Qual o preço da fama? – Bingo: O Rei das Manhãs

Você está visualizando atualmente Qual o preço da fama? – Bingo: O Rei das Manhãs

Vez por outra somos surpreendidos com obras de altíssimo nível no cinema nacional. Particularmente, detesto o fato de boa parte das produções tupiniquins que são muito propagandeadas ficarem nos temas favela, bandidagem, ou comédias românticas que mais parecem novela das 8 um pouco mais engraçadalha.

Bingo: O Rei das Manhãs é daqueles filmes que vêm para chacoalhar o cinema nacional.

Desde que começaram a noticiar essa produção eu fiquei bastante curioso. Quando saiu o primeiro trailer, o filme já havia ganhado a minha expectativa de forma absurda. Não exagero ao mencionar aqui o que eu repetia para todos os meus amigos: “Bingo é o filme que mais quero assistir em 2017, mais que Homem-Aranha, mais que LJA ou Thor: Ragnarok”. Quando a expectativa é tão grande assim, dificilmente ela é correspondida.

Felizmente, não foi o caso com Bingo. O filme me prendeu do início ao fim e me fez ter esperança para que filmes nessa linha acompanhem esta obra de dar inveja em muita coisa hollywoodiana que saiu em 2017.

Antes de qualquer coisa, acredito que não seja necessário explicar que o filme conta a história do palhaço Bozo em sua versão brasileira. Sim, Bozo é uma marca americana que já fazia muito sucesso nos Estados Unidos quando finalmente chegou em terras brasileiras nos anos 80, aportando na antiga TVS (hoje SBT) –  ou a TVP no filme.

Para se ter ideia de como o Bozo já estava bem sedimentado na mente da criançada lá fora, ele chegou até a aparecer como personagem em jogos de videogame, como no sensacional Lamborghini: American Challenge, jogo que foi lançado para várias plataformas (eu sou apaixonado pela versão do Super Nintendo). No jogo, o Bozo era um dos vários adversários que você deveria enfrentar nas corridas de rua. Quando eu era criança isso me dava um nó na cabeça. Por que raios um personagem da TV Brasileira estava no Lamborghini? O mundo pré Wikipedia era bem difícil.

Voltando para a versão nacional do palhaço, de acordo com o livro “Anos 80 de A a Z”, o programa ficou no ar durante 11 anos, de 1980 a 1991. Durante este período, cinco atores interpretaram o Bozo. O sucesso foi tão grande que o Bozo chegou a ficar cerca de oito horas diárias no ar, de segunda a sábado. Outros personagens completavam a família “sempre rir”: Vovó Mafalda, Papai Papudo, Salsi Fufu, Bozolina (cuja voz era de Luís Ricardo, manipulada por um sonoplasta), Garoto Juca e Kuki.

Por meio do famoso telefone 236-0873, as crianças podiam participar do interativo Bozo-Memória. Havia também a Batalha Naval, a Corrida de Cavalinhos e o Bozo-Baldinho. O LP do Bozo vendeu como água, e trazia um passaporte para o Playcenter. A febre era tanta, que existia até o shampoo do Bozo, com o frasco no formato do palhaço.

Tá, mas e o filme?

O personagem central, Augusto Mendes, interpretado magistralmente pelo Vladimir Brichta (que seria um Coringa muito melhor que DiCaprio e Jared Leto JUNTOS) conta a história do ator Arlindo Barreto que foi um dos intérpretes do Bozo no Brasil.

De cara já descobrimos que Augusto era ator… de um segmento polêmico mas de certo sucesso na época: os filmes de pornochanchada.

Sua ânsia por tornar-se um ator famoso é logo explicada ao descobrirmos que sua mãe e ex-esposa eram atrizes. Sua ex-esposa, Angélica, atuava na novela das 8 da TV Mundial (TV Globo) e a mãe de Augusto, Marta Mendes, sofria com o fantasma de ter sido uma atriz de certa fama, mas que havia sido reduzida a uma mera jurada em programa de calouros.

Augusto e Angélica tiveram um filho, Gabriel. Este garoto é inclusive uma peça importante para trazer certa humanidade ao personagem de Vladmir Brichta durante a trama, quando ele se perde no mundo das drogas e fica sem limites.

Como atores de pornochanchada não atingiam o grande público, Augusto busca um papel na novela das 8 da Mundial. Ele é humilhado por Armando, executivo da Mundial interpretado pelo Pedro Bial, que lhe oferece um papel de figurante na novela. Augusto tenta improvisar e prolongar o texto de seu personagem e é barrado pelos diretores. Irritado, ele desiste do “papel” e promete se vingar da Mundial, fazendo com que se arrependam de ter perdido a oportunidade de ter Augusto Mendes em uma de suas novelas.

