Como lidar com bloqueio artístico – Literatura

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Se você gosta de escrever ou pretende escrever, sabe que todo autor, seja de blog, de livros, de textos acadêmicos, sempre enfrenta aquele tão temido momento em que fica diante da folha e nada vêm à sua mente, o tal do bloqueio artístico (writer’s block). Às vezes, você tem uma boa ideia, porém, não consegue colocá-la no papel.

Bom, vou compartilhar com vocês algumas dicas que aprendi frequentando oficinas literárias e que me ajudaram não só a superar os bloqueios, como a ganhar alguns prêmios literários por contos e crônicas, além de ter sido publicada em antologias resultantes de concursos.

Vamos lá?

Procure frequentar cursos e oficinas sempre que possível.

Busque escrever sobre temas com os quais esteja familiarizado, do contrário, será muito difícil conseguir tocar seu leitor

Adquira repertório: leia livros, assista a séries, anote frases e passagens interessantes de filmes e conversas que ouve ao longo do dia e tenha o hábito de anotá-las. TUDO É REFERÊNCIA, INFLUÊNCIA, INSPIRAÇÃO.

Mantenha um caderno e uma caneta ao lado da cama. Muitas resoluções e ideias surgem enquanto sonhamos e é mais provável que se lembre delas assim que acordar.

Mantenha um banco de informações, imagens, frases e citações. Não descarte nada.

Revise o seu texto algumas vezes, guarde-o e releia alguns dias depois. Isso o ajudará a ter melhor perspectiva sobre sua escrita.

Tenha amigos que possam ser seus “leitores beta”, aqueles que você sabe que serão sinceros caso seu texto não esteja bom.

Tenha em mente que é impossível agradar a todos os públicos, por isso, saiba para quem está escrevendo. Uma boa dica é escrever algo que você gostaria de ler.

Desenvolva um método de criação, tente se manter fiel a seu estilo.

10º Procure escrever um pouco todos os dias, nem que seja em um diário, pois como muitos dizem, para ser escritor é preciso 10% de inspiração e 90% de transpiração.

Alguns exercícios ajudam bastante: coloque em uma lata ou pote uma série de pequenos papéis com palavras variadas, sem conexão entre si. Sorteie 10 e tente escrever um conto usando as 10 palavras que tirou. No fim do texto, vou deixar um em que as palavras sorteadas foram: penumbra, jibóia, papo-de-anjo, destilar, contrassenso, álibi, sacrilégio e Afeganistão.

Outra opção é partir de um trecho de uma música ou uma frase de um livro como introdução. Certa vez a professora da oficina sugeriu que começássemos nossas histórias com uma frase de uma música da Jovem-Guarda 52405388-368-k76285e outra, com um trecho de um conto do Milton Hatoun.

Entre os Iluminerds temos vários escritores, como o Audi, o Kleber, o Vitto e a Paola. A Paola é a que tem mais livros lançados. Conversando com eles e outros colegas, também sugeriram que o stress pode ser um fator que compromete a sua escrita, por isso, tentar não pensar muito sobre o assunto e viajar são boas ideias.

“Quando acontece esse período de recessão, geralmente, busco uma série nova para ver. Ou algum filme bem diferente, algo para renovar o ar, sabe? Além disso, fico construindo os diálogos sem o acabamento dos textos, pois  quando estou nesta “seca” o meu lado roteirista parece estar mais aflorado, então caio dentro do diálogo. ” (Vitto Graziano)

A nossa Iluminerd Paola Giometti também atribui ao excesso de trabalho e cansaço o bloqueio criativo. Por isso, procura seguir alguns passos no intuito de resolver o problema: “Ouvir músicas, ler livros cujos temas se relacionam com que está escrevendo e tentar focar na jornada do herói, são recursos que costumam funcionar“, segundo a autora.

Daniel R. Salgado, criador de um universo mágico, está escrevendo o terceiro livro de sua antologia sobre a saga do guerreiro Kael em os Contos de Árian. Também participou de oficinas literárias que o ajudaram a lidar com seus bloqueios criativos. De acordo com o escritor, as oficinas o ajudaram a ter outra perspectiva sobre seus textos e o colocou em contato com outras narrativas por meio da troca de experiência com os outros participantes.

