Ah, os tempos difíceis…
Como escrevi no primeiro post da série, comecei a gostar de HQ antes mesmo de aprender a ler. E em um dos posts que fiz durante a Semana Batman, falei um pouco das minhas primeiras revistas de super-herói. Eu já tinha me alfabetizado, mas como não tinha meu próprio dinheiro – nem mesmo mesada, pois as coisas eram difíceis – só lia o que pegava emprestado com algum amigo ou o que minha mãe, de vez em quando, comprava pra mim.
E eu sofria um bocado, porque no bairro onde morava as poucas pessoas que compravam quadrinhos tinham preferência máxima pelos de faroeste, principalmente Tex e Zagor. Outro titulo que fazia sucesso entre esses raros compradores de quadrinhos era A Espada Selvagem de Conan. Todos eram títulos em preto e branco e isto, por mais bobo que possa parecer nos dias de hoje, me fez demorar muito a me interessar pelos mesmos. Os únicos títulos coloridos que interessavam a galera eram os do Fantasma e do Mandrake, editados pela Rio Gráfica Editora. Em tempo: achava as histórias deles ótimas!
Os títulos de super-herói perdiam por causa de alguns fatores. Em primeiro lugar, até meados dos anos 1980, ser visto com uma dessas super-coloridas revistas era pedir para se tornar alvo de chacota por ser “infantil” (o que ainda ocorre hoje em dia, mas em escala bem menor: ser nerd agora é cult). Outro motivo era a cronologia, que era mais confusa dentro das publicações, em que não era raro encontrar títulos no mix com histórias se passando, assim como o cabaré que chamam de Novos 52, em momentos cronológicos diversos (por exemplo, Heróis da TV #78 – do fim de 1985 – tinha uma história originalmente publicada em 1976, outras duas cuja primeira publicação foi em 1977 e uma que estreou em 1983!).
O “continua na próxima edição” também desanimava muitas pessoas, que davam preferência a histórias fechadas ou que se arrastassem por poucos números (como o Tex). A apresentação do material – o infame e, inexplicavelmente, saudoso para alguns formatinho – não era páreo para o formato álbum de A Espada Selvagem de Conan, que ainda contava com belas capas pintadas. Por fim, os títulos em preto e branco movimentavam um curioso mercado de escambo nas bancas do Centro de Fortaleza, onde se trocavam as edições lidas por outras, voltando algum dinheiro para o jornaleiro. Os super-heróis também faziam parte desse mercado, mas de maneira muito mais tímida.
Mesmo assim, algumas vezes acontecia de material da Marvel ou da DC caírem nas minhas mãos. Uma vez, um rapaz que trabalhava com meu pai chegou na minha casa com uma caixa. “Ei, você gosta de revistinha, né?”, ele falou. “Pois meu irmão também. Ele disse que eu podia te emprestar essas enquanto ele tá viajando!” Fui para o meu quarto carregando a caixa e tive um daqueles momentos inesquecíveis: havia umas cinquenta revistas dentro da caixa, a maioria de super-heróis publicadas pela Abril, misturando Marvel e DC, em numerações sem sequência (por exemplo, tinha o numero 12, 13, 15, 22…). E ali, três deles se destacaram: Superaventuras Marvel, Heróis da TV e Superamigos.
O primeiro dispensa explicações. Foi a primeira vez que vi a arte de Frank Miller. Na primeira história que li deste ícone, eu assisti Elektra morrer e o Demolidor soltar a mão do assassino e deixá-lo se espatifar no chão. O impacto daquelas imagens, com toda aquela tinta preta representando o sangue, me marcaria para sempre. Em SAM (eu adorava chamar a revista assim diante dos civis que, claro, ainda não eram chamados assim), também tinha os X-Men de Chris Claremont e John Byrne, Sonja, a Guerreira, Conan, Mestre do Kung Fu… Pessoal, melhor vocês ouvirem o Arcast! 150, que conta um pouco da história desta publicação e aí talvez possam entender – ou lembrar – o motivo pelo qual tantos nerds saudosos choram quando lembram dela.
O Mestre do Kug Fu, Conan e Sonja, aliás, também apareciam no mix da Heróis da TV (claro que aqui me refiro a encarnação do título feito pela Editora Abril). Esse título tinha como destaques os Vingadores e as histórias solo de alguns integrantes da equipe, com destaque, claro, para o Poderoso Thor e o Invencível Homem de Ferro! Também gostei muito, na época, das histórias com o Punho de Ferro, Manto e Adaga, os Micronautas e o Quarteto Futuro.
