CCXP 2016 – O Woodstock nerd

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Lembro que quando eu era apenas um garoto nerd que lia quadrinhos e acompanhava algumas poucas notícias desse mundo pela internet discada. O termo Comic Con era algo que soava quase que como uma terra prometida, onde todos os meus super-heróis estariam presentes e onde as pessoas só falassem de quadrinhos o tempo todo. você mais novo talvez não saiba, mas houve um tempo em que ler quadrinhos não era legal e não existiam 70 filmes de herói por ano no cinema.

Poder acompanhar o nascimento e crescimento da Comic Con Experience é um privilégio para alguém que sempre sonhou em participar desse tipo de evento, que acaba se tornando uma dimensão paralela onde você acredita em todo aquele mundo fantástico das histórias em quadrinhos, como se fosse a primeira vez que estivesse folheando uma revista do Superman ou Homem-Aranha.

Eu continuo sonhando em um dia ir para a San Diego Comic Con, mas ter um evento como a CCXP no Brasil, já mata essa vontade de poder fazer parte desse “mundo encantado”nerd. Então segue lendo para ver como foi a CCXP 2016.

Os Estandes

Basicamente os estandes são os espaços reservados às marcas que desejam ter um lugar para se divulgar dentro da feira. Canais de televisão, fabricantes de caderno, empresas de bonecos, editoras de livros nerds e revistas em quadrinhos e até mesmo umas que eu não faço ideia de motivo de estarem lá (sério, vi estande de empresa de cartão de crédito e de um produto japonês que até agora eu não entendi o que era).

Esses espaços são o centro da atenção do evento, o público mais “civil” pira em entrar em todos os locais possíveis, desde os mais sem graça até os cheios de atração. Um dos mais lotados foi o da HBO, que no sábado conseguiu aglomerar uma fila que se alinhava por quase metade do espaço da São Paulo Expo, sem exagero. Mas créditos devem ser dados a quem merece, pois a HBO ficava logo na entrada e dava uma baita carteirada colocando um molde de um “anfitrião” da série Westworld como seu cartão de visita.

Claramente as empresas aprenderam com 2015, onde os espaços em sua maioria eram mais voltados para exposição e venda, e quase todos os estandes desse ano possuíam interação com o público. Em alguns você poderia ter que fazer alguma atividade para ganhar um brinde, como era o caso de Guardiões da Galáxia Volume 2, que ensinava pessoas a dançar em troca do pôster oficial do filme. A Fox também fez algo bem ousado e permitiu que os visitantes experimentassem o “salto da fé“, movimento famoso da franquia de games Assassin’s Creed, no qual você poderia (depois de uma enorme fila) pular de uma base alta para um colchão de ar, emulando os personagens do jogo.

Algumas marcas não interagiam com o público, eram mais lojas presentes no evento do que empresas divulgando material como filme ou seriados. As marcas de bonecos/actions figures (seja lá como você gosta de chamar) eram exemplo disso. A Iron Studios era vizinha da HBO e deixava todos de queixo caídos com suas estátuas e com suas réplicas em tamanho real que me lembravam a todo momento que eu não tenho dinheiro pra comprar nada naquele lugar.

Faz que nem a Kelly key e baba, baby

Todo ano rola competição de qual Estande é o mais bonito e geralmente o público se volta mais pra coisas grandiosas dos nerds como Marvel e DC, mas esse ano não teve pra ninguém, o lugar mais bonito de toda a Comic Con era o mega estande do Twitch. pra quem não conhece, o Twitch é um site de streaming de jogos muito popular entre os gamers e era o maior espaço de uma marca individual na feira, mas soube aproveitar muito bem. Dois andares, um pra o público o outro para a equipe que ajudava a transmitir jogos com narração local. Computadores para as pessoas poderem jogar, um mini auditório para o público assistir aos campeonatos realizados dentro do mesmo estande e um palco para apresentação de bandas, era simplesmente incrível. infelizmente eu não tenho uma fotografia decente do local, mas pude registrar no vídeo que fiz do evento. Confere aí:

Claro que nem tudo são flores e algumas empresas ficaram presas no mesmo modelo ou simplesmente deram um passo para trás. A Netflix por exemplo apenas reciclou suas atrações do ano anterior e manteve sua interação mais chata, que era permitir às pessoas cantarem os temas das séries originais do serviço de streaming. Não me entenda mal, era bem bonito, mas se você veio no ano passado, era um espaço que já nasceu defasado.

o estande do Power Rangers era pequeno, mas pelo menos tinha essas belezinhas

Star Wars também não agradou muito. Ano passado a propaganda em cima de Despertar da Força era massiva, enquanto esse ano só expuseram alguns uniformes de Rogue One e o Estande era uma grande loja, preguiçoso de certa forma.