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Para conhecer um pouco mais sobre os trabalhos desses autores, acessem os links abaixo. Em seguida, um dos meus textos que ganhou menção honrosa em um concurso de Literatura na cidade do Guarujá, SP.

Daniel: http://www.novostalentosdaliteratura.com.br/?p=1485

Paola: http://paolagiometti.com.br/livros-publicados

Vitto: https://www.wattpad.com/story/52405388-bella-m%C3%A1fia-dinheiro-se-lava-com-sangue-wattys2016

Jiboia, Papo-de-Anjo e outros delitos – Dani Marino

Adoro temporais – pensou enquanto olhava a chuva que caia lá fora. Há dias sentava ao lado da janela com aquele mesmo olhar melancólico. Jiboia, como era conhecido, já não era o mesmo. Alguns diziam que havia perdido a mão para a coisa.

– O que você vai ser quando crescer?

– Assassino de Aluguel – respondia.

Sabia desde pequeno que essa era sua vocação, para desgosto dos pais. Influência dessas porcarias que passam na TV – diziam. Não se ignora uma vocação. Jiboia tinha um dom e se fora Deus ou o Diabo quem o presenteara com tal habilidade, não sabia dizer.

Seu primeiro assassinato, embora acidental, aconteceu aos 6 anos de idade. Ganhara um pintinho numa dessas feiras de animais e todas as noites o bichinho dormia empoleirado em seu pescoço. Antes de se deitar, Miguel – na época ainda não havia recebido o apelido pelo qual é conhecido atualmente – colocava Sultão – nome que deu ao pinto – em sua caixa e então ia dormir… Exceto naquela noite: de tão exausto, acabou dormindo em frente à TV assistindo um filme sobre o Afeganistão e quando acordou, a primeira coisa que notou foi Sultão esmagado embaixo da almofada. O coitado do bicho parecia ter sido passado a ferro, como nos desenhos animados.

Seu segundo animal de estimação foi um gato preto, curiosamente encontrado numa sexta-feira 13, embaixo de uma escada da casa abandonada que havia em sua rua. Penumbra não poderia ter um nome mais apropriado. Uma pena que o pobre bichano também não tenha durado muito: assim como o pinto, teve sua vida abreviada pelas mãos do menino que tanto amava. Bom, amar não amava, pois gatos não são dados a manifestações de afeição, mas tinha lá uma simpatia pelo garoto. Morrer daquela forma não estava em seus planos (não que gatos façam planos, claro!): numa desajeitada demonstração de carinho, Miguel abraçou Penumbra com tanta força que só o que se ouviu foi o som dos ossinhos estalando, seguido de um miado estridente e então um último suspiro. O gato morreu e Miguel passou a ser conhecido pela alcunha de Jiboia.

Os anos passaram e Jiboia havia se tornado um importante assassino profissional numa corporação um tanto suspeita, dessas polivalentes que procuram sempre diversificar seus negócios: investia em áreas sólidas como extorsão, assassinatos, sequestros, tráfico de drogas, entre outros serviços, a pedido de seus clientes. Aliás, a gerência sempre dizia que o objetivo da “empresa” era a satisfação de seus “clientes”… Quem não ficava satisfeito não ousava reclamar sob o risco de perder a língua ou coisa parecida.

O esquema funcionava da seguinte forma: Jiboia recebia um envelope com os dados de quem deveria matar. Não se preocupava se a pessoa merecia morrer ou não. Preferia acreditar que se alguém estava na lista é porque havia feito alguma para estar ali. Nunca viu seu chefe. Sempre falava com um cara que falava com outro cara que falava com outro cara… Tudo muito burocrático, como qualquer empresa séria.

Sua técnica era simples: homem de estrutura robusta, invadia a casa da pessoa, geralmente à noite, a abraçava, tal qual como fez com seu gato e pronto. O temido abraço da morte era mundialmente conhecido (advento da tecnologia e da globalização – existem até sites em sua homenagem!). Todos diziam que Jiboia nunca abraçava ninguém, mas quando o fazia, você poderia ter certeza de que iria morrer.

