Game of Thrones e a Frustração do Fim

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23/05/2019

Frustrado. É como me sinto após o último episódio de Game of Thrones. Esperei alguns dias para, então, sentar e refletir sobre o assunto. Assisti a resenhas, ouvi comentários e li artigos. Tudo na tentativa de entender os fatos e melhor interpretar o que se passou – e não ser simplesmente um fã revoltado por não ter suas expectativas respeitadas. Mas esta frustração não é de toda negativa; envolve negação, discordância e, claro, crítica. A negação é natural quando algo que gostamos chega ao fim. A discordância vem das decisões das personagens, e em nada teria a ver com as escolhas de roteiro. E, finalmente, a crítica existe devido a forma como a produção do show encaminhou seu desfecho.

Não pode acabar!

Cada epílogo de O Retorno do Rei serviu como uma faca em meu coração. Era a concretização do fim de uma saga, a despedida de amigos que não veríamos mais. Embora a trilogia Senhor dos Anéis tenha sido fantástica, seu término deixou um gosto amargo, pois representou a perda de um ente querido. É natural nos sentirmos assim em despedidas. O mesmo (ou próximo) ocorreu com Game of Thrones.

Como muitos estão se sentindo…

Por isto, muito das revoltas online sobre o fim da série é consequência deste sentimento de perda, de que não pode acabar. As pessoas não sabem lidar com fechamentos e são levadas pelo vazio em suas análises e interpretações – em alguns momentos, as colocações são até injustas. O desejo de muitos (e me incluo aí) é que a série nunca terminasse, pois ela foi responsável por vários bons momentos. Contudo, o que temos de ter em mente é a sensação que o entretenimento nos traz. E isto não é exclusividade de apenas um programa de TV. O vácuo deixado por GoT será preenchido rapidamente. Não precisamos ter medo…

Discordo, mas aceito

A vida é cheia de más decisões. E nossas queridas personagens não estão livres disto – como bem comprova as atitudes de Ned Stark que o levaram a perder a cabeça. Experimentem assistir à primeira temporada novamente… A quantidade de vacilos que ele comete é desesperador.

Jon matar Daenerys não foi uma má decisão, visto que a projeção do que ela faria era bem pior. Mas talvez tenha sido precipitado. Onde estão o diálogo, o drama, as tentativas de convencimento? Bastou uma conversa e a sentença foi dada.

Embora eu e Yuval Noah Harari concordemos que histórias unem pessoas, não acredito que Bran deveria ter sido escolhido como o próximo monarca. Há outros tão ou mais capacitados para governar. Objetividade é uma coisa boa, mas me pergunto se a falta de empatia do Corvo de Três Olhos não será um problema…

Poderia seguir longamente com outras atitudes das personagens que discordo totalmente, como as de Bronn, Jaime, Varys, Daenerys, no entanto, percebo claramente uma motivação para tais ações, que, infelizmente, é externa ao universo de Game of Thrones.

Pra que essa pressa toda?!

É inegável que após a quinta temporada, a série passou a trilhar um caminho próprio. A princípio, não era ruim, apenas diferente da fonte que direcionou os eventos até então. No entanto, as decisões de roteiro começaram a ficar questionáveis.

A minha hipótese é que, ao deixar de se basearem em uma história pronta, imutável aos objetivos dos empresários e anseios do público, os showrunners inverteram a relação de dominância. Se, antes, o roteiro era refém da história, com o fim dos livros e independência criativa, a história ficou submissa ao roteiro.

Com esta explicação é possível entender muitas das ações das personagens e decisões dos autores. Claramente, a história passou a ser afetada pelo mundo externo. Por algum motivo que desconheço (independência, grana, tempo), era preciso finalizar a série e a HBO tinha uma única temporada para isso.

Meme-resumo

O fator pressa é crucial aqui, pois justifica praticamente todos os eventos da oitava temporada questionados pelos fãs. Aristóteles define a tragédia como a imitação de uma ação acabada e inteira; inteiro é o que tem começo, meio e fim; e fim é aquilo que vem depois de alguma coisa e após o que não há mais nada. As fábulas (enquanto conjunto de ações) não devem começar nem terminar num ponto ao acaso. Muitas estruturas de roteiros bebem deste esquema narrativo – até os mitos possuem uma divisão neste sentido. Para poupar tempo, David Benioff e D. B. Weiss comeram o meio – início e fim dos “micro arcos” estão lá; o que não está é o segundo ato, o desenvolvimento narrativo necessário para justificar o desfecho escolhido.

Não questiono a loucura de Daenerys, é uma escolha narrativa válida (gostem ou não). Infelizmente, não há indícios desta característica ao longo da série. O que há são decisões cruéis (e justificadas), precipitadas ou erradas, mas que condizem com uma pessoa não preparada para ser rainha ou extremamente revoltada. Afirmar que matar os senhores de escravos ou queimar os Tarly são pistas da mudança de personalidade é improcedente. Por sua vez, o genocídio ocorrido em Porto Real poderia representar a loucura, pois a morte de dois entes queridos (Missandei e Rhaegal) realmente abalaram a moça. No entanto, como foi construído, parece muito mais um rompante de raiva do que um sintoma. Ou seja, a permanência de Dany em uma escalada genocida é muito mais fruto de sua má interpretação dos fatos do que insanidade ou tirania – ela realmente acreditava estar fazendo o melhor.

