Uma grande música de uma grande banda que rendeu um grande clipe.
Os anos 1980 não foram uma estrada dourada para o Queen, uma das maiores bandas de rock da época, que sofria por conta de uma mudança de rumos musicais que estava desagradando antigos fãs sem necessariamente conquistar novos. Abandonando a temática e o visual glam rock que o marcou nos primeiros anos, o grupo enfrentava o lado ruim da fama, com seguidores se sentindo traídos: durante a turnê de The Game, por exemplo, Freddie Mercury, o vocalista, adotou um visual diferenciado, com cabelo curto e bigode, o que fez com que pessoas da plateia jogassem lâminas de barbear no palco.
Uma turnê financeiramente desastrosa pela América do Sul deixou um clima ruim dentro do grupo, o que foi evidenciado durante as gravações de Hot Space. O clima era especialmente tenso entre o Mercury e o guitarrista Brian May, que achava que a produção das faixas exigida pelo primeiro colocava em segundo plano o seu instrumento. May, que rotineiramente aparecia para as sessões embriagado, entregou um trabalho abaixo do esperado, provocando atritos com o quase sempre calmo baixista John Deacon. Outro problema era, na visão de Brian, que Mercury estava se prendendo cada vez mais à temática gay em suas letras, ignorando temas mais acessíveis para todos os ouvintes. O comportamento hedonista do vocalista, cheio de festas e orgias (o que o fazia trabalhar movido à cocaína) e cercado de péssimas influências, também era um incômodo para os demais membros.
Hot Space, que, musicalmente, colocou Freddie e Deacon contra May e o baterista Roger Taylor (com vantagem para os primeiros), fracassou relativamente. Com o fim da turnê, o grupo resolveu se dar férias, principalmente uns dos outros, já que três deles investiram em trabalhos solo (o baixista, que não via sentido em produzir sem o Queen, preferiu dedicar-se a aumentar a família). Passado o período, mas sem resolver suas diferenças, eles perceberam que as carreiras solo eram menos estimulantes – e lucrativas – do que junto com a banda.
De volta ao estúdio, começaram a produzir o material para o novo disco, The Works. Em meio às discussões sobre a qualidade do material produzido por Roger Taylor (este se redimiu à tempo ao compor Radio Ga Ga, um dos maiores sucessos do Queen de todos os tempos) e boatos de saídas anunciadas do grupo, John Deacon produzia calado e entregou a sua contribuição: I Want to Break Free, lançada em 1984.
Ao contrário do que muitas pessoas até hoje interpretam, I Want to Break Free não possui conotação homossexual, ou seja, free não é uma referência velada a “sair do armário” (embora, claro, o ouvinte tenha a liberdade de interpretar a canção como ela melhor encaixar para si). A intenção de Deacon é literal: a letra fala de poder abandonar os problemas, as reservas, as responsabilidades e a timidez e “se soltar”. Ele era de longe o membro mais reservado do grupo e, aparentemente, isso o incomodava. Ele invejava – de maneira saudável, pois eram muito amigos – a desinibição e eloquência que Freddie Mercury demonstrava nos palcos e entre pessoas íntimas.
O elemento aprisionador em destaque na letra é um relacionamento em que o narrador está infeliz, preso em algo formado por mentiras, com alguém que tem uma insatisfatória forma de o amar. A interpretação de Mercury é tão instigante e perfeita que o ouvinte imagina a pessoa parada diante da porta, querendo sair mas temeroso de se afastar da pessoa por quem está, infelizmente, apaixonada.
Grande parte da errônea interpretação da intenção da canção vem do hilário clipe, dirigido por David Mallet, no qual os integrantes, seguindo uma ideia de Taylor, surgem travestidos, numa alusão à novela Coronation Street (no ar na Inglaterra desde 1960!). E os boatos ficaram mais fortes quando, em determinado momento, Freddie – hilariante vestido de empregada, com direito a mini-saia, peruca e… bigodão! – abre um armário. Nas cenas, não se sabe se de propósito, Mercury parece ter mais sintonia com Taylor (vestido de estudante), do que com Brian May (de dona de casa de meia-idade) e John Deacon (como uma típica idosa inglesa dos anos 1980).
No meio da produção, Mercury dá vazão a sua paixão por cinema, balé e… bom, um pouco por ele mesmo. Em um determinado trecho, ele surge – como um cruzamento do Príncipe Namor com uma vaca – ao lado do The Royal Ballet numa coreografia – composta por Wayne Eagling– que faz uma homenagem à L’Après-midi d’un Faune, balé de Vaslau Nijinsky para uma composição de Claude Debussy baseada em um poema de Stéphane Mallarmé, considerado um dos maiores da literatura francesa.
O clipe terminou sendo banido da MTV norte-americana, e não fez muito sucesso por lá justamente por ter sido acusado de fazer apologia ao homossexualismo. O single mal conseguiu ficar entre os primeiros cinquenta nas terras de Elvis, mesmo tendo feito estrondoso sucesso na Europa e na América do Sul.
I Want to Break Free possui três versões, sendo uma mais curta e outra mais longa que a clássica.
Perfeita, com um arranjo pop sem ser pobre e um clipe hilário (embora tenha que confessar que não gosto muito da parte do balé). Memorável. Ah, e tente não se perder como o narrador da letra: liberte-se! Amor que prende, moço(a), não é amor que valha a pena.
É fato: Queen NÃO TEM música ruim! GOD SAVE THE QUEEN!!!
Bons tempos em que o rock tinha não apenas taleno, mas bom humor. Hoje, ou é aquela idiotice sem fim, ou todo mundo de cara emburrada no palco, com aquele jeito de “só tô aqui pra pagar as contas e que se fodam vocês!”
#DUROGOLPE
Excelente matéria!
Valeu, Glaydson.
Muito bom, texto bacana e cheio de informações interessantes.
Um programa legal sobre esse assunto é o Video Killed The Radio Stars.