 

O “Beco dos Artistas”

Sempre que você ouvir falar de um evento de grande porte como a CCXP, você vai ouvir falar das atrações internacionais, dos painéis, dos produtos que estavam à venda e das interações nos estandes. Mas, para mim, o “Artist’s Alley” (traduzido aqui para beco dos artistas) é a alma do evento. Pode ser purismo do nerd chato que vive dentro do meu coração, mas as Comic Cons nasceram ali e é nisso que deveriam se focar. E não falo só da área comercial, como poder comprar um print, um desenho original do seu artista favorito ou levar uma HQ querida para receber um autógrafo, mas sim do clima do local.

Esse ano os quadrinistas sofreram um pouco e ficaram entre o karaokê da Netflix e o palco de shows da sessão de metal (sim, havia uma sessão de metal e não, eu não faço ideia do porquê).

Esse ano houve um fato curioso e positivo, pelo menos ao meu ver, que foi a quantidade de pessoas indo atrás de autores nacionais. Claro que caras como Bill Sienkiewicz (5 e 20 para os íntimos) e Frank Quitely arrastavam multidões, mas a fila da Lu Caffagi não deixava a desejar. Além disso, Rodney Buchemi e Fábio Catena arrastaram bastante gente pra sua mesa, com desenhos fantásticos e a camisa do Melhores do Mundo.

Como o beco não era o mais buscado pelo grande público (Afinal, o fã de quadrinhos é um público de nicho dentro do enorme nicho que se tornou o mercado nerd) me mantive ali por boa parte do evento e pude trocar ideia com muita gente legal e até mesmo com quem eu nem pensei que poderia conversar. Frank Quitely por exemplo, passou o evento inteiro no estande da Chiaroscuro e com filas de no mínimo 2 horas para conseguir um autógrafo, mas no fim de domingo estava sozinho trocando uma ideia com Fábio Moon e Gabriel Bá em uma das mesas do Artist’s Alley. O desenhista brasileiro Daniel HDR também trocou uma ideia e foi muito simpático em ceder uma entrevista.

“Uma mudança que eu notei dos últimos dois eventos pra cá, foi que nos dois primeiros dias o público, que era aquele mais colecionador, cara que vai mais atrás de arte exclusiva de autores e tudo mais, tava mais diluído com o público casual, que vem mais hoje (domingo). Então realmente tá sendo muito legal, estamos no último dia do evento e eu não parei, minha mão tava suja de tinta, só consegui passar um alcool em gel agora. O Evento é inegável, já marcou seu nome dentro das atividades culturais do país. Em números já bateu as Comi Cons gringas e esteticamente falando eu achei superior, pela minha experiência de ir em outras Comic Cons”.

Outro momento único que o evento pôde proporcionar, foi apresentar a um autor gringo os formatinhos. Estava na fila de autógrafos do querido Bill 5 e 20 com a galera do Mansão Wayne, quando mostramos para ele um dos seus trabalhos no antigo formatinho da editora Abril e o desenhista ficou surpreso com o tamanho da revista.

“nunca tinha visto desse tamanho”

Os Cosplays

Acho que quem não mora em cidades que sediam grandes eventos vão se identificar com o que eu vou dizer sobre as pessoas que se fantasiaram para ir na Comic Con Experience: É simplesmente incrível o trabalho dedicado e o resultado final que as pessoas apresentam na feira. Como alguém de uma cidade sem eventos de tal porte, estou mais acostumados a cosplays mais simples, até mesmo porque aqui em Belém o clima não ajuda ninguém a vestir mais do que o necessário para não cometer atentado ao pudor.

você sua? vai suar!

De armaduras elaboradas até simples roupas de lycra, havia de tudo que se pode imaginar no gigante espaço da São Paulo Expo. Poder ter trocado ideias com essas pessoas e até mesmo conhecer personagens que eu não sabia que existiam foi muito legal. Outra grande atitude da organização é reconhecer esse esforço e premiar os melhores cosplayers no final do evento, tornando um hobby em algo muito mais prazeroso.

