Batman: o anti-herói universal – Pt. 2

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O presente texto é uma versão resumidíssima do estudo de caso da minha dissertação de mestrado. Embora eu tenha feito uma análise comparativa da representação dos herói nos mangás e nos comics, pra nossa Semana Especial Batman – que virou quinzena – estou trazendo apenas a parte dedicada a Velha Morcega. Pro mestrado, eu me concentrei em Ano Um e na Queda do Morcego, então, acabo contando também um pouco da história de cada uma dessas sagas no texto (embora esse não seja o objetivo e vocês devam ver muito delas nos textos de todo mundo durante a esse período).

PS: Editoras, qualquer coisa estamos aí. Vamos publicar esse negócio? Estou aceitando contratos na faixa dos 25 mil reais, mixaria, eu sei. Só pra garantir o leitinho das crianças.

PS2: (já joguei muito…brinks) Como sou comunista e acredito no livre acesso à cultura, o texto completo está disponível em pdf no site da Biblioteca de Teses e Dissertações da UERJ. É só googlar meu nome que você acha.

É isso ai, espero que curtam. E não deixem de ler a primeira parte.

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Continuação…

Pode-se dizer que, em A Queda do Morcego (Knightfall), mais do que a costumeira pancadaria de sempre, acontece um embate entre intelectos. Na trama, o vilão Bane (do inglês, desgraça, perdição) planeja acabar com Batman não só destruindo seu corpo, mas, principalmente, quebrando seu espírito, e assim dominar Gotham City. O que ele não contava é que o Homem-Morcego já estava bastante debilitado. Sentindo-se cada vez mais cansado por causa do estresse da vida dupla, Bruce Wayne estava à beira de um colapso de nervos. Um dos motivos fisiológicos apontados como causa de sua condição, por exemplo, é a privação de sono. Algo que o próprio mordomo Alfred, ainda em Batman: Ano Um, fazia questão de ressaltar, citando os danos psicológicos que a vida dupla cobraria de seu patrão.

batsinal
Essa imagem é especialmente dedicada prazamiga: Ebony, Delarue e Jota Jota

Após uma série de eventos que visam minar as forças do herói, a pedra final do jogo de gato e rato entre Batman e Bane – com Batman como o rato – é a fuga do asilo Arkham orquestrada pelo vilão. Bane liberta todos os criminosos insanos da cidade, desde figuras de menor expressão, como o Chapeleiro Louco e o psicopata Szasz, até os chamados grandes vilões das histórias em quadrinhos: Coringa, Espantalho e Duas-Caras. Assim, mesmo no estado em que se encontra, Batman precisa caçá-los um por um e colocá-los de volta na cadeia. Cada captura é uma forma de enfraquecer ainda mais o herói. Segundo o vilão musculoso, ele quer exaurir as forças do Cavaleiro das Trevas, levá-lo ao desespero, antes de atacar seu corpo.

Chega a ser dramática a perseguição aos criminosos, pois, mesmo sem energias, Batman encontra forças para combater o crime levando seu corpo às últimas consequências. Esse seria seu diferencial. Enquanto Superman tem energia ilimitada, Batman, como humano que é, pode ficar sem forças e adoecer, mas usando apenas sua força de vontade ele se impõe à ação quando necessário. Ele desenvolve até um “bordão”, um tipo de mantra que o ajuda a se concentrar: “seus problemas não importam, você não é importante, apenas Gotham importa”. Esse exercício de pura devoção a seu trabalho ilustra o comprometimento do Homem-Morcego.

BATMANACABADO

Uma temática presente em toda a saga, por esse motivo, é a impossibilidade de salvar a todos. Se for preciso escolher entre capturar um bandido e salvar uma vida, Batman sempre vai preferir salvar aquela vida. Mesmo que isso esconda a perversa realidade que deixar o criminoso fugir pode arriscar mais vidas no futuro, ser um herói faz dessa escolha um risco ocupacional; é preciso tentar salvar todo mundo. No estado em que se encontra, usando o máximo da capacidade humana, e até superando-a, Batman se vê às voltas com essa questão repetidamente – o que agrava o seu quadro de estresse.