Em uma conversa com seu filho, Augusto decide ir atrás de um papel que até os amiguinhos do Gabriel pudessem acompanhar e gostar. Ele chega na TVP buscando papel em alguma novela. Entretanto, ele vê uma fila de pessoas vestidas de palhaço e descobre que elas estavam ali para o teste do palhaço Bingo.

Apesar de nunca ter atuado como palhaço, Augusto consegue passar no teste e ganha o papel. Até aí tudo ótimo, não fosse pela produtora extremamente “quadrada” e o próprio americano criador do Bingo que queriam um personagem idêntico a versão gringa.

Augusto começa seguindo o que lhe mandam, e o programa tem um início lastimável, com as crianças desanimadas e audiência pior do que se esperava. Ele insiste para que o deixem improvisar no personagem.

Quando já estava pra perder o papel do Bingo, a produtora do programa lhe dá a última chance e o Bingo não decepciona! Bem mais solto e menos politicamente correto, o palhaço ganha as crianças na plateia, trazendo quadros como o telefonema durante o show e convidados nada adequados para um programa de crianças, como a Gretchen sensualizando. Viva os anos 80!

O programa dispara na audiência e passa a TV Mundial.

Esse pequeno arco do início do Augusto como Bingo mostra tanto os bastidores de como funciona um programa de TV naqueles moldes, toda a correria e desespero para tudo sair certinho, como a apelação em busca da audiência.

Conforme o sucesso do personagem vai tomando conta de Augusto, ele perde o controle e se afunda em drogas, tendo como colega o operador de câmeras, Vasconcelos. E quanto maior o sucesso e abuso com as drogas, mais ele se afasta do filho. O que parecia a redenção ao artista que finalmente atingiu o almejado sucesso, na verdade torna-se sua maldição.

Aos poucos vemos Augusto perdendo contato com Gabriel, que em certo momento diz ao pai que “ele era um pai que brincava com todas as crianças do mundo, menos ele”. Aqui cabe até a famosa frase do Jim Carrey que diz “que todo mundo deveria ficar rico, famoso e fazer tudo o que sempre sonharam, para que possam ver que essa não é a resposta para a felicidade.”

Uma cláusula do contrato para interpretar o Bingo impedia que a real identidade do palhaço fosse revelada. Este pequeno detalhe faz com que Augusto veja seu personagem explodir em fama, mas ele continua sendo desconhecido para as pessoas.

O vício em drogas já estava tão incontrolável que Augusto decide “dar um tiro” 2 minutos antes de começar o programa do Bingo e isso acaba em uma cena bem pesada (que não vou dar spoiler, apesar da liberdade pra tal nesta review). Vale o choque de quem ainda for assistir. Inclusive, existem vídeos da época do programa do Bozo em que o palhaço está tão fora de si, ligado no 220, que parece que o vídeo está sendo reproduzido acelerado nuns 4x.

Depois de perder toda a sua família de uma forma ou outra, deixando inclusive o filho se embebedar de Whisky até apagar, e de também perder a fama, Augusto chega ao limite e quase morre em um acidente doméstico (numa cena fantástica), indo parar no hospital.

O final da história leva Augusto de volta à igreja com Lúcia, fazendo apresentações como Bingo para o público evangélico assim como o Augusto da vida real, Arlindo Barreto, que também passou por esta transição dos palcos da TV para os palanques religiosos.

Bingo: O Rei das Manhãs sem dúvidas se tornou um dos meus filmes favoritos, apesar do final ser meio monótono em relação ao restante da história. E depois de conhecer os bastidores do Bozo, o Palhaço Gozo não mais me parece uma sátira absurda e exagerada…

Pixel Carnificina

Eu sou o caos, senhor Kurtz, caos! E o resto do mundo não irá admitir que é exatamente como eu. "Listen all you fools. Don't you know that Carnage rules?"

Este post tem 5 comentários

  1. Hypolita Prince

    Eita, até pensando em superar minha aversão a palhaços pra ver esse filme.
    Ótimo texto, Pixel. Adorei <3

    1. Pixel Carnificina

      Valeu, Hypolita!!
      Palhaços são legais… só nunca aceite balões deles. haha :3

    1. Pixel Carnificina

      Eu deveria ter botado um spoiler alert logo no começo do texto, falha minha. Não vai se repetir! hahaha É que filmes excelentes assim eu me empolgo e gosto de abordar cada detalhe mesmo. Mas enfim, assista, todos os elogios que o filme recebeu por aí não são exagero!

Deixe um comentário