#co.autores – COPYFIGHT 2014 (Dia 1 de 4)

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Pode chamar de evento. De ciclo de debates e oficinas sobre Cultura Livre. E de ocupação.

Entre os dias 29 de julho e 1 de agosto, a Caixa Cultural (RJ) viu girar uma roda movida a criatividade, força de vontade e atitude, com a missão de não apenas produzir, distribuir e consumir informação, arte e conhecimento, mas de garantir que todos possam ter acesso universal à cultura.

O primeiro dia de debates atendeu pela hashtag #co.autores e se propôs a abordar a relação de artistas e produtores culturais com o copyright no atual cenário de livre compartilhamento de conteúdos.

O cantor e compositor Leoni, atual colaborador de iniciativas a favor de reformas nas leis de direito autoral, como o Movimento Música Para Baixar e o Movimento Compartilhamento Legal, abriu os trabalhos lembrando que, anos atrás, as grandes gravadoras, as majors, dominavam o mercado, escolhendo poucos músicos a serem trabalhados, deixando muitos talentos de fora do jogo. Aspas abaixo:

Para esses talentos, sempre houve os selos. Entretanto, a partir dos anos 70, as majors compraram os selos. Há um trecho do livro Música, Ídolos e Poder, de André Midani: ‘Os conglomerados estavam em Wall Street. E Wall Street queria lucros instantâneos’. A canção passou a ser o astro principal, e não mais o artista.

Esse modelo selvagem, com a corrupção do jabá adotada como prática, estaria em vigor até hoje, não fosse a Internet, que veio para salvar a música da irrelevância.

Saí do Kid Abelha em 1985 e lancei um disco de sucesso em 86 pelos Heróis da Resistência, mas vi os discos seguintes do grupo que fundei fazerem água. De repente, estava sem contrato, o pesadelo de todo artista décadas atrás.

Em 92 ou 93, lancei o single da música Garotos II, que, embora um sucesso radiofônico, nada vendeu. Lancei outro álbum com 6 mil cópias, que nem sabiam que havia lançado. Tudo ia na mesma até que, em 2004, descobri que tinha 40 fãs numa comunidade do Orkut, e isso me deu fôlego.

Vi que existia um caminho, do artista ao público, sem intermediários, e comecei a pôr meus álbuns fora de catálogo na rede. O [produtor musical] Mazzola chegou a dizer que eu iria me arrepender de ter posto o álbum na net.

Autores possuem algumas fontes de receita, parte delas sobre a execução pública das músicas, em rádio, TV, supermercado, academia de ginástica, e principalmente shows. Neles, 25% do total arrecadado ficam com o ECAD (“a taxa administrativa mais cara do universo”). 50% são para os direitos autorais, sendo que o autor fica com 37,5% disso, o que é injusto, mas razoável.

Nos discos, o autor fica com apenas 8%. As gravadoras ficam com a maior parte, de modo que quem mais perde com a queda na venda de discos são elas, mas foram à Imprensa dizer que o autor estava perdendo sua fonte de renda com a pirataria.

A limitação de direitos ligada ao copyright impede parcerias espontâneas, como a do camarada que modifica minha música. A verdade é que, ao invés de se debater o direito autoral, ficaram discutindo se o compartilhamento deveria ser ou não punido.

Ainda falta um modelo para a remuneração mais justa do autor. Talvez o Google pudesse passar percentuais dos lucros que obtém ao autor, mas como construir essa dinâmica?

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Na sequência, Miguel Said, doutor em Filosofia da Educação pela USP, anunciou que falaria sobre crowdfunding e sobre custeio de obras por publicidade. Aspas Abaixo:

No crowdfunding, o produtor anuncia o interesse de fazer ou distribuir uma obra, o capital mínimo necessário e também recompensas para quem contribuir, ainda que simbólicas.

Um dos avanços desse modelo é que, atingida a meta, os custos estão cobertos e o produtor, remunerado, pode até mesmo disponibilizar a obra gratuitamente. A produção deixa de ser um risco, passando a refletir os interesses de quem consome.

Já no modelo convencional, além do custo da produção, há o custo do capital investido, e ainda há o lucro, o que encarece a obra, que pode abarcar ainda o custo de obras anteriores que fracassaram.

A indústria, portanto, dará sempre preferência a produções com que possam ganhar em escala e são dirigidas a muita gente. No crowdfunding, o fracasso de uma obra não gera um prejuízo grande, apenas àquela produção.

Porém, nesse modelo recente, o valor investido nos considerados ‘sucessos’ tende a se aproximar dos patamares mínimos, diferenciando-se da indústria convencional nesse aspecto, dificultando a existência de minas de ouro.

No crowdfunding, não contribuímos apenas para lançar a obra, mas porque achamos que o mundo merece conhecê-la.

