Diálogos sobre erotismo, censura e representação em Christine, de Rafael Sanzio

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“Sonho e realidade se misturam quando as mais diversas fantasias a captam em sua forma mais feminina e militante: calada e sem roupa.” Foi com essa frase problemática que conheci Christine e desenvolvi uma grande birra pela personagem e por seu criador. Como professora graduada em Letras e pesquisadora dentro de uma linha de pesquisa em Comunicação, entendo que uma obra não é desprendida de um contexto, ainda que seu autor não tenha alguma intenção específica além de expressar suas emoções.

Freud uma vez disse que às vezes um charuto é apenas um charuto, se referindo ao fato de que nem sempre há algo mais em uma expressão que uma simples manifestação catártica e muitas vezes, nossas interpretações acerca de uma obra vão muito além do que seu autor poderia conceber.

O que aconteceu entre Christine e eu foi mais ou menos isso: concluí que ela pode ser apenas um charuto. Porém, para ter certeza do que se passa com uma HQ que é erótica, surrealista e tem traços de terror, tive que conversar com Rafael Sanzio, o artista responsável pela obra que deve ser lida como um mangá japonês, cuja personagem principal é argentina, tem avós poloneses e sofre de um transtorno psiquiátrico não especificado.

Mas esse texto não é exatamente sobre a HQ, já que ela ainda está no começo, com apenas 3 episódios disponíveis para leitura no Social Comics. Esse é um texto sobre tolerância e descobertas. Tolerância porque acometida pela raiva que senti ao ler as frases que Rafael usa para divulgar a personagem, jamais imaginaria que conseguiria manter um diálogo com alguém tão diferente de mim. Rafael é uma pessoa extremamente educada e com um grande repertório que foi capaz de me desarmar  nas vezes que tentei ser mais incisiva em meus argumentos. É difícil manter a agressividade diante de alguém que se mostra acessível e disposto a dialogar. Mais ainda, disposto a conversar sobre essas diferenças em nossos discursos.

Quanto às descobertas, essas se referem ao fato de que Rafael, embora admita gostar de provocar algumas feministas, não ter criado sua personagem com alguma intenção além de registrar as aventuras e desventuras de uma mulher que frequenta sua imaginação desde a adolescência, quando “Kristine” surgiu como uma espécie de Mary Jane Watson, uma coadjuvante de uma HQ de super-herói que ele escrevia nessa época.

De qualquer forma, a HQ não me agrada por uma série de motivos que talvez não venham ao caso e nada têm a ver com feminismo. Me entendo como leitora muito antes de me aceitar como feminista e o que espero ao ler uma HQ é entretenimento. No entanto, sem uma identificação com algum aspecto da narrativa, é muito difícil criar uma ligação afetiva com ela e isso não aconteceu entre Christine e eu. Não há nada na história que tenha me proporcionado prazer ao ler, principalmente na parte bizarra com um médico sádico que costura os olhos e a boca de uma paciente. Embora eu goste de narrativas oníricas como Sandman, o fato de não saber exatamente se Christine está sonhando ou se está em algum tipo de surto me incomoda. Mas como eu disse, essa análise é pessoal.

Do ponto de vista da crítica impressionista, defendida por escritores como Virgínia Woolf, o valor de uma obra reside nas impressões subjetivas que seu leitor faz dela. Nesse sentido, acredito que todas as expressões artísticas têm seu público e o fato de eu não fazer parte dele, não define se ela é boa ou ruim.

O mais importante em relação ao diálogo que foi estabelecido a partir da HQ é termos concluído que, apesar de estar inserida em um contexto, nem toda obra tem um objetivo além do que está na superfície. Nem toda obra tem uma mensagem a ser passada. Rafael e sua personagem certamente não estão preocupados com isso. Por isso, qualquer leitura no sentido de tentar identificar um discurso misógino ou sexista, fica a cargo mesmo de quem lê e atribui à história elementos que não necessariamente estão presentes.

