Música de motel é o c@$@&¨*!
Dizem que a vida é feita de desafios e será tão bem ou mal aproveitada quanto for a sua reação diante deles. Serge Gainsbourg, ator, pintor, compositor e, principalmente, cantor francês encarou de frente o que foi colocado diante de si por sua amante (nada mais, nada menos que Brigitte Bardot) em 1967: compor a “mais linda canção de amor” possível.
Contratado da mesma gravadora da estrela (a Phillips), a conheceu em um programa de TV em 1967 e se tornou mais uma vítima da beleza estonteante da musa francesa. E depois ficou completamente perturbado ao descobrir que a atração era recíproca. Trabalhando juntos, o casal aproveitava para… como eu poderia dizer?… desenvolver a relação. Apesar dos cuidados tomados, a imprensa logo estava fervendo com boatos sobre o romance, que teve seu auge justamente na época em que, numa pequena sala do Estúdio Barclay, em Paris, eles gravaram o que seria a primeira versão da mais conhecida canção de Gainsbourg, que não foi lançada por conta de um veto da parte dela. Segundo o que se divulgou na época, Bardot atendeu ao pedido do marido, o playboy alemão Gunther Sachs, que não gostou nadinha do que ouviu. Versões mais recentes dão conta de que, na verdade, foi a própria Bardot, instruída pelos seus agentes, que achou que a canção poderia causar danos a sua imagem, principalmente em países mais conservadores como a Itália e os Estados Unidos. Se assim foi, ela estava certa. E errada.
Mas por que a gravação geraria este tipo de preocupação? Ora, Gainsbourg ficou à altura da musa e deixou de lado o amor casto, indireto, platônico que era praxe na maioria das canções de amor desde… sempre, e apostou em uma letra que é a exaltação do amor físico, sexual. Os agentes não temiam que versos como “Je vais, je vais et je viens / Entre tes reins / Et je me retiens” não fossem bem compreendidos: eles temiam que fossem compreendidos bem demais. Ou seja, o ouvinte fizesse a imediata associação com um casal fazendo amor… um amor extra-conjugal, é bom lembrar!
Seja ou não verdade que Brigitte ficou receosa com a reação popular, o fato é que daí por diante o caso com Serge esfriou. Ela emendou diversas viagens com Gunther e resolveu apostar na relação com o marido, comunicando friamente ao apaixonado compositor que o relacionamento deles estava acabado. E aí ele caiu no clichê romântico, se entregando a dias de melancólica contemplação de imagens de Bardot, enquanto compunha, bebia e, principalmente, fumava.
Decidido a investir um pouco mais na veia de ator, Serge participou de algumas produções, entre elas Slogan, de Pierre Grimblat, onde contracenou com Jane Birkin, com quem viveu o mais tórrido e conhecido caso de amor de sua vida.
Talvez decidido a exorcizar de vez Bardot de sua vida ou pressentindo que uma canção como Je T’Aime… não poderia viver “maldita”, Gainsbourg convenceu Jane a gravar uma nova versão da música com ele. Há quem diga que ela aceitou principalmente por temer que ele fizesse uma nova versão da canção com outra mulher. Birkin superou o ciúme que a canção lhe provocava e, como a ex de seu amado, se espremeu em uma cabine – que tinha mais ou menos o tamanho de uma cabine telefônica – com ele e ficou atenta às orientações do cantor.
“Antigamente, quando você ia gravar, só fazia duas gravações. Serge ficava levantando a mão – porque tinha muito medo de que eu continuasse com aqueles gemidos e sussuros dois segundos a mais do que deveria, e talvez perdesse a nota mais alta – que era muito, muito alta, uma oitava mais alta do que na gravação com Bardot.” – Jane Birkin –
A melodia simples (guitarra e órgão em destaque) extremamente cativante não evitou que o dono da gravadora ficasse receoso de lançar a canção. Ele pediu que Serge gravasse mais dez faixas para poder fazer um LP. O single com o dueto de Gainsbourg e Birkin, lançado em fevereiro de 1969, saiu com um aviso de que a letra seria imprópria para menores de 21 anos.
A versão com Birkin, mais bem trabalhada, técnica, terminou se tornando a preferida dos fãs e do autor. A canção estourou pela Europa, mas foi proibida em alguns países, como a Itália (onde a canção foi reintroduzida disfarçada como se fossem discos de Maria Callas) e Polônia. Na Inglaterra, alcançou o topo das paradas e por lá ficou durante 34 semanas, até as rádios (capitaneadas pela BBC) banirem-na da programação em atendimento aos apelos de alguns ouvintes, que se sentiam incomodados principalmente com o final, onde Jane claramente simula um orgasmo… Realmente, se você é for frustrado sexualmente, ouvir outra pessoa chegando ao prazer deve ser mesmo muito ofensivo. No carola – e hipócrita – Estados Unidos, o máximo que Je T’Aime… chegou apenas a ficar entre as sessenta mais. Quanto ao Brasil, a música despertou curiosidade justamente por conta da reação extremada do Vaticano, que alardeou, em matérias da sua revista que era distribuída – em diversos idiomas – ao redor do mundo, a “imoralidade” da música (dizem que o produtor que ousou lançar o single na Itália foi excomungado).
Considerada, pelos fãs e entusiastas, “libertária”, “provocante” e “sexual”, Je T’Aime… foi defendida por seu autor como uma canção de amor. Ele chegou a chamá-la de “anti-foda”. Quanto aos rumores de que a canção teria sido gravada durante uma sessão real de sexo, ele foi irônico: “Ainda bem que não, pois do contrário acho que teria sido um LP”.
Aliás, esses rumores também atingiam a gravação original, com o disse-que-disse se espalhando dizendo que o real motivo de Bardot ter vetado a divulgação da sua versão é que esta, sim, teria sido gravada durante uma sessão de sexo. Bom, em 1986 a francesa finalmente liberou a divulgação da gravação. Veja abaixo e, se quiser, tire suas conclusões:
https://www.youtube.com/watch?v=v3nHpnhu8Ds
Alvo de inúmeras versões (as pessoas destacam a interpretada por Nick Cave e Anita Lane) e covers (gostei da feita por Madonna, mais pela performance teatral que pela vocal) ao longo dos anos, Je T’Aime… Moi Non Plus é para mim uma canção… de amor. Amor verdadeiro, amor que vale à pena, amor edificante, amor realizado. Nada contra o romantismo antigo, mas o mesmo já foi objeto de escárnio em obras como Dom Quixote de la Mancha, de Cervantes, centenas de anos atrás. Como cantou o grande Raul Seixas em Prelúdio, “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só”. Amar e não consumar este amor é como ter um livro que você acha que é fantástico, mas nunca abrir para comprovar. Que se louve o amor real, realizado, em detrimento da ilusão do que nunca veio a ser realmente.
Amem, pô! Amem!