Gay Games

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Recentemente, li uma matéria na Revista Época intitulada “Os Gaymers Saem do Armário”. Achei interessante, pois me questionei o que seriam jogos para gays ou mesmo o que seria um jogador gay (gaymer).

A reportagem relata a reivindicação dos gaymers em garantir mais espaço no mundo virtual através da inclusão de personagens homossexuais. A queixa é a produção de jogos notoriamente machistas com personagens estereotipados que valorizam principalmente a sensualidade feminina.

Cita também alguns jogos que já atendem estas demandas, como a expansão The Ballad of Gay Tony do GTA IV, a possibilidade de o jogador beijar um rapaz em Bully e a protagonista de The Last of Us, Ellie, ser gay. A escolha pela preferência sexual é uma questão importante e é respeitada nos jogos The Sims, Dragon Age e Mass Effect.

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Não há nada de errado em incluir personagens gays nos jogos. Por outro lado, minha crítica não é sobre esta inclusão, mas sobre o movimento em si e o rumo negativo que ele pode tomar. Eu explico…

A reportagem fala da criação de jogos cuja trama principal gire em torno de “ambientes gays”. A questão é que os jogos são centrados em ação e aventura, muito pouco em comportamento e menos ainda em sexo. Ou seja, ser hétero ou homossexual não interfere no enredo. Em The Last of Us, a preferência sexual de Ellie não é importante para o gameplay.

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Responder à demanda gaymer e criar “ambientes gays” trará diversidade sexual, mas, por outro lado, poderá estereotipar ainda mais a questão. Nunca joguei um jogo em que o diferencial da narrativa fosse o protagonista se relacionar com uma mulher – ou a protagonista com um homem. Forçar esta situação, para qualquer direção, soa tão preconceituoso quanto a acusação de machismo.

E, para sermos ainda mais corretos, criticar as vestimentas e os físicos dos personagens não faz muito sentido. Pelo exemplo dado na matéria, Street Figher utiliza mulheres gostosas em trajes mínimos e homens sarados sem camisa. Onde está a testosterona aí? Mulheres gostosas atendem demandas de homens e lésbicas; homens gostosos atendem mulheres e gays… Kratos é um espartano fortão de abdômen tanquinho, mas ninguém o considera um símbolo sexual para os gays… Ou para as mulheres…

Coming_Out_On_Top_cast copyA quebra de paradigma não virá através de jogos que escancaram sua postura homossexual (ou heterossexual), mas da sutileza de incluir o assunto em sintonia com a narrativa proposta. Coming Out on Top é um simulador de encontros gays. Ao invés de criar um simulador de encontros para gays, por que não um simulador de encontros que inclua todos? Em Dragon Age, as opções de diálogo são muito bem construídas e, por ser um RPG, o jogador atua da maneira que quiser: pode iniciar um romance homossexual ou não. Fica mais natural e de acordo com o andamento dos eventos; é dada a importância correta no desenrolar da narrativa.

O ato de jogar não precisa de uma preferência sexual e o movimento contrário pode criar monstros preconceituosos de ambos os lados. É perigoso criar jogos para gays, pois automaticamente serão criados jogos para héteros (e não me venham afirmar que “todos os jogos já são para heterossexuais”). O ideal é ter jogos que respeitem qualquer escolha/opção/tendência/DNA/biologia/destino, dando a devida seriedade e foco dentro do enredo proposto.

Gaymer é um gay que joga ou um jogador gay? De qualquer maneira, acho o termo extremamente preconceituoso e desnecessário, pois só ajuda na separação dos gêneros. E criar jogos para gays é tão besta quanto criar jogos para negros, mulheres, gordos, anões, carecas… Incluir não é criar diferentes acessos, mas criar um acesso para todos.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

Este post tem 14 comentários

  1. gabymolko

    Audi,

    É complicado falar sobre igualdade quando se está do lado privilegiado, em qualquer assunto. É lógico que para um homem heterossexual é difícil entender o porquê essa inclusão é de fato necessária, não te condeno por isso.
    A questão de jogos – e filmes, e seriados, e qualquer outra produção midiática – incluir essa comunidade mexe com identificação. Imagine você um menino de 14 anos ou uma menina da mesma idade, gamer, ver representado ali vontades que estão reprimidas? Sua mente estaria muito mais tranquila mediante suas escolhas e desejos.

    A questão não é “agradar lésbicas” ou “ter preferência sexual” ao jogar, mas sim se sentir respeitado, incluso.