Um artista pode ou não se preocupar com essas questões que estão tão em voga, como representatividade. O mercado certamente se preocupa, mas se você publica algo de forma independente, seu posicionamento não está sujeito às imposições desse mercado. Em relação a isso, concordamos que o artista é livre para se expressar da forma como lhe convier, mesmo sabendo que nosso contexto, digitalmente mediado, não é o mesmo de 20 anos atrás. Sobre isso, eu já havia falado em outros textos, quando expliquei que ter responsabilidade por seu discurso é muito diferente de ser censurado por ele.

Censura implica em ser previamente proibido de se manifestar a respeito de algo sob pena de sofrer alguma punição caso o faça. Ou seja, da mesma forma que um artista exerce sua liberdade de expressão ao divulgar seu trabalho, qualquer consumidor, leitor, apreciador, irá se valer do mesmo direito para expressar sua reação diante de qualquer obra. Não gostando de um trabalho, seja pelos motivos que for, eu irei me manifestar a respeito. Se grupos resolvem boicotar um artista, estes se valem do mesmo direito desse artista de se expressar sem se preocupar se seu trabalho ofende alguém e estas atitudes estão no cerne do conceito de liberdade de expressão mais amplamente difundido no ocidente.

Os motivos pelos quais Christine não me cativou certamente são subjetivos e para saber se ela vale ou não a pena, os leitores terão mesmo que conhecê-la e decidir, pois qualquer coisa que eu possa falar parte de uma bagagem pessoal que é diferente da sua. Quem curte pitadas sadomasoquistas, terror gore ou histórias sem uma narrativa tradicional, talvez se identifique com ela.
Mas ninguém melhor que o criador para falar de sua criatura:

1- Quem é Christine?

Christine Maciejewski é uma moça de vinte e nove anos natural de Buenos Aires, Argentina, cidade onde reside atualmente. Seus avós eram poloneses que saíram da Europa durante a Segunda Guerra, passaram pelo Brasil e fixaram residência na Argentina. Christine fala alguma coisa de polonês e russo, mas muito pouco e tudo mal. Vegana, militou pelos direitos dos animais durante anos, até que um dia os vegetarianos a estressaram demais, os problemas emocionais se agravaram e ela teve de se isolar em casa por meses. Ela sofre de um grave problema de desordem emocional, ainda não especificado e que será desenvolvido ao longo da série. É fotógrafa freelancer, e faz isso mais por sobrevivência que por amor. Lê Nabokov e Cortázar. Adora Deep Purple. É canhota. Tem asma. Personalidade do tipo cabeça-dura, só faz o que quer, quando quer. Tem planos de um dia mudar para a Espanha ou Portugal.

2 – Por que a HQ é desenvolvida em estilo mangá?

A influência dos quadrinhos japoneses no meu trabalho é profunda e vem de muito tempo. Comecei na adolescência com os mangás originais de Dragon Ball e Bastard!!, passando pelo épico Berserk, os gekigás (ou seinen) Golgo 13, Vagabond e Crying Freeman, os shoujo Fushigi Yugi e Peach Girl, até chegar, já na fase adulta, à obra de Suehiro Maruo, que uso como um verdadeiro manual. Esse catálogo de leituras cultivado durante muitos anos formou na minha cabeça uma espécie de caldeirão estético, uma grande fonte mágica na qual bebo e onde eventualmente cometo alguns roubos. Os caracteres japoneses, a meu ver, são indissociáveis da “estética do mangá”. E aí entra tudo: as onomatopeias, os títulos, as chamadas, a disposição dos quadros e páginas da direita para a esquerda, o formato dos balões, enfim, tudo. Mas Christine também tem toques de quadrinho erótico europeu (Guido Crepax e sua Valentina à frente) e seu formato de página é o mesmo da Marvel Comics, pelo qual sou apaixonado. Eu diria que Christine é um híbrido de banda desenhada com gekigá (variação adulta do quadrinho japonês), publicada em formato americano.

