Chico Bento Arvorada – O hype é real

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Como alguém de uma geração que cresceu sem celular ou internet, a palavra “hype” parece um daqueles termos que os “jovens” usam e que eu provavelmente usaria fora de contexto, por isso, toda vez que vejo muito “furdunço” em torno de uma obra, fico logo “ressabiada”. No entanto, o tal do hype da publicação de Chico Bento – Arvorada, do Walmir Orlandeli, tem mesmo sua razão de ser.

Quem acompanha os eventos criados no Facebook pelo editor das Graphics MSP, Sidney Gusman, sabe o quanto os leitores ficam ansiosos por cada lançamento, sempre seguidos de bate-papos e painéis que entregam curiosidades sobre cada obra. Com Chico Bento – Arvorada não foi diferente: com prints lindíssimos disponibilizados no evento criado para seu lançamento, a HQ é uma das mais poéticas da coleção.

Com registro todo feito na voz de Rosinha, exatamente como o pessoal da roça fala, o cuidado na escolha das palavras e diálogos mostra que a poesia não depende apenas de forma e métrica, mas acima de tudo, de sensibilidade. E sensibilidade é o que não falta nesta produção. Desde a escolha das cores, em tons de amarelo e dourado, à composição dos personagens, Chico Bento – Arvorada é uma grande homenagem à nossa cultura.

Como professora e pesquisadora é impossível não pensar que a HQ deveria estar nas salas de aula, pois ela fornece um rico repertório para que sejam trabalhadas questões ligadas à narrativa, registros diversos, preconceito linguístico e folclore.  Isso porque sabemos que o preconceito linguístico em relação à forma como muitos brasileiros se expressam é real. Felizmente, temos Manoel de Barros e Carolina de Jesus para nos lembrar que as mais belas mensagens podem ser entregues de diversas formas e, certamente, ambos adorariam bater um papo com a vó Dita, que tão sabiamente ensinou ao Chico o valor de se apreciar cada momento, pois cada um é único.

Arvorada é sobre isso, sobre as lições que aprendemos com quem é mais sábio e sobre valorizar o que temos, principalmente quando se vive em um lugar repleto de beleza, como é o interior do nosso país. Por meio de metáforas sobre a “frorada” de um ipê amarelo, a vó Dita ensina a Chico que devemos parar de vez em quando e lembrar que a vida não é só trabalho, pois sem perceber, muitos momentos incríveis passam e nós não nos damos conta.

Além dos diálogos e das introspecções de Chico, há algumas ilustrações tão lindas e que não foram disponibilizadas nos previews, que merecem ser enquadradas, como uma em que Chico mergulha no rio e fica imerso entre o que parecem ser duas carpas. É também uma história que pode ser conferida por toda a família, sem limite de idade, porque a identificação com os personagens possibilita que todo mundo se veja nela.

Perguntei ao Sidney se havia alguma curiosidade sobre a HQ, pois ele sempre tem histórias ótimas pra contar nos painéis, e ele me disse que o nome Arvorada surgiu de uma conversa com Orlandeli e sua esposa, quando ela teria mencionado a “frorada” do ipê. Assim, seguindo o modelo das publicações anteriores de manter uma única palavra para designar cada história, Arvorada faz menção a dois eventos da vida no campo: a alvorada e a florada das árvores.

Particularmente, considero a HQ importante principalmente para que as crianças tenham contato com um tipo de registro que não estão acostumadas. Acredito que crescer sem conhecer como outras pessoas do seu país falam é uma perda cultural enorme, por isso, recomendaria a leitura a todos que conseguem enxergar a poesia além do que os olhos mostram e deixo vocês com um poema de Manoel de Barros, o poeta do campo, que imagino ser um grande amigo da vó Dita:

 

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

 

FICHA TÉCNICA

Chico Bento – Arvorada
Graphic novel do selo Graphic MSP
Formato: 19 x 27,5 cm
96 páginas
Lombada quadrada
Capa dura: R$ 36,90
Capa brochura: R$ 26,90
Distribuição: nacional

Dani Marino

Dani Marino é pesquisadora de Quadrinhos, integrante do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP e da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial - ASPAS. Formada em Letras, com habilitação Português/Inglês, atualmente cursa o Mestrado em Comunicação na Escola de Artes e Comunicação da USP. Também colabora com outros sites de cultura pop e quadrinhos como o Minas Nerds, Quadro-a-Quadro, entre outros.

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