Quando o Cavaleiro das Trevas volta à mansão Wayne, completamente exaurido após salvar o prefeito que fora sequestrado pelo Coringa e Espantalho – que conseguem fugir –, Bane está esperando por ele. O vilão fisiculturista nocauteia Alfred e não encontra dificuldade em vencer o Batman. No entanto, quando ele estava prestes a matá-lo, muda de ideia e decide quebrar sua coluna, deixando-o paraplégico.

Batman 497-21_Knightfall Part 11 THE BREAKING
Aquilo que todo mundo queria ver

Com Bruce Wayne incapacitado, o amigo de Tim Drake, Jean-Paul Valley, assume permanentemente a identidade de Batman. Na trama, o próprio Tim Drake descarta a possibilidade de eles combaterem o crime apenas como Robin e Azrael. Segundo o Menino Prodígio, Gotham precisa de um Batman, esse é o único símbolo que ela conhece e respeita. Contudo, o jovem Jean-Paul não se mostra a altura do desafio, tornando-se um Batman mais sombrio e violento do que o original.

Mesmo com o treinamento adequado, dentro de seu contexto ficcional, o herói é único. Aqui há duas mensagens conflitantes. Ao mesmo tempo em que as histórias em quadrinhos do Batman passam a ideia geral de que “qualquer um” pode ser um super-herói, a inadequação de Jean-Paul para o cargo ressalta as características únicas que resultaram na criação do Batman. Sendo um personagem que vive na linha tênue entre anti-herói, vigilante e até vilão, o Batman de Jean-Paul Valley demonstra como o “poder” da máscara nas mãos erradas pode se tornar perigoso.

MONSTRUOSIDADE
Radikal você, fera… Tu gasto o esmalte da tua mãe pra isso?!

A intenção de Bruce Wayne sempre foi causar medo em seus adversários, mas esse medo era baseado num jogo de cena produzido pelo milionário: a roupa, os apetrechos, o uso controlado da força. Valley prefere causar pavor, não tendo piedade de seus inimigos e não se importando com a vida dos inocentes. O próprio Bane reconhece que está matando o símbolo que era o Batman. Isso um pouco antes de ser facilmente derrotado por Valley que incorporou ao uniforme do Batman os elementos letais de sua armadura de Azrael.

Eventualmente (num arco bem menos inspirado, diga-se de passagem) Bruce se recupera e volta à Gotham determinado a reaver sua capa e máscara. Porém, ele antes precisa recuperar suas habilidades. Mesmo estando curado, seu corpo não é mais o mesmo. Bruce, então, recorre a sua antiga mestra, a ninja-assassina Lady Shiva. Ele precisa vencer a morte, aqui representada pela tutora, para voltar a sua velha forma.

DetectiveBRUCEROCk
Como fã incondicional do Superman, não consigo ver como os fanboys, que acham tranquilo o Batman espancando geral NUMA CADEIRA DE RODAS. É muito apelação até pra mim. rsrs

Após algumas semanas de treinamento, Shiva arma um plano para fazer com que Bruce, seu melhor aluno, mate alguém e, assim, finalmente complete seu treinamento. Bruce percebe que só vai se ver livre do teste se “matar” alguém. Deste modo, ele aplica um golpe letal em seu adversário para a satisfação de sua mestra. Só que, mais tarde, o indivíduo acorda. Bruce teve sucesso em enganar a morte.

Chega o momento do combate entre o Batman de Bruce e o de Jean-Paul. No confronto entre os dois, Bruce Wayne, mais centrado e controlado, parece ter a vantagem. Nesse momento, Valley começa a criar situações de perigo fazendo com que Batman pare de lutar para salvar pessoas em perigo – até mesmo alguns criminosos – o Batman verdadeiro não faz essa distinção moral, ele é um defensor e a vida humana está em primeiro lugar.

