa em 1500 – principalmente na questão higiênica – e seus diversos causos sobre a família real portuguesa em 1808 até hoje são lembrados por ex-colegas de turma quando os encontro.
Assim faz Barbara Tuchman em Canhões de Agosto (The Guns of August), sua obra de 1962 acerca da Primeira Guerra Mundial. Fruto de extensa e cuidadosa pesquisa, a obra traz os antecedentes, os planos e o primeiro mês de combate no conflito europeu. Acima de tudo, é um livro sobre os homens que tiveram papel atuante neste período. Mais do que uma simples análise dos seus atos, ela investiga suas opiniões, vontades e personalidades, colocando essas informações de forma tão hábil que, em algumas passagens, precisamos nos lembrar de que não estamos diante de um romance.
Barbara investiga não apenas os antecedentes próximos como os mais distantes, indo até a Guerra Franco-Prussiana para mostrar como a mentalidade revanchista francesa tornou certo um novo conflito com a Alemanha. Ela vai aos poucos mostrando como os gauleses, então, fizeram seus movimentos no sentido de não apenas preparar seu povo para o acontecimento mas também para atrair o maior número de aliados possível para o seu lado. Entre eles, principalmente a Inglaterra, maior potência militar naval do globo até aquele momento, e a Rússia, não apenas dona de um exército colossal em número de soldados como estrategicamente posicionada para forçar a Alemanha a uma guerra em duas frentes.
Ela gasta páginas e mais páginas não apenas expondo, mas analisando os planos de ação que cada país tinha desenvolvido (ou não), apontando suas falhas e o quanto desvios de personalidade idiotas – como arrogância – se sobrepuseram sobre o bom senso e a inteligência. Suas descrições de personagens são sempre precisas e cheias de complementos interessantes: o desejo de reconhecimento descabido do Kaiser Guilherme I (“Queria a aclamação dos parisienses e ganhar o Grand Cordon da Legião de Honra, e por duas vezes fez com que os franceses soubessem desse desejo imperial; jamais recebeu um convite”); o mau humor de Clemenceau (“Não, não contem comigo – declarou. – Em 15 dias vocês estarão feitos em pedaços, e não quero ter nada a ver com isso.”); o desacordo da aparência com as atitudes do comandante das Forças da Tríplice Entente, Joseph Joffre (“…parecia com Papai Noel e dava a impressão de benevolência e ingenuidade – duas qualidades que não se percebiam em sua personalidade”); a covardia de Sir John French, comandante de campo das forças britânicas no continente (“Usando como justificativa a ordem de Kitchener de não arriscar o Exército, ele não pensou mais no propósito que o levara à França, mas apenas em retirar suas forças da zona de perigo”) e o completo despreparo do Czar, Nicolau II (“O regime era governado do topo por um soberano que tinha uma única ideia de governo – preservar intacta a monarquia absoluta herdada do pai – e que, carecendo de intelecto, energia ou preparação para seu trabalho, recorria a favoritismos pessoais, caprichos, simples teimosia e outros artifícios de um autocrata de cabeça vazia.”).
Não raro vemos o pouco caso com que autoridades tratavam a possibilidade de uma guerra para depois se comportarem assustadamente quando a mesma fica eminente. A leviandade desmedida dos Estados Maiores, completamente desconectados das necessidades e da vontade do povo. O despreparo absurdo de algumas nações cheias de vontade, porém carentes de organização. O impacto terrível quando tropas treinadas nas táticas antigas são lançadas ao combate contra os modernos armamentos desenvolvidos no começo do século.
Barbara tem um texto crítico, mas nunca ácido. Apesar de sempre manifestar sua opinião com bom humor, é implacável e não deixa passar absolutamente nada, sempre calcando sua opinião em uma farta citação de documentos oficiais e livros da época, de maneira agradável. Ela se concentra nos primeiros trinta dias de combate porque crê que estes foram os decisivos no tocante a falência de todos os planos – e sonhos? – militares, que levaram a guerra que deveria ser decidida em uma única batalha decisiva a se tornar um conflito longo e terrivelmente sangrento, consumindo vidas a uma taxa jamais imaginada antes.
De longe, o melhor livro sobre a Primeira Guerra Mundial que já li. Não por acaso, ganhou o Prêmio Pulitzer de 1963. Altamente recomendado.
Parece ser um livro muito bom.
É excelente. Recomendo dicunforça.
Belíssimo livro. Da mesma autora, recomendo a Torre de Orgulho, editorial Íbis, que se concentra nos anos imediatamente anteriores à guerra.
O melhor classico sobre o tema. Vital para minha tese de doutorado em história, que ver sou sobre a I Guerra Mundial.