3 – Particularmente, me confundi um pouco com a quantidade de informações na HQ: ela é erótica, é surrealista, mas tem elementos de terror, referências musicais, literárias e filosóficas e tudo parece um pouco desconexo. Por que usar tantos elementos em um único trabalho? Consegue citar outras referências que sigam essa mesma linha? (Não vale Sandman! rs). Um leitor típico de hq erótica talvez não espere tantas informações em uma obra.

Christine é a primeira HQ que eu escrevi, desenhei e publiquei depois de um longo ensaio que se arrastou por muitos anos. Talvez eu tenha cometido alguns dos excessos típicos de um pai de primeira viagem. Ou talvez essa seja a característica da obra em sua fase inicial: uma sucessão de episódios curtos aparentemente sem compromisso com um enredo específico e coerente, como se fossem expressões de sonhos e pesadelos. Há mais quatro histórias em fase de produção que seguem essa linha (não tão óbvia) e que ajudarão a amarrar algumas pontas e sedimentar ainda mais as características principais da personagem. Os primeiros passos já foram publicados, o que resolve boa parte da ansiedade em mostrar minha cria ao mundo. Uma referência fortíssima que segue essa mesma linha de experimentação é a primeira fase da obra de Suehiro Maruo. Lá, não faltam recados para o leitor menos ingênuo, com títulos como “Uma temporada no Inferno” (Rimbaud) e “O grande masturbador” (Dalí). Claro, não estou querendo dizer com isso “oh, como sou complexo, pareço Heidegger”. Não! Quero dizer que, antes de mais nada, eu me divirto muito durante o processo de feitura da HQ. São noites e noites trabalhando sozinho madrugada adentro, com a perspectiva de ganhar alguns trocados em direitos autorais; que mais eu poderia almejar senão me divertir? As músicas que aparecem na HQ são as que eu ouço enquanto desenho ou arte finalizo. Imagens e sons vão surgindo, rondando minha cabeça, e pelo perfil experimental do trabalho, eu estico o braço até a caixa mágica e jogo essas referências na obra. Gosto muito de estudar línguas, então há sempre alguma citação em grego, polonês, francês, russo. Os títulos e onomatopeias são em japonês. Nunca imaginei a Christine como uma HQ tipicamente erótica. Eu diria que é uma HQ experimental onde o sexo eventualmente aparece. O teor das imagens é sempre dado pela história, pelas personagens. As palavras também podem ser bastante eróticas, pornográficas, até. O leitor típico que se sentir perdido pode sempre optar por outras obras, como por exemplo, as da Giovanna Casotto, muito mais competente que eu nesse quesito.

4 – Christine tem alguma mensagem a passar? Qual seria?

Não faço a menor ideia. Talvez tenhamos uma resposta daqui a uns anos, quando mais material da personagem estiver publicado. Se alguém descobrir, eu vou adorar saber.

5- Por que insiste em dizer que ela não representa, mas se apresenta? Impressão que passa em seu discurso é que a necessidade de representação é uma característica de mulheres fracas, comuns,  o que ignoraria décadas de estudos sociais a respeito da importância da representatividade nas produções culturais. O que sabe sobre o assunto e qual seu posicionamento a respeito?