Mas há um problema no modelo: é mais fácil arrecadar somas quando se é uma celebridade. Quem se beneficiou da indústria convencional para fazer sucesso tende a repeti-lo nesse novo modelo. Outra limitação é a utilização desse sistema para circular obras que poderiam circular normalmente no mercado.

Decerto que o modelo elimina intermediários, como a TV, mas cria outro: o próprio site de crowdfunding, que cobra um percentual, fazendo até mesmo as ‘campanhas publicitárias’, embora tenha uma fatia menor das obras e não detenha os direitos das mesmas.

No custeio de obras por publicidade temos diversos exemplos. A Natura já patrocinou álbuns musicais. Youtube e Spotfy são plataformas que fazem obras circularem.

Nesse segundo modelo, a remuneração é direta, e o público usa a plataforma de forma dirigida, com propaganda dirigida. Por um lado, amplia-se o acesso à obras sem cobrança direta aos usuários, ficando a aparência de que a mercantilização sumiu, mas a venda continua, embora sejamos nós a venda. Pois os anunciantes capturam nossa atenção, com a finalidade de que compremos mais coisas que simplesmente um álbum musical. É uma publicidade muito direcionada, de baixíssimo custo. O Facebook, por exemplo, sabe quem são os solteiros que moram no Rio e tem cachorro, podendo oferecer propaganda específica para eles.

Embora a publicidade dirigida possa evitar comerciais de barbeador para mulheres, pode também significar uma fábrica de frustrações, pois cada vez mais nos serão oferecidas coisas que desejamos, e não poderemos comprá-las todas.

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Terceiro a falar, o doutorando Thiago Novaes, que colabora com redes de mídia livre, coordenou ações de cultura digital junto ao MinC e atuou como pesquisador no Projeto do Sistema de Televisão Digital Brasileiro (SBTVD), declarou que muito já se perdeu do conceito de autoria. Aspas abaixo:

A autoria está ligada a uma ideia do século XVII, de escassez; de que as pessoas só produzem se remuneradas para isso. O site Cultura Digital é uma wiki que se tornou a maior política do Ministério da Cultura. O Creative Commons, embora mais conhecida forma de flexibilização de direitos autorais, também não chegou a questionar o papel do autor, seu conceito. Thiago declarou filiar-se ao Copyfight, que questiona tal papel.

O P2P e o bit torrent saíram da mente de uma pessoa, que viu que seria mais rápido baixar um arquivo enquanto ele é simultaneamente compartilhado. Na verdade, a noção de troca de arquivos estaria prejudicada, pois se está copiando de uma nuvem. Não havendo troca, como estabelecemos uma remuneração? Já houve a sugestão do “taxímetro” da internet, embora tenha surgido uma fobia social quanto à navegação, que alguns aplicativos ou browsers permitem fazer anonimamente.

Na tecnogênese do humano, o homem não mais utiliza a técnica, mas é modificado por ela. Marx disse que a revolução acontece quando as forças produtivas dominam os meios de produção.

Parte dos problemas é a chamada “alienação técnica”, vez que já estão aí o rádio e a TV digital, e quem deveria discuti-los, não o faz. Mais: A TV digital é um fracasso, com o Governo chegando a tratar de uma “bolsa-novela”. E o rádio digital? Implode a necessidade de organização governamental, e há softwares que substituem parte da infraestrutura antes necessária. Há uma enorme disputa dos grupos de poder na questão digital.

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Por fim, o músico, compositor e ex-integrante d’ O Rappa, Marcelo Yuka, que atualmente se dedica a projetos sociais e políticos em sua ONG, iniciou sua fala com a promessa de construir seu raciocínio a partir de suas dúvidas, não de suas certezas. Aspas abaixo:

Hoje há mais meninos fazendo música no PC que no violão, pois é um eletrodoméstico. Gosto de funk, o que, para muitos, equivale a jogar fora minhas preferências musicais. Não curto sertanejo, mas se proibissem o gênero em áreas de UPP como fazem com o funk, seria o primeiro a aparecer por lá de chapéu de caubói e cinto de fivelão.

Antigamente toda casa tinha vinis, toca-discos e cassetes que eram usados para gravar o que se ouvia no rádio. As gravadoras não reclamavam. Tenho essa dúvida: será que quando baixo música ninguém está ganhando mesmo com isso?

Eu me vejo mais como pirata que artista. A poliomelite só pôde ser teoricamente erradicada porque Sabin renunciou à patente da vacina que desenvolveu, permitindo sua difusão em todo o mundo.

Uma obra cultural é uma obra social. Recentemente, me vali do crowdfunding para um novo projeto musical, mas só obtive sucesso por ter tido visibilidade prévia. Duvido que teria conseguido se fosse outro; meus amigos não conseguiram.

Para terminar, soube que a justiça de algum país reconheceu o direito de uma pessoa não ser googleada. Talvez liberdade de fato seja conseguir tal autonomia.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem um comentário

  1. Don Vittor

    Muito maneiro, Sava. Quando tiver essas boas, me avise pô rs

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