A última parte da luta acontece na Mansão Wayne, local que Valley também usava como base. Bruce supera Jean-Paul tanto intelectualmente quanto em força e Valley admite a derrota, assumindo não ser digno do manto negro (Nunca será!). Ao invés de castigá-lo, Wayne o abraça dizendo que o erro foi todo dele ao não considerar a carga psicológica de ser o Batman. Esse arco mostra como as histórias de Batman têm um caráter intrinsecamente transcendental, o Homem-Morcego salva a vidas em Gotham, mas também salva sua “alma”. Através de sua conduta, ele age diretamente na psiquê dos cidadãos de Gotham.

Detective
Quando o Batman caí, a cidade inteira vai com ele. Mas não porque eles estejam preocupados com sua segurança, só que, sem ele, não há esperança.

Nesses arcos, vemos como Batman possui uma abrangência microcósmica. Agindo apenas em Gotham, sua missão não é salvar o mundo. Gotham é tida como uma sociedade distópica, mergulhada na criminalidade e no caos. Ela demanda uma ação e acompanhamento contínuos do herói. Os antagonistas são violentos e conhecidos pela sociedade, embora usem máscaras. Ou seja, os antagonistas em Batman, assim como o próprio herói, tendem mais para situações reais. São criminosos “comuns” – assassinos, ladrões, incendiários, sequestradores, – só que mascarados.

Deste modo, podemos afirmar que a defesa da coletividade em Batman acaba se relacionando intrinsecamente à figura do herói. Em Batman: Ano Um, não há ainda menção aos costumeiros vilões mascarados como Coringa e Espantalho, no entanto, a transformação de Selina Kyle em Mulher-Gato é mostrada como um reflexo direto do surgimento do Homem-Morcego. Já em A Queda do Morcego, no qual a galeria de vilões já está estabelecida, fica mais claro que cada um dos criminosos age com intenção de atrair e subjugar o Batman como forma de dominar a cidade, inclusive o vilão principal, Bane.

Por fim, o tema da identidade adquire um tom bastante complexo quando Jean-Paul Valley assume o manto do Batman. A incompatibilidade de Valley com o uniforme, fazendo com que ele o modifique na primeira chance que tem, e o estranhamento de outras pessoas, especialmente o Comissário Gordon, que não o reconhecem como sendo o Batman que eles conheciam, reforçam a hipótese de que o Batman é único justamente porque não existe um Bruce Wayne per se, sendo o Batman a “verdadeira” personalidade do herói.

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem 22 comentários

  1. JJota

    Três pontos eu destaco em A Queda do Morcego:

    A humanidade do Batman: aqui vimos um “super”-herói que se rende a exaustão, se fere com gravidade e, depois, comete erros terríveis;

    A importância de uma lenda para uma cidade: Gotham sofre sem seu campeão, mesmo com grande parte de sua população acreditando que ele sequer existe. A importância do Batman, assim, transcende sua própria existência;

    Batman é Bruce Wayne e ponto final: um dos maiores erros de TDKR foi transformar o símbolo em algo tão grande que terminou sendo apequenado quando sugeriu que qualquer um pode ser o Batman. Não pode. Qualquer um, isso é fato, pode fazer a sua parte se assim o desejar. Mas só o Batman é o Batman, pois este vai muito além de um uniforme e alguns “fantásticos brinquedos”. Batman é um ser, com seus traumas, suas experiências, suas definições. Como Grayson disse certa vez: “Eu não posso ser o Batman. Eu posso substituí-lo, sim, mas nunca serei ele.”

      1. JJota

        E eu que pensava que o vilão que se vestia como “atleta” de luta-livre mexicana era o pior…

          1. JJota

            Cara, esse visual é um resumo de tudo o que existia de mais brega e exagerado nos quadrinhos dos anos 90. Olha a capa, o detalhe das manoplas, as ombreiras, a máscara, as partes douradas… Que é aquela porra no peito dele? Não, não, não… chega de tanta tortura.