Christine “se apresenta” porque sua identidade de mulher não vem de fora, mas de si mesma, de seu próprio peito, digamos. É uma mulher comum, não tem cabeça de militante. Uma mulher assim, comum, se apresenta. Não precisa de representação pra saber quem é. Não precisa copiar ninguém. Sua “roupa” de mulher não é dada, ou imposta, por um movimento social. Feministas em geral buscam a representação, ou seja, uma imagem externa de mulher, mas bem específica. Uma espécie de “uniforme oficial de mulher” que, claro, seria a mulher feminista. A Apresentação é o orgulho pessoal. Quando não há orgulho próprio ou este vem de fora, há a Representação, uma identidade imposta, embora as feministas (e pessoas que se deixam levar por identidades dadas por movimentos sociais) pensem que é uma identidade escolhida por elas. Precisam de representações e representantes, separam o mundo entre o que representa ou deixa de representar a mulher. Não raro, partem para a patrulha ideológica, querem autorizar e desautorizar modelos. Seu orgulho vem de fora, é o orgulho dado pelo modelo — o caso da primeira-dama Marcela Temer é emblemático, a mulher “bela, recatada e do lar” é o modelo a ser negado! Christine não está nem aí pra Marcela Temer. Menos ainda pro shortinho da Arlequina ou pro decote da Poderosa. Por ter orgulho próprio, apresenta-se como mulher, simplesmente. Não diz “fulana não me representa”. Não está nem aí para a tal da Representação. E como personagem, não está posta pra “representar”. Nem tudo é posto como representação de gênero, nem tudo é pregação ideológica, nem toda personagem feminina tem obrigação de vestir roupa “autorizada” pelo feminismo. Claro, existem milhares de estudos e análises aprofundadas sobre o tema, e é ótimo que esteja em permanente evidência e discussão. Meu conhecimento é o de um leigo culto em filosofia como crítica da cultura. Amanhã ou depois eu posso aprender algo novo e deslocar meu posicionamento, mudar de ideia. Mais importante que TER RAZÃO, ao menos nesse caso, é darmos início a uma discussão e, a dois ou em grupo, tirar daí algo novo, quem sabe uma verdade que possa ser compartilhada por todos, um novo passo, uma nova ideia, uma evolução, por pequena que seja. Se começamos com posições muito demarcadas, dificilmente vamos dar ouvidos a quem pensa diferente. Isso não quer dizer que não possamos defender ferrenhamente nossos posicionamentos, inclusive com discussões calorosas. Quer dizer que, se as pessoas entram em uma leitura / discussão apenas para reafirmar o que já pensam, bem, muito provavelmente vão dar voltas e voltas, como motoqueiros do globo da morte, e terminar no mesmo lugar de onde partiram.

6- Conheci seu trabalho depois de outra frase polêmica que dizia que Christine se apresentava em sua forma mais militante e feminina: nua e calada. Além dos problemas óbvios que a frase causaria em relação às feministas, por que militante? Ela milita a favor do que exatamente? Porque ao longo dos 3 capítulos, não há nada que indique que ela esteja preocupada com alguma causa, nem mesmo em relação ao prazer, já que ela se submete a um relacionamento abusivo com um psiquiatra maluco. Agora, quer dizer que a forma mais feminina de uma mulher é nua e calada? Percebe o quão clichê esse pensamento é? Além de ser um pensamento machista e extremamente recorrente, denuncia contra o seu trabalho que se pretende original.

“Sonho e realidade se misturam quando as mais diversas fantasias a captam em sua forma mais feminina e militante: calada e sem roupa.” Sim, a frase foi pensada pra alfinetar as feministas, já que 90% das mulheres nos quadrinhos parece seguir essa linha ideológica — muitas por questões práticas e objetivas, como igualdade de direitos e oportunidades entre mulheres e homens, e muitas outras que parecem colocar os problemas objetivos que se quer resolver de lado em função de campanhas rançosas e misândricas do tipo “Jihad de gênero”, as feminazis. O adjetivo militante está dentro desse contexto e não deve ser tomado de forma literal. Alfineto a um só tempo uma certa “militância de silenciamento da discordância” e a questão da objetificação, que tanto enfurece as feministas, ao menos as inexperientes como mulheres. Se Christine é uma mulher que se Apresenta, bem, então sua forma mais feminina deve ser mesmo calada e sem roupa, se ela assim quiser. O sexo como elemento da mulher, usado como e quando ela quiser. Não é uma conquista do movimento feminista? Se “lugar de mulher é onde ela quer”, então Christine está usufruindo do feminismo, pois ela escolheu o lugar dela. Podemos fazer essas perguntas à personagem, dentro da obra. Mas para isso é preciso chegar na HQ sem um “kit jargão” embaixo do braço, sem querer enfiar no texto o que já se tem pronto na cabeça. A leitora militante não escapa dessa armadilha. “Relacionamento abusivo”, “pensamento machista” — perceba o pacote pronto com o qual tu chega na obra. Pensei a frase como uma maneira de dizer, “bem, vamos dar uma movimentada nesse negócio? Quem sabe não tiramos daí uma discussão interessante?” Venho de uma escola antiga, mas não velha. Há uma espécie de bom mocismo hipócrita nas redes hoje em dia, especialmente nas relações entre artistas, que me irrita um pouco. A obviedade me irrita. Não consigo imaginar nada mais chato que um quadrinho “feminista”. Não existe nada mais chato que uma feminista hoje em dia. Quem tem coragem de dizer isso em público?