Superamigos era simplesmente fantástica! Quer fazer uma ideia? Camelot 3000, Novos Titãs de Marv Wolfman e George Pérez, Batman com desenhos de Neal Adams e Marshall Rogers, o Guerreiro de Mike Grell, Esquadrão Atari desenhado pelo mestre José Luís García-López…
Claro que, em uma época sem grana, publicações especializadas em quadrinhos e, principalmente, internet, não tinham como saber que a Abril, por conta da salada cronológica e do formatinho, cortava e remontava páginas, alterava desenhos, abusava de resumos textuais… Quem tiver a chance de ver uma edição original da primeira vez que a primeira Guerras Secretas, da Marvel, foi publicada por aqui e puder comparar com o material original ou com o encadernado da Panini, saberá bem do que estou falando. Minha completa ignorância, aliada com a qualidade do pouco que eu lia, fazia tudo ser pura magia.
Devolvi a caixa no fim das férias quase como se estivesse arrancando um órgão do meu próprio corpo. Compreensível.
Passei o resto dos anos 1980 e o começo dos 1990 nesse ritmo, comprando – na verdade, ganhando – muito pouco, mas guardando o que adquiria como um tesouro de valor inestimável. Ao mesmo tempo, me divertia acompanhando na biblioteca da escola os livros da Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática. Mas, vejam bem, os anos 1990 chegaram!
As dificuldades se avolumaram. A qualidade do material publicado caiu assustadoramente. Os estudos passaram a exigir uma dedicação maior. Novos prazeres se apresentaram para ocupar minhas horas livres – mulheres e bebida, para ser exato. Tudo isso se juntou para me afastar das HQ. Apesar de continuar a gostar muito de ler, passei a focar mais em livros. Aqui e acolá ainda pegava uma revista emprestada para ler (foi assim que, por exemplo, conheci Ronin e o Wolverine de Claremont/Miller), e, claro, sempre relia O Cavaleiro das Trevas, mini da qual nunca me desfiz! Fui pra faculdade de Direito e “elevei” ainda mais minhas leituras, adotando autores como León Tolstói e Alexandre Dumas (até cabe uma confissão: títulos de magia ou mais juvenis nunca fizeram muito a minha cabeça nesta época, só realmente prestando atenção neles já bem próximo de ser um trintão). Achei que, definitivamente, o mundo colorido dos super-heróis tinha ficado para trás.
Sabia de nada, inocente…
Essa HdTV tem o primeiro encontro do Luke Cage e Punho de Ferro.
Byrne desenhando pra caralho!
E eu pensando que o Byrne desenhava pra ganhar dinheiro…
É pena que o canadense banguela tenha estilizado seu traço de maneira podre, com aqueles corpos de criança e cabeções…
Eu fui alfabetizado por quadrinhos praticamente. Ganhei uma caixa com Novos Titãs da fase Wolfman/Grummet, SAM, DC2000 e Liga da Justiça Internacional, pra “me incentivar a ler por causa dos desenhos” e desde então foi minha perdição haha. Também foi difícil adquirir quadrinhos quando era mais novo por conta da situação financeira (entregava jornal e folheto com 12 anos pra ajudar na casa e logicamente só sobrava algo pra mim de vez em quando…fods) e comprava td em Sebo por ser mais barato (só consegui ler as revistas “atuais” anos depois, quando virei assinante haha)
Olhando pra trás…foi uma época complicada (principalmente para se ler quadrinhos), mas sinto nostalgia de lembrar.
Eu também aprendi a ler com HQs. Minhas pequenas aventuras em sebos farão parte do próximo post, com o meu “retorno” aos quadrinhos!
SAM, acho que a minha favorita ao lado de X-Men. Antigamente não curtia Tex nem outras que não faziam parte dos universos Marvel/DC. Hoje eu vejo o quanto eu tava perdendo no quesito qualidade dos desenhos. E Vaga Lume não tem comentários, a melhor coleção literária já lançada até hoje.
Como disse, fiquei muito tempo desdenhando Bonelli por serem… preto e branco. Anos depois desfiz esta injustiça e tive a sorte de, além de me divertir imensamente com as tiradas espirituosas do Ranger ao lado do seu amigo Kit Carson, conhecer o trabalho de caras como Galeppini, Fusco, Ticci, Civitelli, Villa…