Era um dos assassinos mais bem-sucedidos de sua corporação, só perdendo em números para a tal da Papo-de-anjo. Também não a conhecia pessoalmente, afinal, uma das características de um bom assassino é justamente sua discrição. Mas, obviamente, como qualquer “artista” depende da apreciação de seu público, era comum que algumas vezes fotos aparecessem “sem querer” na internet ou então algum vídeo no Youtube acabasse entregando alguns, como foi o caso do idiota do Metralha. Discrição e fama não andam juntas, mas Metralha não enxergava o contrassenso nisso tudo… Bom, o infeliz não sabia nem o significado da palavra discrição, quanto mais soletrar contrassenso.

Voltando à Papo-de-anjo, ninguém sabia ao certo como ela era. O que se sabia é que estaria para se aposentar com honra pelos serviços prestados. Ora, com mais de 30 mortes nas costas e prestes a se aposentar, já devia estar sentindo o peso da idade.

No entanto, nada disso importava agora. Jiboia havia estragado tudo. Em seu último trabalho tinha conseguido por a perder o que havia conquistado nos últimos anos. O tal do cara que fala com o cara que fala com o outro cara havia dito que o “chefão” queria vê-lo. Era o fim.

Precisava pensar em um bom álibi para justificar seu fracasso na última missão. O que poderia dizer? Se contasse a verdade, provavelmente perderia a credibilidade diante de seus empregadores, mas a verdade era simples: quando viu as fotos de seu alvo, o assassino simplesmente travou e não conseguiu se mover por dias. Não poderia matar um padre e embora não levasse uma vida religiosa, a palavra SACRILÉGIO piscava em sua mente em letras vermelhas garrafais.

A chuva continuava a cair e mesmo não tendo pensado em nada que justificasse sua falha, encheu-se de coragem e foi encontrar o chefão. Mentalmente se preparava para o pior. Não era mais o mesmo: depois de ter poupado o padre, estava tendo crises de consciência, a se perguntar se queria continuar nesta vida. Talvez seus colegas estivessem certos: havia perdido a mão para a coisa, no seu caso, os braços.

Jiboia vai até o local combinado onde um dos “caras” já o aguardava. Entra no carro e de olhos vendados, como é de praxe, segue ao encontro de seu destino.

Chegando ao lugar, já sem a venda nos olhos, repara que o ambiente é escuro, bem no estilo noir dos filmes antigos. Diziam que o chefe era russo. Do fundo da sala, ouviu a voz com um sotaque carregado:

– Aceita uma vodka?

– Ah… Claro, por que não?

Pegou o copo com as mãos trêmulas e em um único gole sorveu a bebida.

– Humm… Nossa! Muito boa essa vodka.

– O segredo está no processo. Tem que destilar três vezes.

– Entendo

– Então?

– O quê?38457_1559982202169_1575576_n

– Andam dizendo que perdeu sua habilidade. Verdade?

Jiboia respondeu com um sorriso amarelo:

– Não perdi não. Posso provar.

– Pode?

– Claro.

– Vai ter que provar se quiser manter seu emprego (leia-se vida também).

– Alguém em mente?

– Sim. Dentro do envelope.

– Ok… Mas não tem foto. Só o endereço.

– Não será necessário. Ela estará em casa hoje à noite. Sempre cozinha à noite. Leve esta arma para garantir, caso alguma coisa dê errado…. Você sabe.

Jiboia pegou a arma e partiu ao encontro de sua próxima vítima. Não costumava atirar, mas não hesitaria em usar o revolver caso fosse preciso, afinal, tinha que provar a todos que ainda podia desempenhar seu papel. Depois pensaria o que faria da vida caso ainda tivesse uma.

Quando chegou ao apartamento, notou a porta aberta. Parecia fácil demais. Tudo estava escuro a não ser pela luz que vinha da cozinha e da TV ligada. O filme Psicose passava na tela e à medida que entrava, ouvia o som estridente da música de suspense na cena do chuveiro.

Dirigiu-se à cozinha com a arma na mão. Tinha dúvidas se seu abraço mortal ainda era eficaz. Na mesma hora em que a mulher do chuveiro gritava na TV, ouviu um outro grito. A cena que presenciava era chocante: uma linda mulher, no auge de seus 40 e poucos anos e de longos cabelos negros, empunhava uma enorme faca ensanguentada. Sua roupa também estava coberta de sangue, tal qual o chão. Era tanto sangue que Jiboia, pouco acostumado com situações parecidas, caiu duro.