 

7- Acompanha os estudos sobre produção cultural na era digital? Entende que nossos posicionamentos não possuem o mesmo alcance que tinham há 20 anos e que no atual contexto, não podemos mais dizer “é só uma frase”?

Como eu disse, minhas leituras são as de um leigo em filosofia interessado em crítica da cultura. Não sou acadêmico, confesso que não tenho muita paciência para a linguagem técnica do pesquisador. Entendo que as sensibilidades mudam; que uma piada sobre homoerotismo que passava batido em 1980 tem outra recepção hoje, em 2017. Que mudamos nossa sensibilidade em relação à violência contra a mulher (embora haja muito por fazer e melhorar), em relação ao consumo de carne e ao lugar dos animais, em especial o cão, dentro do nosso círculo familiar. Sim, entendo. Eu não diria que é apenas uma frase, mas aconselharia a não tomá-la por mais do que ela é: um chiste. Algo dogmático, posto ali pra gerar uma discussão. Claro que foi feito pra chamar a atenção. Se eu não quisesse chamar a atenção sobre o meu trabalho, me contentaria em ficar recluso em um escritório ou em um banco. Só não chamei atenção pela atenção. Chamei atenção pra uma discussão, pra sairmos do marasmo da não-conversa, do não-pensamento. Parece que deu certo.

8- Acredita que o feminismo atrapalhe seu trabalho de alguma forma? Como?

Há um feminismo que praticamente inventou a mulher. A mulher como sujeito de direito, não mais o ser de genitália específica destinado à procriação, mas a mulher engajada em uma vida de mulher, diferente do homem, coexistindo com o homem. A mulher que, ao reivindicar direitos iguais, aparece como mulher, ou seja, diferente. Mulher tornada mulher, não necessariamente nascida mulher, lembrando a frase de Simone de Beauvoir. Embora não se identifique como feminista, ou ao menos não queira de modo algum se identificar com as militantes, Christine endossa muito da justeza do feminismo, e podemos dizer até que ela existe por conta da descrição da mulher feita pelo feminismo a partir do final do século XIX. Eu a criei em 1997. Quanto caminho já não havia sido trilhado! Agora, a tua pergunta, imagino, se refere ao feminismo presente nos quadrinhos atuais. Nunca me senti impedido de me expressar e nunca impus a mim mesmo qualquer tipo de autocensura por conta de atitudes policialescas, moralistóides e autoritárias de certa parcela da militância. Muito pelo contrário, ajo como uma espécie de duende maléfico, ou como um menino que insiste em fazer bagunça no recreio. Sem cair no simplismo de ser do contra porque sim, mas sempre visando gerar uma discussão, uma investigação. Embora defenda a conversa, tenho grandes ressalvas a turminhas, agremiações, panelas, coisas do tipo. Quando um grupo de fracos se une para formar um feixe, uma unidade forte, sabemos no que dá. A única “hostilidade” que percebi foi uma certa cultura do gelo, do silêncio, da não-crítica. Certa vez apareceu uma menina lá na página pra questionar a frase, mas ela parecia mais preocupada em me mostrar o quão empoderada,  avassaladora, selvagem e fatal ela era diante de um “hômi” do que dar início a algo parecido com uma crítica. Finalmente encontrei uma mulher inteligente disposta a conversar e cá estamos. Não vamos a lugar algum isolando a discordância. “Hold me, darlin’, come on, listen to me. I won’t do you no harm.”