    1. José Messias

      é essa parada que eu tava dizendo no nosso papo em pvt, Gus.
      Esse argumento do preconceito às avessas é muito perigoso e, na minha opinião, falacioso. A questão da inclusão e da representatividade passa mais por quebrar um paradigma de heteronormatividade que se faz presente no nosso cotidiano. Nossa sociedade é construída de forma que a heterossexualidade seja considerada um default e todo o resto algum tipo de “desvio”, então sim, “todos” os jogos são para heterossexuais, esta é uma questão conceitual que está muito acima da própria ideia de discriminação porque tem a ver com a forma de pensar das pessoas e como fazê-las pensar de forma mais aberta.
      Nesse sentido, “jogos gays” seriam uma forma de educação para a sociedade como um todo, como tal “kit gay” (que não era nem um kit), que seria distribuído nas escolas e que não rolou por pressão política e ignorância.
      Acho que há um medo, e não estou dizendo necessariamente no seu texto, em tratar de forma aberta e explicita a temática trans, assim como a questão do negro e do racismo na sociedade, e todas tentativas são sempre frustradas com base num uso falacioso de argumentos como preconceito às avessas, ditadura gay etc. (e, novamente, não estou dizendo que vc fez isso no seu texto).

      1. Gustavo Audi

        Por mais que vc não aceite, preconceito não é exclusivo de minorias, basta ser humano para isto ser possível…

        Mais uma vez, não discordamos do objeto, apenas da forma. Quebrar a heteronormatividade é importante, mas qual a melhor forma? E quem decide isso?
        Enquanto não der certo, qualquer tentativa é válida e deve ser respeitada. Eu aceito a quebra direta do paradigma, mas não concordo. Acredito que há maneiras mais sutis e eficazes para isso.

        1. José Messias

          só reiterando um ponto. Preconceito não é só uma palavra que a gente usa cotidianamente no senso comum, também tem um uso conceitual nas ciências sociais. Por isso não sou eu que não aceito quando se fala de preconceito fora do conceito de justiça social e das relação com as minorias, essa é tanto uma posição pessoal quanto teórico-metodológica.

          1. Gustavo Audi

            Meu uso da palavra é o comum mesmo…

          2. Fábio

            Ótimo texto! Finalmente um ponto de vista inteligente e não panfletário! A maioria parte de clichés tão preconceituosos quanto aqueles que eles combatem ou pensam combater, pois, no fundo, só fomentam mais ódio e pré-conceito. E, vamos combinar, tem muita gente ganhando com isso. ONGs, políticos (Jean Wyllys à frente) e a mídia, querendo criar frentes de consumo para esses novos nichos de mercado. Mas o “ativista” não vê nada disso… E, quando vê, chama de “fascista”, “reaça”, “intolerante”. Só que não percebem que o discurso deles fomenta e fortalece o aparecimento do Bolsonaros e Felicianos que tanto temem.

    2. Gustavo Audi

      Eu não critiquei a inclusão, critiquei a forma com que ela é conduzida. Existem diferentes ferramentas de inclusão, mas ninguém pode dizer qual é a melhor.
      Forçar sexualidade onde ela não está presente não é incluir direitos, é tratar o assunto de maneira desigual.
      Eu acredito em diferentes formas de quebrar paradigmas.

    3. AmandaASC

      Eu sendo lésbica entendo o q ele quer dizer, tipo a personagem é lésbica mas pq isso é importante? Eu acho tb q quando eu jogar cm uma personagem lésbica, ela não seja só por “cota”, quero ela slá lutando pela sua amada, tendo uma construção q mostre q o fato de ela ser lésbica ñ foi apenas pra fazer média. Quero que o desenvolvedor crie uma história q sustente a importância daquela personagem lésbica.

      Tipo imagina uma série onde personagem gay ñ tem relacionamento amoroso, ñ é comico, ñ luta pelos direito lgbt, ñ tem confusão ou algum plot q envolva sua aceitação(pessoal/familiar/na sociedade).

  2. Ivan Mussa

    Só não entendi se quando você disse que questões afetivas/sexuais “não interferem no enredo” e que “não é importante para o gameplay”.

    Em Dragon Age (e quase todos os jogos da Bioware), as preferências afetivas certamente interferem no enredo. Não só amorosas e sexuais, mas relações de amizade e inimizade podem ser afetadas pelas suas escolhas.