– Ei! Acorda imbecil!

O assassino vislumbra a mulher que agora, além da faca, também segurava sua arma.

– Acorda, vamos! Desembucha logo… Quem te mandou aqui?

– Ahhhh… Ainda zonzo da queda, o homem não sabia o que fazer.

– Foi o russo, não foi? Pode falar…  Aquele filho da puta! Sabia! Que ilusão a minha acreditar nessa história de aposentadoria com honras… E ainda manda um amador para me matar.

– Peraí, moça! Não precisa avacalhar. Não sou amador. Para seu governo sou… Opa! Você disse russo? Aposentadoria?

– Ahan, por quê? – Perguntou ainda apontando a arma para a cabeça do bandido.

– Então você é a…

– Papo-de-anjo.

– Uau! Tá bem conservada.

– Como é que é?

– Achei que fosse mais velha.

– Ah, então sabe quem sou?

– Sei. Trabalhamos para a mesma pessoa.

– E você quem é?

– Jiboia… A seu dispor!

– Não percebe?

– O quê?

– Queima de arquivo, só pode ser. Ele te mandou aqui para que nos matássemos. Acho que você seria meu próximo alvo. Recebi um envelope sem foto, só nome… Um tal de Miguel.

– Eu mesmo.

– Ridículo. Você é um alvo ridículo. Até desmaiou na minha cozinha.

– Também, nunca tinha visto tanto sangue. O que foi? Matou alguém aqui?

– Hahahaha…. Não é sangue. É molho de tomate! Quebrei o vidro tentando abrir com a faca.

– Mas… E então?

– Então o que?

– Como ficamos? Vai me matar ou vamos ficar aqui jogando conversa fora? Você está em vantagem.

– Não te mato se garantir que não me mata.

– O que ganho com isso?

– Dã! Sua vida????

– Tá… Combinado. Tem minha palavra.

– Ok. Me ajuda a limpar essa sujeira e então nós pensamos o que fazer com o russo.

– Tá. Que cheiro bom. Tá assando bolo?

– Papo-de-anjo.

– Por isso o apelido?

– Mais ou menos. O apelido eu ganhei quando pequena, ao roubar uma caixa de Papos-de-anjo da confeitaria. Meu primeiro delito. Na verdade, me chamo Alice.

– Legal.

Jiboia também explicou a origem de seu apelido e os dois assassinos pareciam ter se tornado melhores amigos de infância até que começaram a discordar sobre o plano para acabar com o russo que os havia colocado naquela situação. Em certo momento, Jiboia já cansado de discutir, simplesmente se levantou e disse:

– Olha, muito obrigado pelos bolinhos, estavam uma delícia, dona Papo-de-anjo, mas acho melhor irmos dormir e amanhã conversamos com mais calma. De cabeça fria talvez a gente consiga chegar num acordo.

– Talvez você tenha razão. Nos vemos amanhã então.

Ok… E num impulso, completamente sem intenção, Jiboia se despede de sua nova amiga com um abraço.

Creck… Ahhhhhhhhh

– Essa não, meu Deus… Me desculpa! Fala comigo! Você tá bem?

– Ve…

– O que?

– Ve…

A assassina tentava lhe dizer que enquanto discutiam naquela noite, ela tinha colocado veneno num dos bolinhos.

Jiboia não pôde ouvir. Morreu ali, abraçando seu alvo que ironicamente havia se tornado sua algoz.

Depois do ocorrido, não faltaram teorias entre os demais assassinos sobre o que teria acontecido. Alguns diziam que eram amantes de longa data e que ela o pegou traindo. Outros diziam que ela queria se separar e acabaram brigando. Teorias à parte, os dois se tornaram o casal mais famoso no submundo do crime, ficando conhecidos como “Bonnie e Clyde” brasileiros.

Até hoje, cada um que conta sua história acrescenta um novo crime e há até aqueles que dizem que na verdade eles não morreram, só estariam escondidos esperando o momento certo de acabar com o russo e sua corporação.

Mais em: https://palavrasonolenta.wordpress.com

 

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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