9 – Quais são as principais referências encontradas na HQ?

O cinema de Luis Buñuel está presente em todos os aspectos, especialmente os filmes “Um cão andaluz” (1928) e “L’Âge d’Or” (1930). Há referências ao filme “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick, e algumas obras presentes no filme, como quadros e esculturas. Há colagens de Salvador Dalí, Magritte, Duchamp; fotos de Buenos Aires, fotos de Varsóvia destruída na Segunda Guerra… Músicas de Wagner, Chopin. Canções dos Beatles. Muitas. O suficiente pra me dar dores de cabeça futuramente, envolvendo direitos autorais. São a trilha sonora da minha vida, da vida da Christine. Amo os Beatles. Pretendo em breve colocar mais algumas ideias sobre veganismo na HQ (já tem alguma coisa na 3ª edição). Sem didatismo ou panfletagem, pra que não fique uma coisa chata. E dentro e fora do meu trabalho há sempre muito da filosofia como desbanalização do banal e crítica da cultura, a partir dos artigos e livros do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.. Paulo e sua esposa, a também filósofa Francielle, fazem uma participação especial na HQ “O aniversário da solidão”, juntamente com o filho canino do casal, o Pitoko Golden, expondo ideias já discutidas no talk show “Hora da Coruja”, apresentado por eles. Não são apenas uma grande influência, mas me dão a honra de chamá-los de amigos. Essas referências filosóficas me fazem lembrar de alguns filmes de Woody Allen, cineasta que eu simplesmente amo. Gosto que elas apareçam quase que naturalmente.

10 – Por que devemos ler Christine? Quem é o público a quem se destina?

Não diria um porquê no sentido de dever, prefiro fazer um convite. Quem quiser ter contato com uma obra independente, quem tiver interesse nas obras de Sade, Bataille, Buñuel, Pasolini, Maruo, e tantas outras manifestações do pensamento livre, está convidado a ler. Deixe a caixinha do lado de fora e entre na obra com a mente aberta. Deixe que a Christine fale por si.

 

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RAFAEL SANZIO nasceu em 1984 na cidade de Gravataí, Rio Grande do Sul. Quando não está escrevendo ou desenhando, compõe os arranjos de base para o seu trabalho musical utilizando o software EZKeys da ToonTrack™, por preguiça de gravar o violão.

 

Social Comics:

https://www.socialcomics.com.br/christine/1

 

Christine – Um sonho dentro de um sonho (blog)

https://christinerafaelsanzio.wordpress.com/

 

 

 

 

 

 

 

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

Este post tem 2 comentários

  1. Ton Gomes

    Gosto muito de ler a HQ, as referencias são bem legais, mas o que me atrai é a psicodelia em tentar desvendar se está realmente acontecendo as coisas com ela ou se é um mero devaneio.

  2. Kelson JS

    O trabalho do Rafael é refinadíssimo e sem dúvida merece reconhecimento, são poucos trabalhos que vejo por aí com essa qualidade. A entrevistadora é muito boa e mostrou que tem potêncial analítico, apesar de ser do tipo que tem coragem de iniciar frase com pronome oblíquo átono, mas que se espanta com o “relacionamento abusivo” no qual a personagem “se submete”. No fim, a esperneada que ela dá só confirma o valor do trabalho embora o autor não esteja preocupado com isso. Parabéns a todos!

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