Com mais tempo de tela, Jon Snow teria conversado apropriadamente com a “amada” (entre aspas mesmo, pois a falta de tempo também impediu que este suposto amor ficasse evidente para os espectadores – sou mais a Ygritte…), e teria dado o tempo necessário, e justo, para que ela percebesse que havia se desviado do caminho originalmente proposto por ela própria.

Daenerys, em função da evolução do caráter construído ao longo de sete temporadas, deveria ter um final meticuloso, não cuspido. Com um pouco mais de tempo, o desfecho naturalmente seria épico – e não uma adaga no peito depois de uma conversa de dois minutos.

Pode parecer, mas este não é um lamento de fã sobre o que deveria ter ocorrido para ficar feliz. Visivelmente, recursos de roteiro foram usados para interferir na trama. E isto destaca, negativamente, a artificialidade da obra, pois tira a independência biográfica das personagens. Como o próprio George R. R. Martin já afirmou:

“Eu penso que existem dois tipos de escritores, os arquitetos e os jardineiros. Os arquitetos planejam tudo antes do tempo, como um arquiteto constrói uma casa. (…) Já os jardineiros cavam um buraco, jogam uma semente e regam. Eles meio que sabem que tipo de semente é; eles sabem se plantaram uma semente de fantasia ou uma semente de mistério ou o que quer que seja. Mas conforme eles regam e a planta cresce, eles não sabem quantos ramos ela terá, eles descobrem isso conforme ela cresce. Eu sou muito mais um jardineiro do que um arquiteto.”

Desse modo, Game of Thrones foi originalmente concebido, tanto nos livros quanto na TV, como um jardim, cujo crescimento era autônomo. Ao restringir o tempo de desenvolvimento do enredo, os showrunners praticamente pisaram no gramado, podaram ramos e derrubaram árvores. Continua sendo um jardim, mas sua independência narrativa desapareceu. Desta forma, os eventos, com suas justificativas, não convencem.

Mais uma vez, não é o caso de discordar da atitude do Jon, mas perceber que ela foi pautada por “motivação extradiegética”. Ora, Daenerys não sairia naquele minuto para atacar outros reinos, ainda levaria um tempo para recuperar e organizar suas tropas. Neste ínterim, as pessoas ao redor poderiam fazer de tudo para convencê-la, trazê-la de volta à luz da razão, ou, até mesmo, executá-la – e, pasmem, sem comprometer o legítimo herdeiro do trono (fato totalmente subutilizado pela produção). Era melhor dar saltos no tempo, e não mostrar o desenvolvimento das ações, do que simplesmente ignorar a complexidade dos eventos e representa-los como sequência de atos ordinários. Neste caso, comer o segundo ato (o meio) não significou excluí-lo, mas murchá-lo até perder praticamente toda a relevância.

A argumentação de uma escalada temporal de tentativas de convencimento, que possui sentido narrativo, não foi levada em consideração, pois necessitaria de mais tempo para florescer. Aparentemente, por uma questão de tempo, é melhor adaptar tais “detalhes” e pular diretamente para o terceiro ato: a morte da tirana. Portanto, a justificativa do evento não se encontra no mundo ficcional, e sim, na mente dos criadores.

Provavelmente, no caso da coroação, primeiro escolheram o Bran para ser Rei e, a partir daí, pensaram na justificativa narrativa da escolha – foi uma definição invertida: a consequência em si determinou as causas, e não o contrário. E parece que muitas decisões seguiram esta linha de pensamento. O que justifica, por exemplo, a rápida aceitação do Verme Cinzento em relação à nomeação de Bran? Se ele estava revoltado com a morte de sua rainha, e querendo executar todos os traidores, como deixou para lá tão rápido e acatou a decisão de um conselho – que ele, a princípio, não reconhecia?

Afinal, o último episódio de Game of Thrones foi bom?

Um jardim cheio de ramificações foi cultivado desde a primeira temporada. E majoritariamente ignorado na última. A conclusão a que chego é que a oitava temporada foi, de fato, composta por soluções válidas, mas muito mal executadas. De forma nenhuma, isto me fará desgostar da série; o processo continua brilhante – e, talvez por valorizar bastante o percurso, a falta de desenvolvimento da última temporada (e da sétima também, em menor grau…) fez com que ficasse um pouco decepcionado.

O sonho, impossível eu sei, é de que, no futuro, a HBO lance um blu-ray com as cenas deletadas da última temporada – com, pelo menos, umas 10 horas de material inédito, responsável por detalhar todos os grandes desfechos da série que ficaram de fora…

E se você me perguntar o que eu achei, como fã, deste último episódio, responderei com um imenso e sólido:

Não sei.

Gustavo Audi

Se fosse uma entrevista de emprego, diria: inteligente, esforçado e cujo maior defeito é cobrar demais de si mesmo... Como não é, digo apenas que sou apaixonado por jogos, histórias e cultura nerd.

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