Quando o Homem Aranha e o Doutor Estranho decidem trocar de papéis

Mérito também para os mais criativos que faziam o famoso gender bender, quando um cosplayer troca o sexo do personagem original e os que optavam por modificar ou até mesmo mesclar dois personagens em um só (tinha um Deadpool/Elsa do Frozen vagando pelo evento que tava demais).

Tsutomu Nihei e as adaptações cinematográficas

O autor de Knights of Sidonia não é muito fã do mercado americano de adaptações

Um dos grandes pontos da Comic Con foi poder entrevistar Tsutomu Nihei, criador de Knights of Sidonia o primeiro anime produzido pela Netflix. A editora JBC trouxe o autor para o evento e organizou uma coletiva de imprensa para falar sobre projetos passados e publicações futuras. O autor falou sobre detalhes da sua “nova” obra, Blame, que será publicada pela primeira no Brasil 20 anos depois de sua publicação original no Japão. O mangá é base de uma adaptação em anime que será lançada na Netflix.

Era meio que impossível evitar falar sobre adaptações de mangá/anime com Ghost In the Shell tendo um trailer liberado tão perto do evento. Quando perguntado sobre uma possível adaptação de seus trabalhos Nihei foi enfático: não quer Hollywood mexendo nas suas obras.

Nas palavras do tradutor (afinal eu ainda não aprendi japonês pra conversar diretamente com nossos amigos nipônicos).

“Ele não gostaria de pensar muito em obras dele sendo adaptadas em um live action hollywoodano. Se fosse pra ter live action ele gostaria que fosse japonês, porque, se a gente observar a própria animação e o traço dele, tem muita coisa que ele chama de ‘anime tic‘. Algo que não combina com a produção hollywoodana, então ele não quer por enquanto que haja uma adaptação americana live action das obras dele”.

Acho interessante ver esse tipo de declaração. Em um mercado no qual o dinheiro dita o que acontece, ver um autor ainda prezar pela qualidade de sua obra é algo raro e que deveria ser exaltado. Pelo que foi mostrado na entrevista, Nihei é um cara que cuida de tudo que envolve seu nome. todas as adaptações passam pelas suas mãos justamente para permitir uma transição que não descaracterize o trabalho original.

Nihei posou com sua obra e a equipe responsável pela adaptação e a equipe de publicação da JBC

Muito simpático, apesar da cara fechada, Tsutomu agradeceu a presença da imprensa e só pediu que não fosse incomodado enquanto estivesse andando pelo evento.

Os Painéis 

Essa é uma parte que eu realmente não vi absolutamente nada. Eu passei os primeiros dois dias nas atrações que eu teria acesso como imprensa e nos dois últimos tentando conseguir o máximo de conteúdo que eu pudesse fotografar e filmar. Os painéis são sensacionais, é de lá que saiu o primeiro trailer de Guardiões da Galáxia 2 e aquele primeiro teaser do novo filme do Homem Aranha. Mas toda a logística de ir aos painéis é inviável para quem quer cobrir a CCXP. Pra conseguir entrar você precisa chegar horas antes de abrir o evento (tem gente que chega a dormir na São Paulo Expo) e passar o dia lá, pois se você sair já tem uma fila com o triplo da lotação do auditório esperando para entrar.

É bizarro, pois tem gente que não vê absolutamente nada além disso. Uma amiga minha foi ao evento os 4 dias e passou todos no auditório Cinemark. Nada contra essa prática, mas é meio desperdício ir a um evento pra isso.

Mas o lado bom foram os pequenos auditórios e as palestras e oficinas que aconteceram nos mesmos. Com poucos lugares, os locais menores permitiam uma maior interação com os convidados e ainda eram uma boa forma de descansar as pernas por uma hora antes de voltar a bater perna.

Mas afinal… Foi épico?

Sem dúvida alguma a CCXP caminha para um posto ainda mais grandioso no quesito de eventos nerds. Hoje a Comic Con tupiniquim já é o maior evento de cultura pop do Brasil e ultrapassou as irmãs de San Diego e Nova York em público. Os próximos passos da feira devem ser ainda maiores e incluem a ampliação do alcance nacional com a vindoura edição em Recife e talvez queira se tornar referência mundial.

Sendo bem sincero, é algo totalmente alcançável, pois a organização de 2016 mostrou uma imensa melhora em relação à de 2015 e mesmo com alguns erros o evento fica na memória como algo espetacular. A memória é tão boa que eu planejo estar presente em Recife para acompanhar a primeira edição fora da capital paulista.

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