#bio.tecnologias – COPYFIGHT 2014 (Último dia)

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De um lado, tecnologia de ponta replicando seres vivos e suas células, fundindo umas nas outras, patenteando-as. De outro, os “saberes”, os “fazeres”, a ciência nativa, natural, a praticidade e brejeirice de engenhos humanos feitos com o que se tem à mão, à serviço do homem, a um passo da interface com a Natureza.

O último debate da edição 2014 do Copyfight promete. A professora Sarita Albagli, autora do livro Geopolítica da biodiversidade, desenvolve projetos e pesquisas sobre circulação e apropriação da informação, territorialidade e inteligência local. Ela abriu os trabalhos. Aspas abaixo:

Desde o fim do século, há uma apropriação da propriedade intelectual. Um mesmo ser vivo pode ser objeto de diversos tipos de patente. A partir de uma decisão judicial permitindo o registro das pseudomonas, que degradam o óleo cru, vieram muitas outras patentes.

(Nota deste Iluminerd: Um mirrado parágrafo acima e outro abaixo foi realmente o máximo que consegui conscientemente capturar da fala da professora. O fluxo de informações foi caudaloso. Em sua exposição, ela jorrou dados mais rápido que USB 3.0, e, o pior dos pecados, leu. Leu muito. O que tornou sua fala pesada, talvez muito acadêmica, como se apresentasse burocraticamente uma monografia. Estava dando medo vê-la com as folhas no colo, passando-as lentamente para a mesa ao lado, uma a uma após a leitura…)

Segundo a indiana Vandana Shiva, obter patentes equivale a furtar a natureza.

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Na sequência, os ventos sopraram mais favoravelmente e Cinthia Mendonça; co-idealizadora do projeto Nuvem, uma estação de arte e tecnologia em Mauá, espécie de hacklab (!) rural que abriga pesquisadores de tecnologias livre, arte e meio ambiente; falou sobre sua experiência durante a exibição de belas e líricas fotos documentando a atividade da Nuvem. Aspas abaixo:

A Nuvem é um projeto multidisciplinar. Um modo de fazer diferente a questão de patentes. Falarei de forma não-linear, do que se sente naquele espaço. Meu ponto de vista é rural, não urbano. Lerei um texto. Pequeno!

(Nota deste Iluminerd: O texto realmente foi curto, e delicado, poético mesmo. O slideshow mostrou uma paisagem rural da Serra da Mantiqueira, e planos, croquis, peças e aparelhos eletrônicos, aparentemente anacrônicos, misturados a outros objetos sui generis, e outros comuns, como notebooks, e frases em inglês, fios, antenas e chips)

O trabalho na Nuvem é colaborativo e, em troca do trabalho, geramos conhecimento.

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Antes que percebêssemos a passagem do microfone para o próximo debatedor, Vitor Pordeus, frenético, nos envolveu em seu teatro, fez do mundo seu palco, e recitou de modo esplêndido o poema “O novo homem”, do sublime Carlos Drummond de Andrade, de versos como “O homem será feito / em laboratório. / Será tão perfeito como no antigório / (…) Quer um sábio? Peça. / Ministro? Encomende. / Uma ficha impressa / a todos atende. / Perdão: acabou-se / a época dos pais. / (…) Pai: macromolécula; / mãe: tubo de ensaio”.

Vitor é médico, pesquisador, ator, e coordena desde 2009 o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Hoje trabalha no Hotel da Loucura, no Instituto Municipal Nise da Silveira de Atenção à Saúde, no Engenho de Dentro. Aspas abaixo:

Sou médico, ator, e… xamã. E psiquiatra e imunologista. Viemos de moléculas, hoje tratadas com alarde no campo da imunologia, da gripe do frango, etc. Minha mensagem é que a medicina é arte, e a biologia é ciência. Cheguei a ser processado pelos psiquiatras do Sul por dizer isso.

Ciência é explicação, e arte é explicação. E o biólogo chileno Maturana diferencia, dizendo que nomear algo não explica, só cria a sensação de explicação. Nise da Silveira propõe o afeto catalisador, dizendo que isso leva à melhora da saúde.

Já René Descartes é o pai das máquinas. É cartesiano ver o homem como máquina: se deu defeito, dá-se remédio, choque e etc. Fui ensinado a isso, mas escapei.

Darwin disse que o mais forte sobrevive, o que possibilitou dizer que o inapto pode ir para a câmara de gás. No início do século XX, vem a genética. Tudo mudou com Niels Jerne, que dizia que o que havia era uma orgia de carnaval em nível celular. Veio a autopoiésis.

Para cada célula há 20 bactérias. As bactérias são o mundo. Nós somos bactérias. Maturana tem uma teoria, do conhecimento e da linguagem, da deriva, para substituir a teoria da Evolução das Espécies.

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E, para encerrar a noite e a edição 2014 do Copyfight, Aderbal Ashogun, fundador da Rede AfroAmbiental, que se propõe a discutir o conhecimento ambiental dos povos afrodescendentes e indígenas, teve a palavra. Aspas abaixo:

Falarei sobre sistemas de conhecimento dos povos originai da África, ou cosmovisão. Desde pequenos, aprendemos a agradecer à natureza antes de fazer qualquer coisa. Olé Orum, Senhor do Universo – quando falo disso, falo do homem, que surgiu da África.

Exu é o signo da imagem e da semelhança do homem. Ogum é o nome do desenvolvimento, das ferramentas. Religiosos são os que detém conhecimento da natureza. E Ogum também é a ira, mas pode ser controlada. Ori xá – energia da cabeça. É o raciocínio.

Oxossi é o signo da astúcia, foi quem primeiro fez uma armadilha para alimentar sua tribo. Quem teria atirado sua flecha no bicho, acertando-o três dias depois – uma parábola, claro. Quando fala-se de medicina preventiva, deve-se falar dos vegetais. Há uma área chamada sassanha. Mas o maior remédio é a água. Oxum está dentro da barriga de sua mãe. Yemanjá é o nome dado às marés. O instinto que a mãe tem de proteger a cria. Nanã é o mangue. Sem ele não haveria vida no mar.

O questionamento do sacrifício dos animais. Você pode derrubar uma árvore centenária, mas não pode sacrificar uma galinha para um ritual. O tratamento que ministramos, em outras culturas, seria chamado de quântico, holístico. Tomamos abô, uma infusão de folhas que ficavam vários dias na água – era ruim pra caraca, e isso nos impedia de ficar doentes, para não ter de tomar de novo.

A cromoterapia são como os incensos que temos. Os terrenos são reproduções do território da África. Utilizamos a música, as ondas sonoras, como conexão. O que chamam de pegar santo é o processo meditativo.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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