          2. Colossus de Cyttorak

            Se eu não me engano, a porra no peito é o escudo da Ordem de São Dumas… Ah, eu acho maneiro, porque é uma armadura, muito mais viável de suportar tiros do que pular pelas paredes fazendo espacate, como o Batman às vezes faz… HAHAHAHA!

          3. JJota

            Velho, olha essa armadura: aquilo tem que pesar pelo menos 150 kg… É um exagero e uma aberração estética. Como se esconder nas sombras e se mover em silêncio com uma parafernália dessas? Impossível. O erro das pessoas é ver o uniforme do Batman como frágil, mas vário escritores (Frank Miller entre eles) sempre disseram-sugeriram-mostraram que o uniforme do Batman não é um tecido comum e que ele usa proteções reforçadas sobre áreas vitais, como peito e pescoço, por exemplo. Se o Batman fosse usar uma armadura, seria algo mais na linha do filme TDK (que eu acho feia de doer na vista…).

          4. JJota

            Anos 90, Reverendo… Anos 90…

          1. JJota

            Também achava esse visual do Azrael ridículo. Só perde para quando refizeram o visual e ele ficou esquisito pra caramba, com o cabelo aparecendo. Como Batman, foi um “e se os gênios da Image tivessem criado o Morcego nos anos 90”. O visual do Batman – assim como o do Superman – é o clássico, com cueca por cima da calça e sem elipse amarela ou armadura externa.

            http://www.mwctoys.com/images/review_bbwmiller_3.jpg

          2. JJota

            Achei um lixo. Isso é de alguma fase do Morrison?

          3. Colossus de Cyttorak

            Também gosto do visual, House. Nem tudo que foi gerado nos anos 90 é ruim. Ele me parece um Cavaleiro da Lua revisitado e modernizado. Acho show de bola.

          4. Colossus de Cyttorak

            Ah, eu gosto de imaginar o Azrael como um Cavaleiro da Lua Overpowered (porra, cismei com essa palavra hoje!!!). Aliás, o que tem sido feito do Cavaleiro, Jota? As últimas histórias que li dele tavam no Capitão América e no Superaventuras Marvel da Década de 80! ahahahahah

          5. JJota

            Acabou de terminar o arco do Ellis, que colocou o Cavaleiro com um visual que lembra um antigo vilão do Homem-Aranha (acho que o nome era Rosa). Não gostei e acho que, desta vez, o personagem morreu mesmo.

          6. Colossus de Cyttorak

            Uma pena. Achava interessante a coisa de o Cavaleiro da Lua ser uma das inúmeras personalidades do cara (que incluíam um motorista de táxi, um milionário, etc.)… Acho que isso daria histórias ótimas de conflito de personalidade e até com tons de um pouco de esquizofrenia.

            Uma grande oportunidade jogada fora…

          7. JJota

            As editoras preferem fazer n versões dos mesmos personagens top, como Batman, Wolverine, etc.

        1. JJota

          Velho, o visual do Batman foi criado para ser assustador, levar medo aos criminosos. Isso é assustador:

          http://larryfire.files.wordpress.com/2010/03/david.jpg

          Isso é cômico, pra dizer o mínimo:

          http://img.photobucket.com/albums/v73/Opticon/azbats03.jpg

          E isso é um desenhista sem criatividade tentando criar o novo sobre o clássico sem atentar para as origens do uniforme do personagem:

          http://1.bp.blogspot.com/-fjT-i2GtS6g/UoFGhVNPT_I/AAAAAAAAXNM/JsmVJP-UBWg/s1600/batman-jim-lee-new-52.JPG

    1. Puluko

      Por isso gosto tanto do Batman: a “humanidade” dele me lembra a do Peter Parker.

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