    E acho que isso, fatalmente, influencia o gameplay (as ações que o jogador “inputa” no sistema”). Se você prefere Morrigan a Liliana, você vai colocar ela na party e suas habilidades como jogador vão mudar.

    O grande problema aí é a dificuldade dos desenvolvedores mainstream de criarem não só ambientes gays, mas qualquer ambiente de jogo que não seja uma power-fantasy feita de tiros, porradas e bombas, e nos quais o gameplay seja mais do que matar inimigos. Isso torna tudo muito mais fácil para os jogos virarem ambientes testosteronizados. E os problemas que o Zé e a gabymolko expuseram não ajudam a melhorar a situação.

    Aqui tem um ótimo vídeo sobre a questão: https://www.youtube.com/watch?v=wSBn77_h_6Q

    Esse movimento, pra mim, é mais que necessário. Não só para aumentar a representatividade LGBT, mas para engrossar as fileiras dos temas que estão tentando expandir a capacidade expressiva da mídia.

    1. Gustavo Audi

      Em Dragon Age, o diferencial é a escolha do parceiro sexual. Mas isso independe se vc é um personagem masculino ou feminino – meu personagem era homem, namorou a Liliana e comeu a Morgan, mas o mesmo seria possível se meu personagem fosse feminino. Logo, preferência sexual não era fator.

      Pera aí, gays não gostam de tiros, porrada e explosões? Por quê?

      Mais uma vez: a existência de um movimento é importante, mas quem garante que a abordagem escolhida (pois não é a única) por vocês seja a melhor?
      A melhor ferramenta é aquela que funciona. E discurso por discurso, o meu e o de vocês estão em pé de igualdade…

      Infelizmente, tudo que envolve assuntos sobre minorias é tabu. Ai de alguém que proponha algo diferente do pensamento “mainstream”…

      1. Ivan Mussa

        Mas se um heterossexual joga DA e escolhe um personagem feminino como par romântico e um homossexual escolhe um homem, como raios a preferência sexual do jogador não interferiu no enredo? Continuo sem entender. hue

        Sobre a questão da violência: você me compreendeu errado. Não disse que esses temas não agradam gays. O que mais tem é gay que joga Halo e CoD (blergh). O que quis dizer é que jogos, por serem simulações espaciais e por estarem inseridos numa cultura midiática pesadamente heteronormativa tendem a ser festivais de carnificina.

        E por isso acho que a inciativa é bem-vinda. Não porque eu ou você escolhemos essa abordagem. Mas porque ela explora maneiras de expressar ideias através de jogos que não são só corpos mutilados voando em todas as direções. É mais um espaço para uma minoria se expressar e, de brinde, ainda é uma experiência com as capacidades expressivas dos videogames. Dis4a é um pequeno exemplo: http://www.newgrounds.com/portal/view/591565

        Isso não é forçar sexualidade onde não está. Não é colocar uma cota de temas (homos)sexuais em todos os jogos que existem, mas sim criar um novo nicho de expressão através de jogos. Relaxe, as power fantasies e os FPSs genéricos que tanto amamos sempre vão existir, só vão ter mais amiguinhos com os quais conviver.

        1. Gustavo Audi

          Virou narratologista agora?! He he. Como narrativa do jogo, nada muda em função da escolha do parceiro sexual. Como narrativa dramática, obviamente teremos outro enredo. Quando eu digo que não interfere, refiro-me ao jogo em sua essência…

          Então, responda a seguinte pergunta: abrir a temática dos jogos, incluindo qualquer preferência sexual, de forma natural e fluida, ou seja, sem querer impor ou impactar radicalmente (o tipo “é isso mesmo e dane-se!”) pode ser UMA estratégia de inclusão?

  3. Don Vittor

    Por ser hétero acabo perdendo na legitimidade argumentativa, porém concordo com a visão do Audi, pois, embora eu não possa construir algo sobre as questões mais específicas em games, podemos pegas exemplos de filme e literatura.

    Personagens gays por serem gays são naturalmente gays.. Por exemplo, peguem a personagem Lisbeth Salander da trilogia Millenium. Ela é maravilhosa, muito bem construída e não é utilizada apenas como uma inserção forçada. Outro exemplo: Operação Skyfall. É a primeira vez que alguém insinua sobre outras opções sexuais de James Bond, além é claro, da importância do personagem de Javier Barden.

    Eu, Vítor, prefiro incluir personagens gays de maneira natural na história. Afinal, quem hoje em dia não tem amigos ou parentes gays?

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